80’s Bits IV

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Este mês regressamos um pouco mais cedo devido à quadra natalícia e dedicamos o conteúdo à mesma. Um filme que é (ou não) um clássico de Natal, uma canção nostálgica que nos transporta para a época e um jogo de computador de xadrez… que não tem nada a ver com o Natal!

Filme: ‘Assalto ao Arranha-Céus’ (1988)

John McClane, um agente da polícia de Nova Iorque, está de visita à sua família em Los Angeles, na véspera de Natal. Para o efeito, aceita participar na festa natalícia realizada no edifício Nakatomi, sede da empresa japonesa em que a sua esposa Holly trabalha. A festa é, subitamente, interrompida por terroristas que invadem o arranha-céus de luxo e sequestram os seus ocupantes. McClane não demora a perceber que não há ninguém para salvá-los a não ser ele próprio.

É ‘Assalto ao Arranha-Céus’ um filme de Natal? Esta é uma daquelas questões, muitas vezes ridículas, que surgiram na internet há uns anos atrás e que, em tom de brincadeira, dividiu muitos internautas. Serão só considerados filmes de Natal aquelas comédias, clássicos românticos ou de animação que passam todos os anos na televisão por esta altura? Ou poderá também ser considerado um filme natalício em que tiros, explosões e mortes à mistura invadem o ecrã? Afinal, o seu enredo desenvolve-se a partir de uma festa de Natal, na véspera deste, três canções típicas da época podem ser ouvidas ao longo do filme e todo o argumento está repleto de referências natalícias, incluindo a célebre cena envolvendo um terrorista e um barrete de Pai Natal. Para deitar mais “achas na fogueira”, um dos argumentistas do filme veio recentemente declarar que este é mesmo um filme de Natal e uma simples busca por “filmes de Natal” no Google vai apresentar esta película como pertencente à lista. Discussões estéreis à parte, a verdade é que ‘Assalto ao Arranha-Céus’ é um dos melhores filmes de acção dos anos 80 e que influenciou definitivamente o género.

Baseado no livro ‘Nothing Lasts Forever’ da autoria de Roderick Thorp, o filme tornou Bruce Willis numa das maiores estrelas de acção à escala global. Até aqui um actor maioritariamente com presença na televisão e de registo mais cómico (como na série por cá conhecida como ‘Modelo e Detective’), Willis deu vida e estilo ao “seu” McClane e tornou-o num personagem cativante, extremamente engenhoso e sempre com uma piada na ponta da língua. Para além do carisma do protagonista e da qualidade do argumentado adaptado por parte de Jeb Stuart e Steven E. de Souza, o filme beneficia também da realização notável de John McTiernan (responsável por ‘Predador’ um ano antes) e de um elenco sólido em que se destacam Alan Rickman, na pele de Hans Gruber, o líder dos terroristas, e Bonnie Bedelia como a esposa desavinda de McClane.

Nunca cheguei a ter este filme em VHS talvez porque não era preciso, uma vez que passava praticamente todos os anos na televisão… por altura do Natal. Apesar da premissa de “um contra todos” em que o herói terá que enfrentar os “maus da fita” por sua conta não ser propriamente original, a trama é tratada com inteligência e as cenas de acção de McClane são muito mais credíveis do que, por exemplo, as do “homem-exército” de ‘Comando’, também escrito por de Souza, em 1985. Face ao sucesso do filme original, John McClane voltaria para mais quatro sequelas, com as duas imediatamente seguintes, nos anos 90, a conservarem a qualidade da saga. O quarto filme tentou capitalizar o revivalismo da personagem em 2007, contudo o interesse do filme ficou aquém mas, ainda assim, bem acima do lamentável ‘Die Hard: Nunca é Bom Dia para Morrer’ de 2013 que, seguindo a lógica da tradução original para português dos primeiros dois filmes da saga, poderia bem ter ficado conhecido como “Assalto à inteligência”.

Música: ‘Last Christmas’ — Wham! (1984)

Mudando a agulha das várias canções ou álbuns pessoalmente mais marcantes dos anos 80 para as músicas natalícias que mais facilmente me transportam para essa época, é fácil escolher este mês. ‘Last Christmas’ foi um êxito tremendo e continua a marcar presença nas rádios todos os anos por esta altura. Escrita por George Michael, que, juntamente com Andrew Ridgeley, formava o duo pop inglês Wham!, a canção aborda o tema clássico do amor não correspondido e a tristeza da letra contrasta com a alegria da batida rítmica, que inclui elementos tipicamente associados ao Natal como o uso de guizos e sinos. O videoclipe ilustrava essa mesma temática amorosa, com a companheira da personagem de Ridgeley a ter sido anteriormente namorada de Michael, tudo num cenário repleto de decorações natalícias e muita neve.

‘Last Christmas’ foi lançada como single em Dezembro de 1984 (faria parte, posteriormente, do último álbum de originais dos Wham! ‘Music from the Edge of Heaven’, em 1986) e, apesar da sua popularidade e sucesso comercial, não atingiu o número um no Reino Unido. A razão? Um colectivo de músicos britânicos, encabeçados por Bob Geldof e Midge Ure, de nome Band Aid, arrebatou o primeiro lugar com a canção solidária ‘Do They Know It’s Christmas?’, cujos proveitos das vendas foram enviados para combater a carestia grave que assolou a Etiópia de 1983 a 1985. Os Wham! seguiram o exemplo dos Band Aid (que curiosamente também incluía George Michael) e doaram igualmente todas as receitas das vendas da sua canção para ajudar a amenizar o flagelo da fome no referido país africano.

Com quatro anos, não me recordo se foi nesse Natal que ouvi a música pela primeira vez, fosse por ouvir na rádio ou por ver o videoclipe na televisão. Mas nos natais seguintes lá voltava a passar em força, por isso foi fácil ficar na memória associada à quadra. ‘Last Christmas’ deu origem a inúmeras versões, asseguradas por artistas mais actuais como Taylor Swift, Ariana Grande… e até o escusado Crazy Frog. O original continua a deter o recorde de single mais vendido de sempre no Reino Unido sem alguma vez ter chegado a número um. As vendas regressaram fortes nos últimos dois anos por culpa do falecimento de George Michael em pleno dia 25 de Dezembro de 2016, o seu último Natal.

Videojogo: ‘Battle Chess (1988)

Aceitei o desafio de trazer este mês um filme, uma música e um videojogo relacionados com o Natal e que enquadrassem nos anos 80. Teria outras hipóteses tanto para filmes como canções mas… e para videojogos? É certo que não há muitos assentes nesta temática e os que existem eu simplesmente nunca joguei ou na são da década aqui em análise. Que memórias natalícias de jogos de computador? É então que me lembrei de ‘Battle Chess’, um jogo de xadrez que descobri nas férias de Natal de 1989. Já há muitos anos que não jogo, uma vez que o fazia em PC com disquete, mas as recordações que me despertam relativamente a esse jogo trazem sempre associada a época natalícia.

O que tem um jogo de xadrez de especial para não ser antes jogado num tabuleiro físico? É que em ‘Battle Chess’ as peças ganham vida e lutam entre si! Desenvolvido pela norte-americana Interplay Productions (hoje Interplay Entertainment) em 1988 primeiramente para o Amiga e depois para uma variedade de outras plataformas, o jogo segue as mesmas regras do xadrez tradicional, podendo ser jogado a dois ou contra a inteligência artificial da máquina, que dispõe de vários níveis de dificuldade e de uma biblioteca de abertura de jogo com mais de 30,000 jogadas previstas. O factor diferenciador do jogo e que levou a que fosse um sucesso da crítica especializada e também de vendas foi mesmo a genialidade das batalhas em 3D com combates cómicos que estavam bem avançados para o seu tempo em termos de gráficos, animação e som. Uma vez que existem seis tipos de peças diferentes de cada cor e um rei não pode capturar outro rei, há 35 animações de batalha distintas, muitas delas com referências e homenagens a filmes de Monty Python ou Indiana Jones.

‘Battle Chess’ funcionou como um curso de xadrez para mim. Nessas férias aprendi as regras de um jogo cuja origem remonta ao século VI através da versão em MS-DOS que eu e os meus irmãos jogávamos, meio às escondidas, no computador de trabalho do nosso pai. Esta versão tinha som digitalizado, através do PC speaker, para todos os efeitos sonoros das batalhas, o que aumentava a diversão. Claro que não fiquei um especialista no jogo, longe disso, mas foi por indo testando quais os movimentos que podia (ou não) fazer e por ver o computador a jogar que aprendi a jogar xadrez. E tudo nesse Natal.