80's Bits XXXV

Neste mês: um polícia à caça de bandidos e gargalhadas; um canal com o verdadeiro artista e muita paprica; um cantautor de carreira curta mas recheada de êxito e um ovo aos trambolhões na ilha do tesouro.

Filme: ‘O Caça-Polícias’Beverly Hills Cop (1984)

Após o seu amigo de infância ter sido assassinado enquanto visitava Detroit, o polícia à paisana Axel Foley (Eddie Murphy) segue as pistas até Beverly Hills, Califórnia, sob o pretexto de tirar férias. Ele conversa com a velha amiga Jenny Summers (Lisa Eilbacher) e começa a acreditar que o seu chefe, o negociante de arte Victor Maitland (Steven Berkoff), pode de alguma forma estar envolvido no assassinato. No entanto, o tenente Bogomil (Ronny Cox), do Departamento de Polícia de Beverly Hills, não confia em Foley e dificulta a sua busca por provas, que conta com o contributo do sargento John Taggart (John Ashton) e do detective William "Billy" Rosewood (Judge Reinhold).

Em 1977, o executivo da Paramount, Don Simpson, teve a ideia de um filme sobre um agente policial de Los Angeles transferido para Beverly Hills. O argumentista Danilo Bach foi chamado para escrever a história. Bach apresentou a sua ideia a Simpson e à Paramount em 1981 sob o nome de 'Beverly Drive', contudo o seu argumento era de um típico filme de acção e Bach foi forçado a fazer alterações. Após o sucesso de 'Flashdance' (1983), o agora produtor Simpson viu o filme de Beverly Hills como o seu próximo projecto e contratou  Daniel Petrie Jr. para dar um toque mais cómico à história original de Bach. O jovem Eddie Murphy, conhecido domesticamente pelas suas prestações no programa de televisão 'Saturday Night Live', tornou-se a escolha ideal para protagonizar o filme.

'O Caça-Polícias' levou Murphy ao estrelato internacional, ganhou o People's Choice Award de "Filme Favorito" e foi nomeado para o Globo de Ouro de Melhor Filme - Musical ou Comédia e ao Óscar de Melhor Argumento Original em 1985. Um sucesso de bilheteira imediato, o filme realizado por Martin Brest recebeu críticas positivas e arrecadou 234 milhões nas bilheteiras da América do Norte, tornando-se o filme de maior receita doméstica em 1984. O sucesso do mesmo deu origem às sequelas 'O Caça-Polícias II' (1987) e 'O Caça-Polícias III' (1994), gradualmente inferiores ao original. Quando se pensava que a saga havia terminado com o desastroso terceiro filme, chegou à Netflix um quarto capítulo da saga, com o nome ' O Caça-Polícias: Axel Foley', estreado no início deste mês.

O nome que foi dado ao filme em Portugal aborrecia-me enquanto criança por causa da semelhança com 'Os Caça-Fantasmas', lançado no mesmo ano. Para além de não ter nada a ver com a obra de Ivan Reitman, parecia-me (e ainda me parece) uma "tradução" infeliz do original e sem fazer grande sentido. Antes de efectivamente ter visto o filme já conhecia a sua música principal - 'Axel F' do alemão Harold Faltermeyer, provavelmente uma das canções electrónicas instrumentais mais célebres dos anos 80, e que acabaria por inspirar o inesperado (e irritante) fenómeno 'Crazy Frog' em 2005. Quando finalmente vi 'O Caça-Polícias' já trabalhava num videoclube e achei o filme divertido, feito à medida do carisma de Eddie Murphy.

Série: ‘O Tal Canal’ (1983-1984)

'O Tal Canal' é um programa humorístico da autoria de Herman José que estreou na RTP em Outubro de 1983. Numa altura em que só existiam dois canais de televisão em Portugal, ambos detidos pelo Estado, 'O Tal Canal', presidido pelo professor doutor Oliveira Casca, um empresário analfabeto e egocêntrico, apresentava-se como uma alternativa, parodiando os vários tipos de programas que se viam à época. Neste fictício canal privado não podia faltar uma locutora de continuidade, os anúncios publicitários, os minutos dedicados ao Direito de Antena e dezenas de rubricas que iam para o ar durante as emissões. Herman José protagoniza a larga maioria das rábulas, tendo estas também a participação de Vítor de Sousa, Helena Isabel, Lídia Franco, Manuel Cavaco, Margarida Carpinteiro e Natália de Sousa.

Dos vários programas apresentados, destacam-se: "Informação 3", um noticiário apresentado por Carlos Filinto Botelho; "Momento Infantil", programa pedagógico da Drª Palmira Peres com a presença do menino Nelito, uma criança problemática; "Cozinho para o Povo", rubrica culinária com Filipa Vasconcelos; "O Esférico Rolando sobre a Erva", programa desportivo moderado pelo alcoólico José Esteves; "Tempo dos Mais Velhos", rubrica de exercício físico direcionado para os telespectadores mais idosos; "Viva a Coltura", programa cultural da autoria de Oliveira Casca; "Três Jaquinas", um magazine sobre moda; "O Diário de Marilu", uma telenovela portuguesa; ou "Tony Silva, The Super All Star Show", um programa da autoria do artista e que contava sempre com a presença de uma figura importante do panorama musical português.

A transmissão original de 'O Tal Canal' chegou ao fim em Janeiro de 1984, após apenas 12 episódios, mas o impacto da série "obrigou" a RTP a retransmitir o programa várias vezes ao longo dos anos 80 e 90 e, mais recentemente, através da RTP Memória. Alguns dos personagens nasceram como paródias e sátiras a pessoas reais e outros transitariam para programas seguintes de Herman José como 'Hermanias' (1984-85) e 'Humor de Perdição' (1987-88). Tido como um dos melhores programas de sempre da televisão portuguesa, 'O Tal Canal' notabilizou-se desde o primeiro episódio por trazer um tipo de humor que ainda não tinha sido explorado em Portugal, já que, até à altura, todas as tentativas no género acabavam por se identificar, numa maior ou menor medida, com o teatro de revista.

Ao preparar este artigo fiquei surpreso com a data original de transmissão de 'O Tal Canal' porque podia jurar que o tinha visto nessa altura com a família reunida na sala de estar. Contudo, se assim fosse, eu teria menos de 4 anos e parece pouco provável ter memórias tão vivas desse tempo. A resposta está nas inúmeras retransmissões que passaram nos dois canais da RTP pois lembro-me perfeitamente do genérico do programa, de algumas das rábulas e de vários personagens. Hermann José von Krippahl, no seu nome completo, revolucionou a comédia em Portugal e foi a minha principal referência (e creio que para a maioria da minha geração) para gargalhadas no que diz respeito a material nacional.

Música: ‘Playback’ (1981) / ‘Cinderela’ (1984) Carlos Paião

Carlos Manuel Marques Paião foi um cantor e prolífico compositor português. Nascido em Coimbra, a 1 de novembro de 1957, Paião licenciou-se em Medicina na Universidade de Lisboa, mas o gosto (e o talento) para a composição musical, e em particular para as letras, levaram-no a ponderar dedicar-se exclusivamente à música. Algo que veio a realizar-se muito rapidamente. Teve o primeiro reconhecimento público em Ílhavo (a terra dos seus pais) quando venceu o Festival da Canção do Illiabum Clube, em 1978, com o tema 'Canto de Guerra'.

Em 1979 assinou contrato com a Valentim de Carvalho e apenas dois anos depois, em 1981, venceu o Festival RTP da Canção com o tema 'Playback', uma sátira aos artistas que actuavam sobre uma gravação prévia. Paião venceu com a esmagadora pontuação de 203 pontos, deixando para trás concorrentes tão fortes na altura como as Doce e José Cid. 'Playback' representou Portugal no Festival da Eurovisão realizado, nesse ano, em Dublin, na República da Irlanda. O penúltimo lugar não beliscou minimamente a popularidade do cantor e compositor, pois Paião continuaria a lançar singles de sucesso e no ano seguinte até um álbum de originais intitulado 'Algarismos'.

Carlos Paião foi um intérprete premiado e um letrista brilhante escrevendo para vários géneros – desde fado, canções ligeiras, humorísticas, a músicas infantis – e vários artistas, de Herman José (e os seus personagens, como José Esteves ou Serafim Saudade) a Amália Rodrigues. A 26 de Agosto de 1988, a caminho de um espectáculo em Penalva do Castelo, Paião sofreu um violento acidente de viação em Rio Maior e faleceu. Como compositor, intérprete e instrumentista, o músico produziu mais de trezentas canções e os breves dez anos de carreira foram o bastante para viver ainda na memória lusa e nas vozes de diferentes gerações de artistas portugueses.

A notícia da inesperada morte de Carlos Paião sucedeu um dia após o famigerado Incêndio do Chiado, que deflagrou nos Armazéns Grandella do lado da Rua do Carmo em Lisboa. Quando os portugueses estavam colados à televisão para saber mais sobre as consequências do extenso incêndio (de uma área equivalente a quase oito campos de futebol) eis que surgiu a chocante notícia da partida de um dos nomes mais acarinhados da música portuguesa. Eu era demasiado novo para ter visto 'Playback' na altura da Eurovisão mas todos lá em casa apreciávamos o génio de Paião, fosse a escrever canções para os programas humorísticos de Herman José ou a interpretar singles tais como 'Pó de Arroz' (1981) ou 'Cinderela' (1984).

Videojogo: ‘Treasure Island Dizzy’ (1989)

'Dizzy' é uma série de videojogos criada pelos irmãos gémeos Andrew e Philip Oliver e distribuída pela Codemasters. Foi uma das franquias britânicas de jogos de computador de maior sucesso do final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Originalmente criada para ZX Spectrum e Amstrad CPC, a série apareceu em vários formatos de computadores domésticos e consolas, com mais de uma dúzia de jogos publicados entre 1987 e 1992. A saga leva o nome do seu personagem principal, um ovo antropomórfico, chamado Dizzy pela maneira como ele dá cambalhotas e rebola pelo ecrã. Os jogos passam-se em vários locais de contos de fadas e normalmente envolvem Dizzy tentando salvar os seus amigos e familiares, os Yolkfolk, muitas vezes dos esquemas de seu inimigo, o malvado mago Zaks.

Após o lançamento de 'Dizzy – The Ultimate Cartoon Adventure' (1987) ter gerado algum interesse, os gémeos Oliver avançaram para uma sequela mais ambiciosa. 'Treasure Island Dizzy' (1989) é bem diferente do seu antecessor, com um novo sistema de inventário e animações aprimoradas. O jogo contém menos inimigos e está mais centrado na resolução de problemas baseada em inventário. O objetivo do jogo é resolver vários quebra-cabeças para conseguir um barco para que Dizzy possa retornar para junto dos seus amigos e familiares. Para fazer isso, o herói deve viajar por minas assombradas e florestas mágicas, bem como debaixo d'água. O jogo também apresenta uma missão secundária (embora essencial para completar o jogo) na qual trinta moedas de ouro devem ser recolhidas.

Os críticos consideram este o jogo 'Dizzy' mais difícil, já que o sistema de barra de energia dos títulos posteriores ainda não fora implementado e Dizzy tem apenas uma vida. Para aumentar a dificuldade do jogo estava o facto de o jogador ter duas tarefas principais para completar; a fuga da ilhas e a referida recolha das trinta moedas. Ao escapar da ilha final, a personagem Shopkeeper aparece e diz a Dizzy que ele não pode sair sem encontrar todas as trinta moedas. Dado que algumas moedas estavam escondidas atrás do cenário, esta segunda tarefa revelou-se mais desafiante do que o objectivo principal. A extrema dificuldade de 'Treasure Island Dizzy' não impediu o mesmo de se tornar um dos jogos mais vendidos  em 1989 para o ZX Spectrum, com acima de 100 mil cópias vendidas.

A série 'Dizzy' tem ao todo 21 jogos lançados (para além de 3 cancelados e 4 compilações) e não terei jogado nem um quarto dos mesmos mas é fácil indicar qual de todos me ficou mais na memória. 'Treasure island Dizzy' foi o primeiro que conheci e joguei de toda a saga e foi-me apresentado na sua versão para o ZX Spectrum por um colega e amigo com centenas de jogos, por altura do meu 6º ano de escolaridade. Nunca cheguei ao fim mas era divertido jogar e resolver os enigmas, num jogo que explorou ao máximo as limitadas potencialidades do hardware do computador da Sinclair, nomeadamente a sua palete de cores e a definição dos seus gráficos.