80’s Bits X

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Este mês: um homem-exército de dedo no gatilho e língua afiada ao comando, o álbum mais vendido de sempre no mundo arrepia caminho fazendo o moonwalk entre zombies e um jovem príncipe do actual Irão que antes do ser já o era.

Filme: ‘Comando’ (1985)

O coronel aposentado das Forças Especiais, John Matrix (Arnold Schwarzenegger), vive isolado com a sua filha Jenny (Alyssa Milano), mas a sua privacidade é interrompida pelo seu antigo comandante Franklin Kirby (James Olson), que o alerta para o facto de que os seus ex-companheiros estão a ser assassinados um a um. Jenny é sequestrada pelo antigo ditador latino-americano Arius (Dan Hedaya), que força Matrix a ajudá-lo a recuperar o poder no seu país. Contudo, contrariando o desejo do ditador, John Matrix tudo fará para derrubar o líder perigoso e resgatar a sua filha.

A história original redigida por Jeph Loeb e Matthew Weisman debruçava-se sobre um soldado israelita que renunciara à violência. Após a entrada em cena de Steven E. de Souza para escrever o argumento, este foi adaptado à medida de Schwarzenegger, já então uma figura que garantiria o sucesso do filme. Produzido pelo prolífico Joel Silver, um dos grandes responsáveis, a par de Jerry Bruckheimer, por praticamente reinventar o género dos filmes de acção nos anos oitenta, ‘Comando’ foi um grande sucesso, apesar de estrear no mesmo ano do rival nas bilheteiras ‘Rambo II — A Vingança do Herói’. A fórmula de um típico filme de Schwarzenegger da época, com acção desmesurada, uma trama simplista e infindáveis one-liners, uma espécie de piadas curtas atiradas pelo protagonista habitualmente depois de “despachar” um adversário, provava ser vencedora.

Realizado por Mark L. Lester, cuja carreira como cineasta e produtor passou maioritariamente por trabalhos em obras de “série B”, o filme apresenta um elenco com algumas caras conhecidas. Para além de Schwarzenegger, destacam-se: Alyssa Milano (que na altura podia ser vista na série de televisão ‘Chefe, Mas Pouco…’) como a pequena Jenny; Rae Dawn Chong (filha de Tommy Chong, da dupla norte-americana de comédia Cheech & Chong) no papel de Cindy, a ajudante de Matrix; Bill Duke, um dos capangas de Arius neste filme e um futuro companheiro de “Arnie” na selva de ‘Predador’ (1987) e Vernon Wells como o inesquecível vilão Bennett. À conta da sua actuação em ‘Comando’ Wells é hoje um actor de culto, com uma agenda preenchidíssima com participação em inúmeros filmes de “série B”, curtas-metragens e convenções de fãs. Tudo porque Bennett é considerado, com adoração, um dos vilões mais ridículos de sempre, tanto pelo seu aspecto (o bigodinho “à Freddie Mercury” e a roupa caricata um tamanho abaixo) como pelas suas linhas de diálogo e demais actuação.

‘Comando’ não está nesta rubrica por ser um dos melhores filmes dos anos oitenta. Nem sequer é um grande filme, reconheço, no sentido de nem chegar perto de ser “material de Oscar”. Afinal, tem uma realização modesta, um argumento simplório e previsível e actuações medianas, por vezes até risíveis. A grande riqueza do filme é o seu valor de entretenimento e de não desiludir o espectador. Logo no primeiro plano do protagonista, transportando um tronco de uma árvore ao ombro, sabemos para o que vamos e o filme não perde a face nem o ritmo, culminando num terceiro acto de incessante carnificina de “um contra todos” até ao clássico mano-a-mano final. Ao contrário do John Rambo de Sylvester Stallone, um soldado com perturbação de stresse pós-traumático e reticente em voltar a lutar, o John Matrix de Schwarzenegger é a confiança em pessoa e ainda tem tempo para mandar uma piadinha. Foram essas one-liners que marcaram a carreira de actor do ex-Governador da Califórnia e aqui neste filme estão bem presentes, seja pela boca do herói ou dos vilões. Isso fez que ‘Comando’ fosse um dos filmes que mais vezes repeti citações do mesmo com um amigo para umas boas gargalhadas. Inesquecível a mítica resposta de Bennett, acompanhada de uns valentes socos em Matrix, depois de receber uma descarga eléctrica supostamente letal: John, I feel good!

Álbum: ‘Thriller’ — Michael Jackson (1982)

Há dez anos atrás morria Michael Jackson, o “Rei da Pop”. Será possível separar o homem do artista? Provavelmente não mas, para efeitos do artigo, interessa apenas o último, pelo impacto e influência que as suas contribuições artísticas tiveram ao nível da música, dança e até moda. Michael Jackson foi um ícone popular à escala global, com mais de 350 milhões de discos vendidos por todo o mundo, uma série interminável de prémios ganhos e um característico som e estilo que influenciou artistas de vários géneros musicais. O oitavo filho da família Jackson cedo se distinguiria dos seus irmãos pelos seus dotes vocais e de dança. Os ‘Jackson 5’, banda que agregava os irmãos Jackson e à qual Michael se juntou ainda em criança, foi a rampa de lançamento para uma carreira a solo que teve o primeiro sucesso com ‘Off the Wall’, em 1979, e que atingiria o estrelato mundial com o álbum seguinte, três anos depois.

Produzido por Quincy Jones, lenda viva da indústria musical e recordista de nomeações e vitórias nos troféus Grammy, ‘Thriller’ deu origem a uns impressionantes sete singles (em nove faixas), incluindo os êxitos estrondosos ‘Billie Jean’, ‘Beat It’ e a canção que dá nome ao álbum. Combinando estilos musicais desde pop, rock, funk e até o chamado pós-disco, Jackson beneficiou ainda de múltiplos contributos importantes em várias canções como foi o de Paul McCartney (dueto em ‘The Girl Is Mine’), Eddie Van Hallen, vários membros do Toto, as irmãs Janet e La Toya e até Vincent Price, veterano actor de filmes de terror que narra o final de ‘Thriller’, a canção. E foi precisamente a faixa-título do álbum, o último single a ser lançado, que elevou ainda mais o estrelato de “MJ” através do seu videoclipe. Realizado pelo conceituado John Landis, o impressionante vídeo de mais de 13 minutos é como uma curta-metragem de terror mascarada de teledisco ou vice-versa. Ilustrando uma lógica de “filme dentro de um filme” e numa altura em que os zombies não era tão comuns na cultura pop como são hoje, a inovação artística de Landis e Jackson foi amplamente elogiada e ajudou a indústria musical a reforçar a importância dos vídeos de música. Em 2009, ‘Thriller’ tornou-se no primeiro videoclipe a ser admitido no National Film Registry, honra destinada a filmes considerados culturalmente e historicamente significativos.

Nunca tivemos lá por casa um álbum, original ou não, de Michael Jackson. No entanto, isso não me impediu de conhecer quase todas as canções de ‘Thriller’, como se de um best of se tratasse. Mas a principal razão de trazer ‘Thriller’ para a rubrica não se prende tanto com as canções do mesmo mas sim com o próprio videoclip homónimo. É que, com quatro anos ou por volta disso, o teledisco assustava-me a valer! A minha pouco aconselhada tradição de ver filmes de terror sem idade para tal começou com ‘Thriller’, que passava juntamente com outros telediscos na RTP a qualquer hora, sem aviso ou “bolinha vermelha”. Obviamente que a parte da dança não me assustava mas os mortos-vivos a saírem das campas e a transformação do protagonista em lobisomem faziam-me tapar os olhos por instantes enquanto os meus pais e irmãos mais velhos riam com a situação. Actualmente, recordo o videoclipe com satisfação, constato que a coreografia de ‘Thriller’ continua a ser reproduzida em danças por todo o mundo e reconheço a aposta de Michael Jackson como pioneira para o que fariam futuramente outros artistas ou bandas (como, por exemplo, os Thirty Seconds to Mars), no sentido de incorporarem pequenos filmes nos seus vídeos de música.

Videojogo: ‘Prince of Persia’ (1989)

Aproveitando o facto do sultão da antiga Pérsia se encontrar no estrangeiro a travar uma guerra, o seu grão-vizir Jaffar, um poderoso feiticeiro, toma o poder de forma tirânica. O seu único obstáculo para alcançar o trono é a jovem filha do sultão, que recusa casar-se com Jaffar. Deste modo, o tirano enclausura-a numa torre e dá-lhe uma hora para reconsiderar a sua decisão, sob pena de morte. Agora, todas as esperanças da princesa recaem no seu amado, um corajoso jovem aprisionado nas masmorras do palácio. O protagonista terá que escapar dos calabouços e alcançar a torre do palácio, ao mesmo tempo que enfrentará vários perigos como armadilhas, enigmas e os próprios guardas do temível Jaffar.

Criado pelo norte-americano Jordan Mechner e desenvolvido em conjunto com a produtora Brøderbund, ‘Prince of Persia’ é considerado como o primeiro jogo de plataformas verdadeiramente cinemático. Mechner começou a trabalhar no projecto em 1985, logo após completar a sua licenciatura na Universidade de Yale, retirando influências literárias de histórias e contos populares do Médio Oriente como ‘As Mil e Uma Noites’ e cinéfilas tais como ‘Os Salteadores da Arca Perdida’ e ‘As Aventuras de Robin Hood’. Fazendo uso da técnica de animação chamada rotoscopia, o programador filmou sequências do seu irmão mais novo correndo e saltando e utilizou essas imagens para aplicar sobre os movimentos nas plataformas do jogo. Para criar os sprites animados das lutas de espadas, Mechner usou o rotoscópio sobre o duelo final no referido filme de Robin Hood. Lançado em 1989 para o computador Apple II, o jogo viria a ser adaptado, oficialmente e não só, para virtualmente todos os tipos de computadores e consolas existentes nos anos seguintes. A sua mecânica e estilo cinemático influenciou claramente outros títulos como ‘Another World’, de 1991, e ‘Flashback’, do ano seguinte.

‘Prince of Persia’ era mais uma daquelas disquetes que o meu irmão mais velho trouxe para jogar às escondidas no computador do nosso pai e, provavelmente, a que continha o melhor jogo. Significa também que foi um dos primeiros jogos de computador que efectivamente joguei, apesar de no início me contentar em ver o meu irmão controlar o protagonista sem nome. Lembro-me que ele chegava, pelo menos, ao terceiro nível, pois recordo-me de ver as guilhotinas mecânicas. Quanto a mim, já ficava feliz por aprender o caminho até encontrar a espada, voltar para atrás, derrotar o guarda e avançar para o segundo nível. Todos estes anos depois, ao preparar o artigo, é que vi finalmente o final do jogo, após doze níveis repletos de armadilhas. É certo que alguns níveis são algo repetitivos e não tão interessantes mas o jogo tem a particularidade de ter que ser completado em 60 minutos e foi uma autêntica “pedrada no charco” na altura, tendo sido aclamado pela crítica especializada. O seu sucesso deu lugar a vários outros jogos (e a um filme, em 2010), entre sequelas e reboots, tendo os últimos já sido produzidos pela gigante Ubisoft. Reza a história que o primeiro ‘Assassin’s Creed’ terá sido pensado originalmente como uma sequela chamada ‘Prince of Persia: Assassin’, em que um assassino teria como objectivo proteger o príncipe. No entanto, esta ideia foi abandonada e um jogo autónomo foi criado, o que levou ao sucesso que é actualmente a saga ‘Assassin’s Creed’ e ao abandono da série ‘Prince of Persia’. É caso para dizer que o assassino que era suposto proteger o príncipe… o matou. Oh, a ironia!