80’s Bits XIX

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Neste primeiro mês de recolhimento: Ripley e o dilema de causalidade eterno sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou o alienígena; talvez velhos não sejam só os trapos mas este bando de escorpiões ainda tem ferrão e um brinquedo animado que se transformou em desilusão.

Filme: ‘Aliens — O Recontro Final’ (1986)

Após 57 anos à deriva pelo espaço, a tenente Ellen Ripley (Sigourney Weaver) é encontrada e salva do seu longo estado de hibernação ainda a bordo do vaivém de fuga da nave Nostromo, na qual se deu a sanguinária tragédia com um ser extra-terrestre que dizimou toda a sua tripulação. A lua LV-426, onde os tripulantes da Nostromo recolheram o terrível monstro, está agora colonizada mas recentemente todos os contactos com a mesma foram misteriosamente interrompidos. Ainda traumatizada mas disposta a acabar com os seus pesadelos, Ripley concorda em acompanhar o executivo Carter Burke (Paul Reiser) e cerca de uma dezena de marines coloniais numa missão militar à referida lua. À chegada, a colónia parece deserta, à excepção da pequena e assustada Newt (Carrie Henn), mas há sinais de vida alienígena. Desta vez, as forças especiais estão apetrechadas com um poder de fogo impressionante… resta saber se será suficiente para deter o que os espera.

Chegado às salas de cinema em 1979, ‘Alien — O 8.º Passageiro’, de Ridley Scott revelou-se um sucesso de bilheteira e uma obra amplamente aclamada pela crítica. O produtor David Giler cedo percebeu o potencial que o filme detinha para gerar uma boa sequela mas constantes alterações ao nível da direcção da 20th Century Fox foram adiando o processo. Quando se iniciou a busca por um argumentista, o guião de ‘O Exterminador Implacável’, escrito por James Cameron, chegou às mãos de Giler e deixou-o impressionado. Se o filme, ainda em produção, do realizador canadiano fosse um sucesso, ser-lhe-ia entregue o comando da sequela de ‘Alien’. O futuro deu-lhe razão e Cameron realizou a que a revista Empire considerou a “melhor sequela de sempre”. O título é discutível mas a qualidade do filme é indesmentível, com Cameron a respeitar e aprofundar as ideias e mitologia do filme original de Scott e a dar-lhe, ao mesmo tempo, uma visão própria repleta de acção e suspense.

Sigourney Weaver, uma completa desconhecida do grande público quando estreou ‘Alien — O 8.º Passageiro’, já era uma grande estrela quando começaram a correr os créditos finais desse filme. Parece quase impossível imaginar outra actriz (ou actor) na pele de Ripley e a forma como Weaver moldou a sua personagem, tornando-a na primeira grande heroína de acção da história do cinema, continua a servir de modelo. A força da personagem foi ainda mais evidente neste ‘Aliens’, com Weaver a ser nomeada ao Oscar de Melhor Actriz, algo pouco usual em filmes de ficção científica. O resto do elenco também se apresentou em grande nível, com vários “actores-fetiche” de Cameron como Michael Biehn (Hicks), Bill Paxton (Hudson), Lance Henriksen (Bishop) ou Jenette Goldstein (Vasquez) a deixarem a sua marca. O filme seria premiado pela Academia pela qualidade dos seus efeitos visuais e sonoros, para além de outras nomeações ao nível da edição, direcção de arte e música.

O subtítulo português que foi acrescentado à denominação original do filme desde cedo me intrigou. “Recontro”? Não quereriam dizer “reencontro”? Pois é, aquela palavra na lombada da capa da cassete VHS lá de casa fazia-me confusão e sempre pensei que fosse uma gralha ortográfica mas afinal não era. Fiquei a saber que significa “conflito” ou “embate” e é disso mesmo que se trata neste filme. Se no original há uma atmosfera de mistério e a tensão assemelha-se à de um filme de terror, na sequela há uma clara ofensiva militar e um ritmo mais acelerado, típico de um filme de acção. Se o projecto tivesse caído noutras mãos que não as de James Cameron, talvez o belicismo por si só do filme tivesse matado a imaginativa franquia mas o canadiano subiu a fasquia e o resultado manteve o franchise vivo, com duas sequelas, duas prequelas e até dois spin-offs com a saga ‘Predador’ a serem produzidos desde então. Para além dos filmes, há também a registar uma imensidão de videojogos baseados nos mesmos, destacando-se ‘Alien: Isolation’, de 2014. Fiel ao material de origem e colocando o jogador no controlo da filha de Ripley, Amanda, o jogo caracteriza-se pela extrema dificuldade em escapar furtivamente a uma única criatura alienígena, sem grande recurso a armas. Como diria histericamente o soldado Hudson: “ Game over, man! Game over!

Música: ‘Rock You Like a Hurricane’ — Scorpions (1984)

Quando pensamos em bandas há mais tempo no activo, o nome dos Rolling Stones vem imediatamente à mente. Como Mick Jagger, Keith Richards e companhia têm passado pelo tempo “imunes” é quase um caso de estudo. Contudo, se tivermos em conta álbuns de originais lançados nos últimos anos e permanentes digressões, há uma banda que merece essa distinção: os Scorpions. Fundado por Rudolf Schenker em 1965, apenas três anos depois dos Stones, o conjunto alemão leva uma longa carreira recheada de grandes êxitos e todo o tipo de reconhecimentos. A acompanhar Schenker (guitarra rítmica), os Scorpions contam com Klaus Meine (voz) e Matthias Jabs (guitarra principal) desde os seus anos de maior sucesso, com o baixista Paweł Mąciwoda e o baterista Mikkey Dee a completarem o mais recente alinhamento já no presente milénio.

Com uma série de álbuns alternando entre o heavy metal e o hard rock a serem bem recebidos desde o final dos anos 70, só ao nono trabalho de originais — ‘Love at First Sting’ — é que a banda de Hanover atingiria, finalmente, o estrelato mundial. Os singles ‘Still Living You’ e ‘Rock You Like a Hurricane’ escalaram o topo das tabelas de música um pouco por todo o mundo e transformaram a carreira dos alemães. ‘Rock You Like a Hurricane’, com seu riff e refrão simples mas contagiante, tornou-se mesmo a sua canção mais emblemática, consolidando o seu lugar na cultura popular com a presença na banda sonora de inúmeros filmes, séries, videojogos e em variados eventos desportivos à escala global. Os Scorpions continuariam o seu caminho de sucesso com ‘Savage Amusement’ (1988) e ‘Crazy World’, álbum de 1990 em que tiveram outro sucesso mundial com ‘Wind of Change’. A canção ficou associada à queda do Muro de Berlim e consequente reunificação do seu país natal, apesar da letra de Meine se referir mais concretamente ao “vento de mudança” que acabaria por provocar o colapso da antiga União Soviética. A banda que a revista Rolling Stone apelida de “heróis do heavy metal” e o canal MTV de “embaixadores do rock “ continuaria prolificamente a lançar novos álbuns, inclusive explorando diferentes estilos, mas não voltaria a replicar o mesmo sucesso dos seus anos dourados.

Os Scorpions começaram a fazerem-se ouvir lá por casa desde que os referidos singles de ‘Love at First Sting’ passavam regularmente nos programas de telediscos da televisão, especialmente ‘Still Loving You’ que travou uma luta titânica com ‘I Just Called to Say I Love You’ de Stevie Wonder pelo lugar cimeiro do Top Disco da RTP durante todo o ano de 1984. Nos anos seguintes, o meu irmão mais velho compraria dois discos de vinil e o rock dos Scorpions ficou-nos no ouvido para sempre. Cumpriria o desejo de os ver ao vivo com os meus irmãos numa data capicua difícil de esquecer (11/11/11), tendo a banda assinado um grande concerto no então Pavilhão Atlântico. A relação dos Scorpions com Portugal sempre foi especial pois, para além dos inúmeros espectáculos dados no nosso país (o último apenas no ano passado), a banda alemã gravou o seu primeiro álbum acústico por cá, durante três noites, num Convento do Beato (Lisboa) a abarrotar e em apoteose. ‘Acoustica’, de 2001, na altura saltou para o primeiro lugar do top nacional, vendendo cerca de 50,000 cópias. Como Klaus Meine sempre exclama ao vivo por cá no início da sua balada mais conhecida, os Scorpions “continuam a amar-nos”.

Jogo de computador: ‘Transformers’ (1986)

A guerra entre duas facções de autómatos sencientes e humanóides provenientes do planeta Cybertron continua sem dar tréguas. Os heróicos Autobots precisam de encontrar as quatro partes de um cubo de energia que foram espalhadas por uma cidade. Já os malignos Decepticons tudo farão para deitar as mãos ao cubo e destruir os seus arqui-inimigos. O jogador controla cinco Autobots, entre eles o líder Optimus Prime, cada um com atributos diferenciados (escudos, energia e armas) e livre de transformar a sua aparência robótica para um veículo a qualquer altura. Os vilões encabeçados por Megatron têm a capacidade de se regenerarem e continuarão, ininterruptamente, a aparecer a cada ecrã percorrido pelo jogador.

Desenvolvido apressadamente pela Denton Designs após a Ocean Software ter garantido a licença de uma franquia em claro crescimento a nível mundial, o jogo provou ser uma desilusão. Lançado em 1986, tanto para o ZX Spectrum como para o Commodore 64, ‘Transformers’ acabou por apresentar números de vendas interessantes face ao interesse que o seu material de origem despertava mas foi arrasado pela crítica especializada. Gráficos pobres, ausência de música e dificuldade demasiado elevada levaram o jogo a cair no esquecimento. O mesmo não se pode dizer da franquia, que praticamente dispensa apresentações. Tudo começou em 1984, quando a empresa norte-americana Hasbro comprou uma linha de brinquedos japonesa e renomeou-a ‘Transformers’. A Marvel Comics foi, de seguida, contratada para criar uma história de fundo e nomes para todas as personagens e os brinquedos saíram para as lojas. Aproveitando a bem-sucedida estratégia usada pela Mattel antes com ‘He-Man e os Masters do Universo’, também os Transformers tiveram direito à sua série animada, o que catapultou os números de vendas de brinquedos. Os desenhos animados estiveram no ar por quatro temporadas com uma longa-metragem também animada (‘Os Transformers: O Filme’) produzida pelo meio. A chegada ao cinema live-action era inevitável e dar-se-ia pela mão de Michael Bay em 2007, seguindo-se quatro sequelas e um spin-off — ‘Bumblebee’ (2018).

O fenómeno ‘Transformers’ foi algo que marcou as crianças na segunda metade dos anos oitenta. Originais ou imitações, gigantes ou minúsculos, a verdade é que praticamente todos os miúdos daquela altura tinham pelo menos um carro, avião ou outro qualquer veículo transformável em robô e levavam-no para brincar no recreio da escola. Nunca me esquecerei quando o meu pai me ofereceu um Optimus Prime que, para além de se transformar num camião, também se desdobrava numa estação para albergar outros transformers mais pequenos. Também por aqui se explica a desilusão com o jogo da Ocean que tinha para o Spectrum. Muitas vezes carregava-o só para andar uns minutos a transformar as personagens e dar uns tiros, já que nunca fiz muitos progressos quanto ao objectivo do jogo. Desilusão também foram os filmes (qual deles o pior?) realizados por Bay, que pouco fizeram jus à saudosa série de animação que passava por cá na televisão aos sábados de manhã.