80’s Bits XII

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Este mês: o homem-morcego e o estranho mundo de Jack (Nicholson), duas cantoras que fizeram bater muitos corações e que levaram o seu ofício muito a peito e o regresso a uma Gotham feita num 8 (Bits) para acabar de vez com a brincadeira.

Filme: ‘Batman’ (1989)

Após testemunhar a morte brutal de seus pais enquanto criança, o milionário e filantropo Bruce Wayne (Michael Keaton) luta contra o crime na cidade de Gotham disfarçado do herói misterioso Batman, que coloca em sentido os bandidos locais. Mas quando um louco e deformado malfeitor que se auto-intitula Joker (Jack Nicholson) começa a controlar o submundo do crime em Gotham, Batman precisa enfrentar o seu mais perverso inimigo para proteger a sua identidade e a mulher que ama, a repórter Vicki Vale (Kim Basinger).

Qualquer filme que conte com a presença de Jack Nicholson arrisca-se a que o carismático actor norte-americano roube toda as cenas em que entra. E é praticamente o que acontece aqui também. A personagem de Joker já é interessante por si própria e Nicholson traz a sua própria “loucura” e criatividade ao papel. Talvez por isso não choque ver o nome do actor que protagoniza o vilão aparecer antes do de Michael Keaton nos créditos e em todo o material promocional do filme. Keaton faz um bom trabalho, Kim Basinger está convincente como o interesse romântico do herói e vários actores secundários de renome como Michael Gough ou Jack Palance completam o elenco de forma credível. Destacam-se também o trabalho da dupla Anton Furst e Peter Young, que lhes valeu o Oscar da Academia por melhor direcção artística e a orquestração musical de Danny Elfman, colaborador habitual de Burton, que compôs o muito elogiado tema principal do filme.

‘Batman’ estreou em Portugal a 29 de Setembro de 1989 e foi o primeiro filme de grande produção que fui ver ao cinema. Por esses dias, o logotipo do filme estava por todo o lado, fruto de uma agressiva campanha de marketing até então pouco vista. Desde os brinquedos até ao material escolar, a febre do morcego estava para durar e eu também aderi à mesma. A maior recordação que tenho foi pedir à minha mãe, costureira talentosa, um fato do Batman baseado no filme para o carnaval da turma da quarta classe e a verdade é que foi a minha melhor fantasia de sempre. Adorei o filme, que foi um dos percursores da actual moda de filmes de super-heróis e que teria mais três sequelas directas, com os dois últimos já realizados por Joel Schumacher e de qualidade muito duvidosa. Só a partir de 2005, pela mão de Christopher Nolan e em forma de trilogia, é que cavaleiro negro voltaria a ser retratado da forma que merece.

Músicas: ‘Touch Me’ — Samantha Fox (1986) / ‘Boys’ — Sabrina (1987)

Nesta edição, ao contrário da habitual música ou álbum, trazemos uma dose dupla de sex appeal no feminino, cortesia de duas cantoras rivais que marcaram os anos oitenta e o imaginário da rapaziada dessa altura. Em destaque, as duas canções mais emblemáticas das carreiras de Samantha Fox e Sabrina Salerno. As duas intérpretes começaram ambas por serem modelos, fazendo depois a transição para o mundo da música e rivalizando entre elas o estatuto de símbolos sexuais, por vezes até em detrimento da qualidade musical. É certo que não foram as únicas a servirem-se de videoclipes provocantes nos anos 80 para ganharem ainda mais notoriedade (Madonna foi um claro exemplo disso) mas à escala europeia sentiu-se, na época, que Sabrina havia surgido como a resposta italiana a Fox.

Samantha Karen Fox nasceu em 1966 e ganhou reconhecimento público ainda na sua adolescência como modelo em topless da célebre Página 3 do tablóide britânico ‘The Sun’. Durante esse tempo foi uma das raparigas pin-up mais populares do Reino Unido até ao lançamento da sua carreira musical aos 20 anos, através do single ‘Touch Me (I Want Your Body)’, que chegou a número um em dezassete países e conseguiu entrada na exigente tabela norte-americana da Billboard. ‘Samantha Fox’, o homónimo segundo álbum da artista, seria lançado no ano seguinte e, apesar de não igualar o sucesso de ‘Touch Me’ (e dos seus míticos gemidos), traria mais alguns êxitos para a carreira da londrina como ‘I Surrender (To the Spirit of the Night)’ e ‘Nothing’s Gonna Stop Me Now’, produzido pela máquina de êxitos pop Stock Aitken Waterman. Ao contrário do título desse single, a carreira de Fox começaria mesmo a abrandar depois disso e os anos noventa foram uma sombra do que alcançou na segunda metade da década anterior.

Sabrina Debora Salerno, conhecida no meio artístico simplesmente pelo seu primeiro nome, nasceu em Génova, no ano de 1968. Após uns trabalhos como modelo, tendo ganho um concurso de beleza na sua cidade natal, Sabrina apostou na sua carreira musical, alternando canções cantadas em italiano e inglês. Em 1987 lançou ‘Sabrina’, o seu primeiro álbum e inteiramente cantado em inglês, impulsionado pelo êxito do seu terceiro single ‘Boys (Summertime Love)’. A canção, que marcaria a carreira de Sabrina para sempre, atingiu o lugar cimeiro de países como a Suiça e a França (a primeira cantora italiana da história no topo das tabelas gaulesas) e seria um êxito por toda a Europa. No Reino Unido, a proibição da capa original do disco e do teledisco (com a parte de cima do bikini de Sabrina teimosamente sempre a cair) tiveram o efeito inverso de provocar ainda mais interesse e vendas do disco. Sabrina continuaria também a lançar álbuns depois do seu grande sucesso mas, tal como aconteceu com Fox, foi engolida pelas novas sonoridades da década seguinte.

Quando se é uma criança, o conceito de sex-symbol associado a uma artista passa-nos um pouco ao lado. Pamela Anderson ou Sharon Stone, por exemplo, despertar-me-iam na década seguinte, já adolescente. Nos anos 80, lembro-me de achar Samantha Fox e Sabrina giras (a minha preferida até era a Kim Wilde) e gostar das músicas em questão mas já ouvia as conversas da geração dos meus irmãos sobre elas e o entusiasmo que provocavam. E estas duas senhoras, “inimigas” entre elas, ficaram-me sempre na memória. Tal como qualquer grande rivalidade entre bandas e artistas, muitas vezes estas são criadas artificialmente pela imprensa e pelos fãs e acabam por ser benéficas financeiramente para as carreiras dos artistas em causa. Apesar das carreiras quase em paralelo e das suas produções sugestivamente de apelo sexual em permanente competição, as duas são hoje boas amigas e até lançaram um single em conjunto, uma versão do clássico dos Blondie, ‘Call Me’, em 2010.

Videojogo: ‘Batman: The Movie’ (1989)

O homem-morcego da DC Comics sempre foi uma personagem apetecível para recriar no grande ecrã e na televisão mas também nos videojogos. Desde 1986 que Batman marca presença em qualquer tipo de computador ou consola, tendo a recente série de jogos ‘Batman: Arkham’ sido bastante aclamada pela crítica especializada. O filme de 1989 levou a uma série de adaptações do mesmo que foram um grande sucesso. A versão para o ZX Spectrum é um claro exemplo disso, com um jogo que alcançou o topo das tabelas de vendas entre o final de 89 e o início de 90. Como acontecia tantas vezes com os melhores jogos produzidos para a modesta máquina da Sinclair Research em comparação com os outros computadores da época mais evoluídos, os programadores conseguiam fazer mais com menos.

Tal como o nome indicia, ‘Batman: The Movie’ segue os eventos do filme, dividido em cinco níveis. O primeiro consiste em liderar o herói na fábrica de químicos, derrotando os seus inimigos até ao confronto final com Jack Napier. No segundo nível conduzimos o batmóvel pelas ruas de Gotham City, evitando o tráfego e utilizando uma espécie de arpão para fazer curvas apertadas até à batcave. De seguida temos que decifrar, ao estilo Mastermind, os três componentes correctos de um grupo de oito que compõem o gás venenoso de Joker. No quarto nível guiamos a batnave em plena parada da cidade, com o objectivo de cortar as cordas dos balões cheios com Smilex. Por fim, o derradeiro desafio consiste em subir até ao topo da catedral de Gotham e exige que detenhamos o Joker antes que este escape de helicóptero. Para cada nível há um limite de tempo e uma barra de energia que se vai transformando da cara do cavaleiro negro até à do seu arqui-inimigo à medida que o herói sofre danos.

É apenas a segunda vez que trago aqui um jogo baseado no filme em destaque no início do artigo e provavelmente será a última. Apenas ‘RoboCop’ também mereceu essa distinção e ambos têm em comum o facto de terem sido produzidos pela Ocean Software, a verdadeira “caça-licenças” dos jogos dos anos oitenta. ‘Batman’ foi um dos primeiros jogos que comprei barato em segunda mão e valeu bem a pena. Basicamente é um jogo de plataformas a abrir e a fechar, com uma mecânica de jogo de carros, naves e ainda um quebra-cabeças pelo meio. A diversidade permitia manter o interesse no jogo e recordo-me da diversão em lançar o gancho extensível logo no início e poder baloiçar pelo ecrã livremente, derrubando malfeitores pelo caminho. Anos mais tarde, o meu irmão mais velho ofereceu-me um jogo do Batman para a Mega Drive. Também baseado no filme e com indubitavelmente melhores gráficos proporcionados pelos 16 Bits da consola da Sega, foi o primeiro jogo a que cheguei ao fim na referida máquina mas faltavam alguns dos elementos, ideias e mesmo liberdade de acção que a versão para o Spectrum apresentara no final da década anterior.