80's Bits XXXIV

Neste mês: a guerra fria resolvida à pancada num ringue escaldante; uma coisa do outro mundo devoradora de gatos; uma banda sobrevivente com o olhar do tigre e uma dupla de dragões a repor a ordem nas ruas.

Filme: ‘Rocky IV’ (1985)

Depois de recuperar o título de pesos-pesados do campeonato de boxe, Rocky Balboa (Sylvester Stallone) planeia retirar-se dos ringues e morar com a sua esposa, Adrian (Talia Shire). No entanto, durante um combate de exibição, o amigo de Rocky, Apollo Creed (Carl Weathers), é golpeado impiedosamente até a morte pelo enorme novato russo Ivan Drago (Dolph Lundgren). Rocky promete vingança contra Drago e voa para a Rússia para treinar para uma luta no dia de Natal. Apesar dos diferentes métodos de treino e preparação, Rocky e Drago travam uma partida longa e intensa num período tenso da Guerra Fria entre os Estados Unidos da América e a União Soviética.

O desenvolvimento de um quarto filme do pugilista Rocky começou logo após o sucesso de 'Rocky III' (1982), que enfrentou polémica após ser objecto de um processo de direitos de autor. A fotografia principal começou em 1984, com locais de filmagem incluindo Filadélfia, Wyoming e Vancouver. 'Rocky IV' foi a estreia do sueco Dolph Lundgren no cinema americano e o último trabalho como realizador de Stallone até 2006; os dois envolveram-se em socos autênticos nas suas cenas de luta, o que levou Stallone a ser internado nos cuidados intensivos. As filmagens também apresentaram novos efeitos especiais e métodos e equipamentos desportivos inovadores e genuínos, alguns dos quais foram removidos do uso público por anos.

'Rocky IV' estreou em Los Angeles em 21 de Novembro de 1985 e foi lançado nos cinemas nos Estados Unidos pela MGM/UA Entertainment Co. sob o seu selo United Artists. O filme recebeu avaliações mistas, com críticas pelo seu argumento previsível e elogios à credibilidade de Drago como vilão. Os estudiosos observam que a derrota final de Drago e o abraço de Rocky pela multidão soviética representaram a dissolução da União Soviética, enquanto outros criticaram o filme como propaganda por meio dos seus temas da Guerra Fria e retratos negativos dos russos. A longa-metragem escrita e realizada por Stallone foi um sucesso de bilheteira, arrecadando 300 milhões de dólares em todo o mundo, tornando-se o filme de maior sucesso comercial da saga.

Quando fui ver 'Os Masters do Universo' (1987) ao cinema, o filme mais ansiado por mim enquanto criança, lembro-me de vários espectadores mencionarem o nome "Ivan Drago" ao referirem-se à personagem He-Man sem eu perceber porquê. Afinal, tratava-se do primeiro filme como protagonista de Dolph Lundgren, que apenas tinha aparecido anteriormente no grande ecrã como o gigante pugilista soviético. Como até à data não tinha visto qualquer filme da saga Rocky (e o quarto capítulo seria o primeiro que iria ver, mais tarde), não percebi a referência. ‘Rocky IV’ não é um grande filme, está muito longe da qualidade da obra original de 1976, mas é o mais popular de toda a franquia e entusiasmou-me enquanto criança pela forma como consegue elevar as expectativas do combate final, apesar de toda a evidente propaganda.

Série: ‘Alf, Uma Coisa do Outro Mundo’ ALF (1986-1990)

Gordon Shumway é um alienígena do planeta Melmac que segue um sinal de rádio amador para a Terra e acaba por despenhar-se na garagem dos Tanners, uma família suburbana de classe média que vive na área de San Fernando Valley, na Califórnia. A família consiste no assistente social Willie (Max Wright), a sua esposa Kate (Anne Schedeen), a filha adolescente Lynn (Andrea Elson), o filho mais novo Brian (Benji Gregory) e o gato de estimação, Lucky. Willie Tanner dá a Gordon a alcunha de ALF (Alien Life Form). Sem saber o que fazer, os Tanners levam ALF para a sua casa e escondem-no da Alien Task Force (parte das forças armadas dos EUA especializada em alienígenas) e dos seus vizinhos intrometidos Trevor e Raquel Ochmonek (John La Motta e Liz Sheridan), até que ALF possa reparar a sua nave espacial.

Criada por Tom Patchett e Paul Fusco, com este último responsável também por operar e dar voz ao boneco de ALF, a série estreou em 1986 no canal norte-americano NBC e durou quatro temporadas. Foram produzidos 99 episódios incluindo quatro de uma hora ('Try to Remember', 'ALF's Special Christmas', 'Someone to Watch Over Me' e 'Tonight, Tonight') que foram divididos em duas partes para distribuição, totalizando 102 episódios. A série propriamente dita terminou com um cliffhanger não resolvido (típico de fim de temporada), mas um filme para TV posterior, 'Project ALF' (1996), serviu como final da história da "coisa do outro mundo".

Devido à natureza inerente da produção de um programa de televisão com fantoches operados manualmente (à semelhança de 'Os Marretas', de Jim Henson), 'ALF' era tecnicamente difícil e extremamente exigente para o criador da série Fusco, bem como para seus quatro actores principais. Um episódio de 30 minutos poderia levar até 25 horas para filmar e o ambiente no estúdio não era o melhor. Ann Schedeen, que interpretou Kate Tanner, confidenciou que, após o derradeiro take do último episódio, o actor Max Wright abandonou o set, foi para o camarim, agarrou  nas malas, entrou no carro e arrancou sem sequer se despedir de qualquer dos seus colegas.

Estreada em Portugal no dia 26 de Fevereiro de 1987 com o título 'Alf, Uma Coisa do Outro Mundo', a série desde cedo garantiu à RTP uma fiel audiência. Começou por ser transmitida às quintas-feiras, depois do Telejornal, até passar a ir para o ar aos fins-de-semana. Terá sido umas das primeiras sitcoms a que prestei atenção enquanto criança, especialmente por causa do divertido e falador personagem principal em torno do qual girava toda a série. Curioso como não voltei a ver em quaisquer outras produções de televisão ou cinema nenhum dos actores de "carne e osso" da família Tanner e apenas Liz Sheridan (a vizinha Raquel) teve algum destaque como a mãe de Jerry na conhecida série 'Seinfeld' da década seguinte.

Músicas: ‘Eye of the Tiger’ (1982) / ‘Burning Heart’ (1985) – Survivor

Survivor é o nome de uma banda norte-americana de rock fundada em 1978 por Jim Peterik e Frankie Sullivan. A formação do conjunto natural de Chicago sofreu várias alterações ao longo da carreira, com as mais sonantes a dizerem respeito aos seus vocalistas principais. O homónimo álbum de estreia dos Survivor, lançado em 1979, contou com Dave Bickler (voz), Dennis Keith Johnson (teclados) e Gary Smith (bateria), juntamente com os fundadores Sullivan (guitarra principal) e Peterik (guitarra rítmica). Seguiu-se 'Premonition' (1981), que foi ligeiramente melhor recebido que o primeiro álbum e que chegou aos ouvidos do actor Sylvester Stallone. O protagonista de 'Rocky III' procurava um tema principal para o seu filme, e após ficar agradado com a canção 'Poor Man's Son', pediu à banda que compusesse uma nova música no mesmo estilo.

O pedido de Stallone foi prontamente aceite pelos Survivor e assim nasceu 'Eye of the Tiger', canção que não apenas assegurou a sobrevivência da banda como se tornou um êxito gigantesco um pouco por todo o mundo. Escrita por Sullivan e Peterik e cantada por Bicker, a música deu nome ao terceiro disco de originais da banda e alcançou o primeiro lugar nas tabelas de muitos países. Nos EUA, foi número um na Billboard Hot 100 por seis semanas, passou 15 semanas consecutivas entre os dez primeiros e foi o segundo single mais vendido de 1982. No ano seguinte, os Survivor lançariam o seu quarto álbum, 'Caught in the Game', sem grande sucesso e Bicker acabaria por sair da banda, abrindo o caminho para a chegada do novo vocalista Jimi Jamison.

'Vital Signs' (1984) mostrou que os Survivor ainda estavam vivos e depois de uma digressão bem-sucedida com Bryan Adams, o telefone da banda voltou a tocar com Stallone novamente do outro lado da linha. 'Burning Heart' foi escrito exclusivamente para  'Rocky IV' (1985) e mostrou que o actor norte-americano continuava fã da banda, mesmo depois da troca de vocalista. O segundo maior êxito da carreira da banda bateu aos pontos ,a nível da Billboard, todas as outras canções da banda sonora do filme, incluindo 'No Easy Way Out' de Robert Tepper e especialmente a popular 'Living in America' de James Brown. Os Survivor viveram os seus melhores anos à sombra de Rocky, estiveram em hiato entre 1988 e 1993 e continuam no activo, apesar da morte de Jamison em 2014.

'Eye of the Tiger' marcou os anos 80 e continua a ser ouvida frequentemente em filmes, séries, publicidade ou eventos desportivos por todo o mundo. Seja como um exemplo de luta, treino ou mesmo paródia do que representa, o tema é facilmente identificável por pessoas de várias idades, provando a intemporalidade da canção. Durante muito tempo, pensei que a mesma fazia parte da banda sonora de 'Rocky IV' e não de 'Rocky III', talvez pelo facto do quarto capítulo da saga ser o mais popular. 'Burning Heart' é efectivamente a canção principal do filme que opõe Balboa a Drago e é a favorita do meu irmão do meio de toda a saga. Eu gosto das duas, especialmente pela extensão vocal dos dois vocalistas, ambos tenores com alcance de múltiplas oitavas.

Videojogo: ‘Double Dragon’ (1987)

A história de 'Double Dragon' passa-se numa Nova Iorque pós-apocalíptica , cinco anos após uma guerra nuclear, onde gangues e facções criminosas tomaram o controle da cidade. Os heróis e protagonistas são Billy e Jimmy Lee, dois irmãos gémeos mestres no estilo de artes marciais conhecido como Sōsetsuken. Certo dia, a namorada de Billy, Marian, é raptada nas ruas e os irmãos Lee recebem uma mensagem dos criminosos, os Black Warriors, exigindo conhecer os segredos do Sōsetsuken em troca da sua segurança. Os Black Warriors são a maior facção criminosa da cidade, liderados por Willy Mackey, e caberá aos dois irmãos repor a lei e ordem e salvar Marian.

Sucessor espiritual e tecnológico do beat 'em up anterior da Technos, 'Nekketsu Kōha Kunio-kun' (lançado fora do Japão pela Taito em 1985 como 'Renegade'), 'Double Dragon' introduziu várias novidades ao género do jogo de luta como um scrolling lateral contínuo adicionando uma sensação de progressão, jogabilidade cooperativa para dois jogadores, a capacidade de utilizar a arma de um inimigo após desarmá-lo , e o uso de cutscenes para dar uma aparência cinematográfica. O título do jogo é uma referência à jogabilidade para dois jogadores e ao filme de artes marciais de Bruce Lee, 'O Dragão Ataca' (1973), que foi uma grande inspiração por trás de 'Kunio-kun' e 'Double Dragon', enquanto o estilo de arte e o cenário do jogo foram influenciados pela saga 'Mad Max' e pela série de manga e anime 'Fist of the North Star'.

'Double Dragon foi um dos primeiros jogos beat 'em up de sucesso, tornando-se o terceiro jogo de arcade mais rentável do Japão em 1987, antes de se tornar o jogo de arcadededicado que mais moedas arrecadou nos Estados Unidos por dois anos consecutivos, em 1988 e 1989. Também recebeu aclamação da crítica, com a Electronic Gaming Monthly premiando-o como Jogo do Ano de 1988. O seu sucesso resultou na criação da franquia Double Dragon, incluindo duas sequências de arcade e vários spinoffs, e inaugurou uma "Era de Ouro" para o género beat 'em up, estabelecendo as convenções para uma onda de beat 'em ups de outros países. empresas durante o final da década de 1980 até a década de 1990. Originalmente um jogo de arcade, versões caseiras foram lançadas para NES, Master System, Atari 2600, Atari 7800, Atari ST, Amiga, Amstrad CPC, Commodore 64, Game Boy, Genesis/Mega Drive e Atari Lynx, entre outras plataformas durante o auge da popularidade da saga.

Antes de propriamente o jogar, já ouvia falar do jogo 'Double Dragon' desde criança devido à sua popularidade nas máquinas de arcade ou nas suas adaptações para  computador ou consola. Quando finalmente o joguei, no caso para o ZX Spectrum, o entusiasmo não foi muito, até porque, entretanto, já haviam saído outros títulos para o mesmo sistema mais evoluídos e com uma jogabilidade muito superior, especialmente a nível da detecção de colisão, como o caso de 'Target: Renegade' (1988). Contudo, a importância de 'Double Dragon' é inegável na mudança que encetou no género dos jogos cooperativos de luta e ficou na memória, ao contrário do terrível filme com o mesmo nome que chegou às salas de cinema em 1994.