Um artigo de Ricardo Tarré Gomes
Este mês: Zoltar, a máquina de feira popular que funciona mesmo desligada, à base de pancada e que é mais eficaz que um génio da lâmpada; uma banda que dá ao amor um mau nome, vive numa prece e é procurada viva ou morta e um jogo que utiliza apenas a tecla ‘S’ e em que é preciso estar concentradíssimo para dar alegrias aos sócios.
Filme: ‘Big’ (1988)
Após ser-lhe negada a entrada por falta de altura numa diversão de um parque em que tentava impressionar uma rapariga, o desolado Josh Baskin (Tom Hanks) encontra uma misteriosa máquina de desejos e verbalmente expressa o seu, que é “ser grande”. No dia seguinte, acorda e descobre que o seu desejo foi realizado! Com a ajuda do seu melhor amigo Billy (Jared Rushton), Josh, agora com a aparência de um adulto de 30 anos, consegue um emprego numa companhia de brinquedos. Aqui, seguindo o seu instinto infantil, consegue prever o que as crianças querem e como brincam, tornando-se bem-sucedido na empresa e irresistível para a bela e ambiciosa colega Susan Lawrence (Elizabeth Perkins). Mas quanto mais Josh experimenta a vida de adulto e as suas exigências, mais deseja voltar a ser criança.
O primeiro esboço do argumento, a cargo de Gary Ross e Anne Spielberg, começou por ser escrito em 1984. Quando o que viria a ser o futuro realizador e guionista de ‘The Hunger Games: Os Jogos da Fome’ e a irmã de Steven Spielberg o concluíram, este chegou às mãos de Penny Marshall. Maioritariamente actriz e apenas com um filme realizado até à altura, Marshall assinou uma comédia de fantasia que encantou uma geração e que a tornou como a primeira mulher cineasta a superar a barreira dos 100 milhões de dólares em receitas de um filme. ‘Big’ faz uso de um artifício fantasioso já antes visto e que continuará a ser utilizado (a passagem “mágica” de uma criança para o corpo de um adulto, veja-se o caso do recente ‘Shazam!’) mas fá-lo de uma forma despretensiosa e, apesar de divertido e leve, evita sacrificar a integridade das personagens por um punhado de piadas fáceis.
Tom Hanks é um dos actores e personalidades mais acarinhadas nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo. Descendente de portugueses pelo lado materno, Hanks obteve com este filme a primeira nomeação ao Oscar numa ilustre carreira que já lhe valeu duas estatuetas. A sua notável interpretação como Josh, ao capturar de forma perfeita e não forçada todos os maneirismos e expressões faciais próprias de um típico pré-adolescente, ajuda-nos a “acreditar” na personagem até ao fim, que é um dos pontos altos do filme. Marshall e os argumentistas souberam acabar a história de uma forma amplamente satisfatória e até comovente, o que é sempre um desafio quando se trata de fantasia. Do restante elenco, destacam-se as sólidas prestações do jovem Rushton e a do veterano Robert Loggia, como o afável patrão de Josh. Uma nota ainda para uma série de nomes envolvidos na produção do filme que iriam dar cartas no cinema e na televisão nos anos seguintes, como o caso do produtor James L. Brooks (‘Os Simpsons’), o compositor Howard Shore (da trilogia ‘O Senhor dos Anéis’) ou o director de fotografia Barry Sonnenfeld (que viria a realizar ‘MIB — Homens de Negro’ e as suas sequelas).
Uma das primeiras memórias de criança que tenho é estar na cama e perguntar à minha mãe “Quando é que eu cresço?”. Quando somos crianças, creio que é seguro dizer que, pelo menos em alguma altura, todos ambicionamos ser grandes, fazer o que os adultos fazem, sentirmo-nos parte do grupo dos “crescidos”. Esse é o sentimento partilhado por Josh quando expressa o seu desejo em ‘Big’, que estreou em Portugal com esse mesmo título em Setembro de 1988. Contrariando uma tradição em que títulos estrangeiros eram (e continuam a ser) traduzidos de forma ridícula para a nossa língua, neste caso não se compreende porque ficou inalterado quando, pasme-se, até há uma palavra portuguesa correspondente. Não o vi no cinema mas apenas quando passou na televisão, o que terá acontecido no início da década seguinte, aproximando-me da idade “interior” do protagonista. Sempre gostei do filme, a amizade entre Josh e Billy era como a que eu tinha com o meu primo (também tínhamos walkie-talkies para comunicar, jogávamos à bola, fazíamos brincadeiras parvas ou falávamos de miúdas e de namoricos). Voltei a rever o filme após vários anos e devo dizer que ‘Big’ envelheceu bem. Aos olhos de um adulto, é um filme com uma temática de fantasia e infantil mas que não é condescendente ao ponto de tratar o espectador como tal. Para a memória fica, especialmente, a icónica cena na loja de brinquedos com o piano gigante (recriada, como homenagem, no já referido ‘Shazam!’), que não me tornou pianista nem nada que se pareça mas que teve o condão de me fazer querer aprender a tocar aquelas duas músicas.
Álbum: ‘Slippery When Wet’ — Bon Jovi (1986)
Os Bon Jovi são uma banda de rock norte-americana com uma carreira e números que falam por si. Com 14 álbuns de originais editados, mais de 100 milhões de discos vendidos a nível mundial e para cima de 2700 concertos realizados, a banda formada em 1983 é uma das mais reconhecidas de sempre. Originários de Nova Jérsia, os Bon Jovi são compostos actualmente por Jon Bon Jovi (voz e guitarra rítmica), David Bryan (teclados), Tico Torres (bateria), Hugh McDonald (baixo) e Phil X (guitarra). Alec John Such foi o baixista até 1994 e Richie Sambora o guitarrista principal até à sua abrupta e polémica partida da banda em 2013. Com um som que habilmente alterna verdadeiros hinos rock com baladas poderosas, a banda que deve ao seu nome ao apelido de nascença (Bongiovi) do seu vocalista, já actuou várias vezes em Portugal.
O sucesso chegou cedo para os Bon Jovi, com ‘Runaway’, do homónimo primeiro álbum, a tornar-se no primeiro êxito da banda. No entanto, o estrelato internacional só seria alcançado com ‘Slippery When Wet’, o terceiro trabalho de originais dos norte-americanos e que se tornaria no mais vendido da sua carreira, nomeado pela Billboard como o mais vendido de 1987 nos Estados Unidos. Foi o álbum que deu a conhecer três das canções mais conhecidas de sempre dos Bon Jovi e que são presença obrigatória em qualquer concerto da banda: ‘You Give Love a Bad Name’, ‘Livin’ on a Prayer’ e ‘Wanted Dead or Alive’. Após o álbum que lhes mudou a carreira e chegou à distinção de 12 discos de platina, os Bon Jovi continuaram em alta nos dois trabalhos seguintes, com as baladas a dominarem, mas após um hiato temporário na década de 90 a banda já não conseguiu igualar os níveis de popularidade no novo século. Pude vê-los com a minha cunhada ao vivo da última vez que estiveram no nosso país, em 2013, num bom concerto com todos os êxitos, embora já sem Sambora em palco e quando a voz de Jon já não apresentava a pujança de outrora.
A primeira faixa de cada álbum foi sempre muito importante para mim ao recordar, especialmente no que diz respeito aos discos de vinil, em que não era usual andar a saltar faixas, sob receio de danificar a agulha do gira-discos. Desta forma, ouvia-se o álbum desde início e este era determinante para que nos agarrasse ou não a atenção. Em ‘Slippery When Wet’, o segundo dos discos de vinil comprados pelo meu irmão mais velho, o começo não se dá por uma guitarrada enérgica ou uma batida contagiante mas sim por um longo solo de um órgão que até parece de igreja. A mestria e a peculiaridade do trabalho do teclista David Bryan ficou-me na memória em ‘Let It Rock’, uma canção que até nem é das melhores do álbum mas que marcou a diferença pelo trecho inicial. Para além das três faixas já referidas que se tornariam êxitos tremendos, destaco também a quarta canção que chegou a single, ‘Never Say Goodbye’. Não é a última faixa do álbum mas até poderia ser, faz-me lembrar uma namorada de infância e acaba também por funcionar para mim como uma melancólica música de despedida daqueles tempos dos anos 80 que ficaram para trás.
Videojogo: ‘Striker’ (1989)
Neste jogo de futebol controlamos apenas um jogador, um ponta-de-lança da equipa, e teremos que aproveitar as oportunidades de golo em cada partida para facturar. O objectivo de ‘Striker’ é construir uma carreira futebolística de sucesso como ponta-de-lança, ou seja, marcar muitos golos. Começamos aos dezoito anos e retiramo-nos aos trinta e quarto, treinando e jogando através das quatro divisões profissionais de Inglaterra (pré- Premier League) e de campeonatos de Espanha, Itália, França e da Alemanha Ocidental (RFA, pré-queda do Muro de Berlim). Ambicionaremos vencer quantas mais ligas e taças possíveis, assim como merecer internacionalizações pelo nosso país de escolha (infelizmente, Portugal não é opção). A carreira do nosso jogador começará, inevitavelmente, por baixo, num clube à escolha da antiga quarta divisão inglesa e a nossa habilidade ou não para o golo ditará se algum dia chegaremos a uma equipa grande e à selecção ou se passaremos épocas na obscuridade das divisões inferiores.
Lançado em 1989 pela Cult Games, uma pequena produtora britânica especializada quase exclusivamente em jogos de estratégia desportiva e com maior relevo para o futebol, ‘Striker’ não foi um sucesso imediato. O facto de o jogo ter sido pouco publicitado e de enfrentar a concorrência de títulos já existentes e populares para o ZX Spectrum como ‘Match Day’ (e a sua sequela), ‘Emlyn Hughes International Soccer’ ou até ‘Emilio Butragueño Futbol’, fez com que passasse um pouco despercebido no seu ano de lançamento. No entanto, ‘Striker’ acabou por fazer jus ao nome da sua produtora e tornou-se num jogo de culto. A sua simplicidade e originalidade conquistou-lhe um lugar na história dos jogos de computador e basta olhar hoje para os peso-pesados dos jogos de futebol (FIFA e PES) e constatar que qualquer um deles tem um modo de jogo em que controlamos apenas um jogador e fazemos uma inteira carreira com o mesmo. ‘Striker’ deu o pontapé de partida para esta perspectiva de viver, em termos de videojogos, o desporto-rei de uma forma mais imersiva e… egoísta. Não são só os nossos golos ou falhanços que ditam o destino de cada partida (os companheiros de equipa também marcam, assim como, obviamente, o adversário) mas como pontas-de-lança sentimo-nos determinantes para a nossa equipa, olhamos frequentemente para a tabela de melhores marcadores e estamos sempre em contacto com o nosso agente para poder dar o salto para um clube maior. Very selfish, como diria o treinador Bobby Robson.
A pirataria era algo muito presente nos anos oitenta. Para além das cópias “à descarada” de cassetes áudio e de vídeo, existia uma outra situação com as cassetes de jogos de computador de Spectrum. Por vezes, no lado B de títulos originais ou pelo menos que tinham uma capa original e eram vendidos como tal, éramos presenteados com um jogo “extra”. Uma espécie de pirataria legal. Foi assim que descobri o ‘Striker’, vinha escondido no lado B de um dos primeiros jogos que comprei, o ‘Super League’. Este era um jogo de estratégia de futebol sem grande destaque mas que escondia uma pérola no outro lado da cassete. A mim, que sempre me fascinou o “desporto-rei” e a posição de ponta-de-lança, foi um jogo que me entusiasmou logo que o descobri. Era para apenas um jogador mas facilmente se jogava com o meu irmão do meio ou mais amigos, ficando cada um com a próxima oportunidade de golo ou estabelecendo um sistema em que quem marcava golo continuava a rematar até falhar, passando a vez a outro. Fiz várias épocas no velhinho 128K, assim como num emulador de Spectrum anos mais tarde, onde cheguei a jogar no Atlético de Madrid e a conquistar a Liga Espanhola. Nem o Futre conseguiu tal proeza.