80’s Bits III

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Nesta edição relembramos um clássico do cinema que é uma verdadeira lição de vida, com o professor que todos gostaríamos de ter tido. Abordamos também a música e o correspondente videoclipe que catapultou uma banda norueguesa para a fama e recordamos ainda o primeiro videojogo do repórter e aventureiro belga mais conhecido do mundo.

Filme: ‘O Clube dos Poetas Mortos’ (1989)

No outono de 1957, o carismático John Keating é admitido como o novo professor de inglês em Welton, um rígido colégio particular para rapazes, e os seus métodos de ensino pouco convencionais cedo começam a revolucionar as tradicionais práticas curriculares. Com o seu talento e sabedoria, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e a tornar as suas vidas extraordinárias, ao mesmo tempo que entra em colisão com o conservadorismo dos responsáveis da instituição.

“Fui para os bosques para viver livremente,

para sugar o tutano da vida,

para aniquilar tudo o que não era vida,

e para, quando morrer, não descobrir que não vivi.”

É através da recitação deste poema, da autoria de Henry David Thoreau, que começavam as reuniões do Clube dos Poetas Mortos, fundado pelo então aluno John Keating e que, vários anos depois, é recuperado por sete alunos de Keating. O professor, magistralmente interpretado por Robin Williams, transmite aos seus alunos e a todos os espectadores um lema que ficou celebrizado até aos dias de hoje: carpe diem. Esta expressão em latim, que significa “aproveita o dia”, remete-nos para a efemeridade da vida e de como devemos aproveitar cada momento da mesma. ‘O Clube dos Poetas Mortos’ não é um filme sobre poetas ou poesia nem tão pouco apela apenas a quem aprecia este estilo literário. É uma lição de vida, entre outros aspectos, sobre o espírito de grupo, o companheirismo e a honra.

Realizado pelo australiano Peter Weir, a quem o Oscar iludiu das seis vezes que foi nomeado, o filme foi premiado pelo argumento original de Tom Schulman. O saudoso Williams não ganhou o Oscar nesse ano (foi para outro extraordinário actor, Daniel Day-Lewis por ‘O Meu Pé Esquerdo’) mas o “seu” John Keating foi um dos marcos da sua brilhante carreira, marcou uma geração e terá até influenciado futuros professores na forma pouco ortodoxa e cativante de condução das suas aulas. O filme lançou as carreiras bem-sucedidas dos “alunos” Robert Sean Leonard (Neil), Josh Charles (Knox) e, principalmente, de Ethan Hawke, que interpreta o tímido e inseguro Todd Anderson, em quem a história se inicialmente centra. Destaque ainda para a presença convincente de Kurtwood Smith (o memorável vilão do ‘RoboCop’ original) como o severo pai de Neil e para a notável direcção musical de Maurice Jarre, que lhe valeu o BAFTA.

Recordo-me perfeitamente do meu primeiro contacto com o filme. Foi quando passou pela primeira vez na televisão e que o meu irmão mais velho me aconselhou vivamente a gravá-lo. Confesso que fiquei um pouco intrigado, afinal o título não me chamava nada a atenção e estava, por aquela altura, mais habituado a preparar cassetes de vídeo virgens para gravar filmes de acção ou aventura, não um drama. O meu irmão tinha razão e é, até hoje, um dos meus filmes preferidos de sempre. É cativante do início ao fim, divertido e sentimental, e as suas personagens estão muito bem desenvolvidas, pelo que é fácil semelhanças com as nossas próprias experiências ou de outros que tivemos conhecimento. A sua mensagem é forte, marcante mas não manipuladora nem cheia de falsos moralismos. Não há um apelo a um hedonismo desenfreado sem sentido de responsabilidade e respeito pelos outros. Como diz o professor Keating no filme: “Há alturas para se ser ousado e alturas para se ser cauteloso. O homem sensato compreende isso.” O equilíbrio de sensações é um ponto-chave do filme e a liderança inspiradora de Keating e do actor que lhe deu vida ficará para a história. O Captain! My Captain!

Música: ‘Take On Me’ — A-ha (1985)

Desta vez o olhar não se centra num álbum mas principalmente numa música ou single que foi um enorme sucesso na década de 80, tanto a nível sonoro como visual. Estávamos em 1985 e, em jeito de brincadeira, podia-se dizer que as exportações conhecidas da Noruega resumiam-se ao famoso bacalhau. Os A-ha vieram alterar esse panorama. Formados em Oslo no ano de 1982, o trio constituído por Morten Harket (voz), Paul Waaktaar-Savoy (guitarra) e Magne Furuholmen (teclados) foi descoberto pelo produtor John Ratcliff, que os levou para Londres. A mudança terá sido importante para que o álbum de estreia ‘Hunting High and Low’ tivesse sido um sucesso internacional. O trabalho rendeu cinco singles muito pelo êxito tremendo do primeiro, ‘Take On Me’. Regravada duas vezes até à versão final que saiu no álbum, a canção é caracterizada pela sua batida vigorosa de sintetizador, pelos agudos impressionantes da voz de Harket e encabeça, até hoje, várias compilações lançadas sobre música da década de 80 do século passado.

O que diferencia então, ‘Take On Me’ de tantas outras canções que foram um sucesso? O seu espectacular videoclipe. A MTV iniciou as suas emissões em 1981 e é inegável o seu papel na divulgação de músicas, bandas e artistas. Em plena metade da década, a popularidade de um teledisco era sinónimo de sucesso de vendas do correspondente single e os A-ha souberam aproveitar a oportunidade. Realizado por Steve Barron e utilizando um método de animação feito a lápis combinando com acção real através de rotoscopia, o videoclipe ganhou vários prémios e permanece como uma imagem iconográfica da década. Nele, uma rapariga acompanha as aventuras de uma personagem de banda-desenhada (o próprio Harket) até que este a transporta para dentro dos quadradinhos, até serem novamente separados de forma dramática. O herói consegue, por fim, sair da própria banda-desenhada com a particularidade da história só finalizar no início de outro videoclipe dos A-ha, ‘The Sun Always Shines on T.V.’.

Nunca lá por casa tivemos um álbum ou single dos A-ha mas o sucesso de ‘Take On Me’ foi tremendo também em Portugal. A MTV só estava disponível para quem tinha antena parabólica e, assim, acesso a canais estrangeiros mas em meados da década já a RTP tinha vários programas que passavam videoclipes como o ‘Top Disco’ ou os importados ‘Countdown’ e ‘Music Box’, apresentado por Nino Firetto. E o videoclipe passava regularmente, impressionando pela sua espectacularidade visual para a altura. De referir que os A-ha continuam, após algumas pausas na carreira, no activo, tendo vendido 55 milhões de discos. Detiveram, por altura do ‘Rock in Rio’ de 1991, o recorde de maior audiência num concerto (198,000 pessoas) e o seu vocalista Morten Harket continua a deter a marca oficial da maior nota sustida de sempre ao vivo, pela canção ‘Summer Moved On’, com uns impressionantes 20.2 segundos.

Videojogo: ‘Tintin on the Moon’ (1987)

Criado em 1929 pelo cartoonista Hergé, pseudónimo do belga Georges Remi, Tintin é um dos personagens de banda-desenhada europeia mais conhecidos e amados de sempre. ‘As Aventuras de Tintin’ são há muito admiradas pelos seus desenhos claros e expressivos, com o estilo ligne claire, típico de Hergé. O autor utiliza enredos bem elaborados e géneros variados, com elementos de fantasia, mistério, espionagem e ficção científica, com pinceladas certeiras de humor e sátira. Com 24 livros editados, o último inacabado por morte de Hergé em 1983, era uma questão de tempo até que as aventuras do repórter e aventureiro Tintin chegassem aos videojogos, já depois de alcançarem o cinema e a televisão.

‘Tintin on the Moon’ foi lançado em 1987 pela francesa Infogrames e chegou a vários sistemas, como o Commodore e o ZX Spectrum. Baseado livremente em duas aventuras de Tintin, sendo elas ‘Rumo à Lua’ e ‘Explorando a Lua’, o jogo coloca-nos na pele do aventureiro belga e divide-se em duas secções que vão alternando entre si. Começamos por controlar o foguetão e temos como objectivo evitar os asteróides e alcançar os globos amarelos, que fornecem combustível, e os vermelhos, que permitem progredir até à próxima secção. De seguida controlamos o herói dentro do próprio foguetão, que terá como objectivos desarmar bombas que são colocadas por sabotadores, obter um extintor e apagar os fogos que estes ateiam e ainda libertar o Capitão Haddock e o Professor Girassol quando estes são amarrados pelos vilões. Após todas as ameaças neutralizadas, o jogador volta para o controlo do foguetão e vai alternando entre os dois modos de jogo até finalmente chegar ao objectivo final: aterrar na Lua.

‘Tintin on the Moon’ foi, provavelmente, o primeiro jogo de computador que cheguei ao fim, pelo menos tendo em conta o género plataformas no ZX Spectrum. A verdade é que também não foi assim um grande feito, uma vez que o jogo é relativamente fácil e curto. A sua duração é, de facto, o maior problema do jogo, uma vez que o mesmo está muito bem conseguido, especialmente nas secções passadas dentro do foguetão. Os gráficos estão bons, muito coloridos. Não há música ao longo do jogo mas o som está aceitável e a jogabilidade é óptima. Para além de Tintin e dos personagens que temos de salvar, regista-se também a presença de Milu, o fiel amigo canino do protagonista. Digo presença porque é apenas isso, Milu limita-se a estar presente e não faz mais do que isso, não ajudando Tintin como o fez tantas vezes nos livros. Como diria o Capitão Haddock: “Com mil milhões de macacos!”