Um artigo de Ricardo Tarré Gomes
O 80’s Bits faz um ano e à 13ª edição quem vem cortar o bolo de aniversário é o senhor Voorhees. A realeza do rock traz a música e um concerto, enquanto consertamos uma cidade até a voltarmos a destruir.
Filmes: A saga ‘Sexta-Feira 13’ (1980-)
A história de um afogamento trágico de uma criança, seguido de um brutal duplo homicídio ocorrido em Crystal Lake duas décadas antes, não impede que um grupo de jovens monitores reabra o acampamento de verão no bosque. Moradores supersticiosos advertem sobre o ocorrido e que o local está amaldiçoado mas os jovens Jack, Alice, Bill, Marcie e Ned prestam pouca atenção aos mais velhos e acabam sendo perseguidos por um assassino incansável. À medida que são atacados um a um, os monitores lutam para manterem-se vivos contra um adversário implacável, enclausurados num campo de férias de onde não poderão fugir.
Esta é a sinopse apenas do primeiro filme de uma saga que já produziu nove sequelas, um reboot e até um crossover com o universo de Freddy Krueger e ‘Pesadelo em Elm Street’, para além de uma série de televisão, livros, videojogos e toda uma panóplia de merchandising. Tudo começou em finais dos anos setenta, quando Sean Cunningham, alertado para o sucesso de ‘Halloween’ (1978), decidiu apostar na fórmula vencedora do filme de John Carpenter para realizar o seu próprio filme de terror, adicionando alguns elementos inovadores. Alicerçando-se na aura do nome ‘Sexta-feira 13’ e de um certo “misticismo” que esta data sempre despertou, Cunningham contratou Victor Miller para escrever o argumento e nascia, assim, um clássico do horror. Ajudado pelo facto de ter sido o primeiro filme do género distribuído por um grande estúdio (Paramount Pictures), ‘Sexta-Feira 13’ foi um sucesso comercial apesar do seu modesto orçamento, amealhando cerca de 60 milhões de dólares a nível mundial. A crítica especializada dividiu-se, lamentando a violência demasiado gráfica (para a época) mas elogiando a composição musical de Harry Manfredini, a fotografia de Barry Abrams, o trabalho de efeitos visuais e maquilhagem protética de Tom Savini (hoje um grande nome nesta área) e o desempenho dos actores, que incluiu um jovem Kevin Bacon num dos seus primeiros papéis.
A importância do filme original, hoje considerada uma obra de culto do género (teve, inclusive, honras de exibição no último MOTELX) é indesmentível mas a saga ganharia um elemento idiossincrático à sua segunda sequela, ‘Sexta-Feira 13 — Parte III’, de 1982, em que Jason Voorhees começaria a usar a sua conhecida máscara de hóquei, que é até hoje a imagem de marca da personagem e da franquia, assim como um ícone do cinema americano e do género de terror em particular. Mesmo quem nunca tenha visto qualquer dos filmes identificará a referida máscara e até o nome de Jason, pelas inúmeras referências espalhadas pela cultura popular. O filme seguinte, ‘Sexta-Feira 13: O Capítulo Final’, fecharia o ciclo dos primeiros quatro filmes mas os contínuos bons resultados de bilheteira significariam o regresso de Voorhees em mais sequelas, numa lógica de continuidade nem sempre respeitada, e que acabaram por colocar o implacável assassino fora de Crystal Lake e em outros sítios como a bordo de um navio, em Manhattan ou mesmo, imagine-se, no espaço. O confronto com Freddy Krueger dar-se-ia já neste século, em 2003, quando ambas as sagas estavam “estagnadas” há anos e acabou por revitalizar as duas personagens, que viriam a ter cada uma delas o seu filme de “recomeço” nos anos seguintes. O trailer apresentado aqui é o de ‘Sexta-feira 13 — Parte 6’, de 1986, que representa um novo ciclo, após um 5º capítulo de “transição”. Apesar de aqui termos um Jason mais para o sobrenatural, o filme tem um excelente ritmo, grandes sequências, um argumento mais cuidado e, sem cair para o ridículo, consegue introduzir pitadas de humor auto-referencial e alguns exemplos de quebra da “quarta parede”, por exemplo amplamente explorados na década seguinte em ‘Gritos’ (1996), de Wes Craven.
Tal como o pequeno Tommy Jarvis (Corey Feldman) espreitava horrorizado dois ladrões de sepulturas a desenterrar o corpo de Jason Voorhees, também eu o fazia pela abertura da porta da sala onde estava o meu irmão do meio a ver ‘Sexta-Feira 13 — Parte V: O Regresso’ (1985). Este caricato paralelismo e a figura assustadora de Jason e a sua máscara nessa cena marcou-me a nível dos filmes de terror, que não tinha idade para ver mas que não resistia a espreitar. Ao longo dos anos, acabei por ver e rever os filmes da saga mais do que uma vez e sou o primeiro a reconhecer que não são obras-primas da história do cinema e mesmo a maioria dos filmes da série não está sequer entre os melhores filmes de terror. Contudo, os capítulos da saga do homicida mascarado foram e continuam a ser os meus preferidos no subgénero slasher, não apenas pelo susto em criança mas porque gosto do cenário e ambiente claustrofóbico em torno de Crystal Lake, da música contagiante de Manfredini, dos jump scares eficazes (a saga foi uma das primeiras a realmente tirar partido desses momentos de “saltar da cadeira” mas fê-lo de forma “cirúrgica” e sem abusar dessa técnica, ao contrário de muitos filmes do género por estes dias) e de como Jason, de “papão” a figura que adorava temer, era criativo no seu “ofício”. Actualmente, e quando tudo apontaria para um novo filme (o apropriado 13º) no ano em que a saga completa 40 anos, a franquia encontra-se num imbróglio judicial entre Cunningham e Miller acerca dos direitos sobre as personagens, o que tem impedido que um novo filme entre em produção e afectou até mesmo a inclusão de conteúdo adicional no recente e bem-sucedido videojogo ‘Friday the 13th: The Game’. Azar ao 13?
Álbum: ‘Live Magic’ — Queen (1986)
O que dizer dos Queen que não tenha já sido dito? O que escrever sobre uma das mais famosas bandas de rock do mundo, com largos milhões de fãs e apreciadores por todo o globo? Mesmo os menos entusiastas do conjunto londrino conseguirão identificar inúmeras canções dos Queen que permanecem na história da música. Formada em 1970 por Brian May (guitarra), Roger Taylor (bateria) e Freddie Mercury (voz), a banda recrutaria no ano seguinte John Deacon (baixo), que assim completaria o quarteto que se manteria inalterado e extremamente bem-sucedido por 20 anos. O falecimento de Mercury em 1991 e a reforma de Deacon em 1997 não impediram que a banda continuasse no activo, primeiro com Paul Rodgers e mais tarde através de Adam Lambert a assegurar a parte vocal. Com uma sonoridade ecléctica ao longo da carreira mas sempre com o rock como base, os Queen já venceram todo o tipo de prémios musicais e estima-se que tenham vendido perto de 300 milhões de discos a nível global.
Após uma apoteótica prestação no Live Aid em 1985 para 72 mil pessoas no antigo estádio de Wembley e um record absoluto de 1.9 biliões através das televisões pelo mundo, os Queen voltavam à ribalta. Não que estivessem esquecidos pelo grande público (em Janeiro desse ano até tinham esgotado duas noites, tocando para mais de 300 mil espectadores em cada uma delas, na primeira edição de sempre do Rock in Rio) mas a notoriedade e mediatismo do evento ajudou-os a angariar novos fãs por todo o globo. No ano seguinte, após o lançamento do álbum ‘A Kind of Magic’, os Queen embarcaram na correspondente digressão, a ‘Magic Tour’. Esta seria a última a contar com a presença dos quatro membros clássicos em palco e provou ser, inadvertidamente, uma despedida em grande. Como ponto alto da digressão, destacam-se os dois concertos em Wembley, especialmente o de 12 de Julho de 1986, muito provavelmente o maior de sempre da banda em nome próprio e imortalizado em CD duplo.
Nunca eu ou os meus irmãos tivemos lá por casa um álbum original dos Queen. Mas isso nunca impediu de conhecermos dezenas de músicas da banda britânica, fosse através da rádio, dos telediscos ou mesmo de banda sonoras de filmes como ‘Flash Gordon’ ou ‘Duelo Imortal’. Além das que já conhecia, ouvi outras pela primeira vez através do álbum ao vivo que um primo meu tinha. Na sua formação clássica, os Queen eram verdadeiros animais de palco e o seu mítico vocalista muito provavelmente o mais carismático de sempre a interagir com o público. A banda continua a tocar ao vivo por estes dias, sob o nome Queen + Adam Lambert, a inspirar bandas e espectáculos de tributo (como os Queen Symphonic, que estiveram em Lisboa ainda este mês) e a Queenmania ganhou novo fôlego através do recente sucesso que foi ‘Bohemian Rhapsody’, filme que carrega o título de uma das suas canções mais emblemáticas e que foi visto por milhões de espectadores por todo o mundo. Como cantaria o malogrado Freddie, the show must go on!
Jogo de computador: ‘SimCity’ (1989)
Em ‘SimCity’, o jogador tem como objectivo criar uma cidade, desenvolver áreas residenciais, comerciais e industriais, construir infraestruturas e taxar impostos aos cidadãos de modo a permitir o contínuo crescimento do município. Como presidente da câmara, importa elevar o nível de vida da população, mantendo um equilíbrio entre os diferentes sectores e monitorizando o estado ambiental da região, para que a cidade não entre em declínio social e em situação de bancarrota. Para além de todos os desafios inerentes à gestão do município e do grau de aprovação por parte dos munícipes, o jogador enfrentará também desastres naturais (tais como sismos, tornados ou cheias) ou ataques de monstros (ao estilo Godzilla) que, por si só, provocarão estragos e poderão desencadear ainda mais caos. Para além do modo principal, o jogo permite também enfrentar determinados cenários pré-definidos (a maior parte fictícios mas alguns deles baseados em eventos históricos), com metas específicas de gestão a alcançar em luta contra o tempo.
‘SimCity’ (hoje também conhecido como ‘SimCity Classic’) foi desenvolvido inicialmente, e de forma independente, por Will Wright em 1985. Numa época em que as máquinas arcade e os jogos com muita acção e animação dominavam o mercado dos videojogos, nenhuma produtora se arriscou a distribuir um jogo tão diferente e afastado dessas características. Quatro anos mais tarde, já depois de Wright e Jeff Braun terem fundado a Maxis, ‘SimCity’ é finalmente distribuído pela Brøderbund. A célebre produtora de ‘Prince of Persia’ arriscou e, apesar das ténues vendas nas primeiras semanas e até meses, o jogo dispararia em termos comerciais e da crítica (especializada e não só), sendo alvo de uma reportagem na reputada revista norte-americana Newsweek que consolidou o seu reconhecimento. O conceito de simulação era novo na época e o jogo foi comprado por diversas escolas devido ao seu valor educacional. ‘SimCity’ foi reconhecido como um novo fenómeno na indústria dos videojogos e o seu sucesso marcou o início do género de simulação urbanística, que a Maxis continuou a explorar através de inúmeras sequelas e versões deste título e até com a popular série ‘The Sims’ (já depois de absorvida pela gigante Electronic Arts), uma das mais rentáveis de sempre da história.
Curioso. Foi assim que fiquei quando vi o meu irmão mais velho a jogar ‘SimCity’ pela primeira vez no computador do nosso pai. Que jogo era aquele, visto de cima, praticamente sem animação ou sons mas que ainda assim entusiasmava o meu mano? Depois de perceber a essência do jogo comecei a acompanhá-lo com maior atenção. Lembro-me de ver a cidade dele ser fustigada por incêndios e tremores de terra que, ao preparar este artigo, percebi que podiam ser provocados… pelo próprio jogador, na pele do presidente da câmara! Acredito que seja um pouco como quando fazíamos castelos de areia na praia, havia um gosto por construir mas quando era hora de irmos embora, quem nunca sentiu prazer em destruir a sua própria criação? Acabei por jogar ‘SimCity’ a solo também umas poucas vezes (sem grande sucesso urbanístico, admito) e o jogo, para além de ter criado um género, é impossível de negar a influência que o mesmo teve sobre muitos outros na década seguinte, como as sagas ‘Civilization’ ou ‘Age of Empires’. Como o vídeo acima só tem alguns efeitos sonoros, deixo-vos com uma canção icónica (e um teledisco sofrível) dos Starship, de 1985, cujo título… encaixa perfeitamente no jogo que acabámos de abordar.