80’s Bits XVIII

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Este mês: um frigorífico possesso que alberga uma passagem para outra dimensão, a serpente branca volta a perguntar o mesmo que Bob Marley e o renegado torna-se um alvo a (a)bater na selva urbana de 8 bits.

Filme: ‘Os Caça-Fantasmas’ (1984)

Peter Venkman (Bill Murray), Ray Stantz (Dan Aykroyd) e Egon Spengler (Harold Ramis) são três cientistas do departamento de psicologia da Universidade de Columbia que se dedicam ao estudo de casos paranormais. Quando o seu subsídio termina, os excêntricos parapsicólogos são despedidos e decidem abrir uma agência para combater as várias assombrações que aterrorizam a cidade de Nova Iorque. Reforçados com Winston Zeddmore (Ernie Hudson), o quarto elemento da equipa, os caça-fantasmas acodem ao pedido de ajuda da violoncelista Dana Barrett (Sigourney Weaver) e deparam-se com um fenómeno de enormes proporções: um portal para outra dimensão onde reside Gozer, uma terrível força maligna que ameaça tomar o nosso mundo.

O conceito inicial partiu da mente de Dan AykRoyd e do fascínio deste pela espiritualidade. A ideia seria ter o próprio Aykroyd, John Belushi e Eddie Murphy, três estrelas do popular programa de televisão Saturday Night Live, como uma espécie de combatentes de forças sobrenaturais que viajariam no espaço e tempo para o efeito. A morte repentina de Belushi, em 1982, viria a alterar completamente os planos para o filme. Murphy entretanto comprometera-se com a Paramount Pictures para protagonizar ‘O Caça-Polícias’ (que viria, ironicamente, a defrontar ‘Os Caça-Fantasmas’ nas bilheteiras) e Aykroyd juntou-se a Harold Ramis para reescrever completamente o argumento. A acção estaria agora centrada na Nova Iorque da actualidade e, para além da presença dos dois argumentistas como actores, o trio ficaria completo com Bill Murray, também ele uma ex-vedeta do Saturday Night Live mas já com alguns sucessos no grande ecrã. Produzido e realizado por Ivan Reitman com a dose certa de comédia, acção e pitadas de horror, ‘Os Caça-Fantasmas’ foram entusiasticamente bem-recebidos pela crítica e pelas bilheteiras norte-americanas e o filme tornou-se num fenómeno cultural. Seguiram-se sequelas, séries de animação, videojogos, banda-desenhada e todo um tipo de merchandising licenciado de uma franquia com um logotipo facilmente reconhecido pelo grande público e avaliada em biliões de dólares.

Para além das boas prestações do elenco de luxo, onde Murray se destaca de todos os outros pela sua capacidade cómica (tendo improvisado a maior das suas linhas de diálogo), o filme distingue-se também por ter sido a primeira comédia a fazer uso de efeitos especiais bastante dispendiosos. O trabalho ficou a cargo de Richard Edlund e dos recém-criados Boss Film Studios e o resultado, na altura visualmente impressionante, foi reconhecido com uma nomeação para o Oscar da categoria. A outra indicação para as célebres estatuetas douradas que a obra de Reitman obteve foi para melhor canção original com ‘Ghostbusters’, de Ray Parker Jr. No entanto, o conceito de “original” fez correr muita tinta uma vez que a melodia é deveras semelhante a ‘I Want a New Drug’ de Huey Lewis and the News. A Columbia Pictures havia contactado Lewis para compor a música do filme mas este teve que declinar em virtude de já estar comprometido com a produção de ‘Regresso ao Futuro’. Parker Jr. desenvolveu a canção principal do filme a partir do riff da referida música de Lewis e o caso seria resolvido anos mais tarde em tribunal. Polémicas à parte, ‘Ghostbusters’ foi um estrondoso sucesso, alcançando o primeiro lugar da Billboard Hot 100 e permanecendo lá várias semanas. O videoclip contou com a presença de várias celebridades como Chevy Chase, John Candy ou Danny Devito, assim como os quatro heróis do filme a dançar ao som da música com o intérprete em plena Times Square.

‘Os Caça-Fantasmas’ passaram pela primeira vez na televisão em Portugal após uma passagem de ano. Não me recordo exactamente qual o ano mas lembro-me de preparar a cassete VHS para gravar e de vê-lo com o meu pai. A cena inicial na biblioteca, muito pela música sinistra de Elmer Bernstein, assustou-me mas o tom leve e divertido das cenas seguintes descontraiu-me. Acabei por gostar muito e revi o filme várias vezes ao longo dos anos. Ivan Reitman realizou um filme de família fantástico em que o equilíbrio entre não levar-se demasiado a sério e evitar a própria ridicularização é uma das chaves do sucesso. ‘Os Caça-Fantasmas II’, de 1989, provou ser uma sequela muito abaixo do original e ‘Caça-Fantasmas’ (2016), uma espécie de reboot com um elenco maioritariamente feminino e personagens diferentes também não teve mais do que uma recepção morna tanto da crítica como do público. Para o verão deste ano está agendada a estreia de ‘Caça-Fantasmas: O Legado’, realizado por Jason Reitman (filho de Ivan) e que irá contar com o regresso do elenco original (exceptuando Harold Ramis, falecido em 2014). Veremos se ainda há protões e piadas suficientes para combater o sobrenatural.

Álbum: ‘Whitesnake’ — Whitesnake (1987)

Após a sua saída dos Deep Purple e de dois álbuns a solo, o vocalista David Coverdale formou os Whitesnake em 1978. Inicialmente caracterizada por um som mais próximo dos blues, a banda evoluiu para um estilo mais comercial e atingiu notoriedade como um dos grandes nomes do hard rock dos anos 80. Coverdale tem sido o único elemento fundador com presença constante ao longo da carreira de uma banda que, após alguns hiatos nos anos 90, tem-se mantido desde 2002 no activo, continuando a lançar novos álbuns e embarcando em digressões de apoio aos mesmos.

Os Whitesnake alcançaram o seu maior sucesso a nível mundial com o álbum homónimo de 1987. Alavancado pelos êxitos ‘Here I Go Again’ e ‘Is This Love’, o álbum catapultou definitivamente a banda inglesa para o topo das tabelas, inclusive as norte-americanas. Também conhecido na Europa e na Austrália como ‘1987’ ou ‘Serpen Albus’ no Japão, ‘Whitesnake’ apresentou-se como um trabalho sólido, em que se destacam a poderosa voz de Coverdale e a enérgica guitarra de John Sykes. Para além das canções referidas, também foram lançados como singles ‘Still of the Night’, ‘Crying in the Rain’ e ‘Give Me All Your Love’. A MTV e demais canais do género passavam constantemente os videoclips da banda, que habitualmente contavam com a memorável presença da modelo Tawny Kitaen, então namorada de Coverdale. Os britânicos continuariam em alta com ‘Slip of the Tongue’ (1989), o álbum póstero mas entrariam em hiato pela primeira vez no ano seguinte, o que ofuscaria a sua popularidade irremediavelmente.

Lançado precisamente no dia em que “casei os anos”, o vinil homónimo dos Whitesnake chegaria a casa dos meus pais pela mão do meu irmão mais velho. Todos ficámos rapidamente fãs da banda e da sua sonoridade e o disco muitas vezes girou. ‘Here I Go Again’ era uma “malha” paradigmática daquele tempo e ‘Is This Love’ como balada poderosa permanece uma das minhas preferidas de sempre, fazendo-me lembrar uma das primeiras namoradas de infância. Nunca conseguiu ver os Whitesnake ao vivo e creio que já não vá acontecer. O tempo não perdoa e para a outrora poderosa voz de Coverdale não foi propriamente misericordioso.

Videojogo: ‘Target: Renegade’ (1988)

O lutador de rua apenas conhecido como “Renegade” procura vingança contra um patrão local do crime apelidado “Mr. Big” por assassinar o seu irmão Matt. Esta é a curta e simples sinopse do jogo ‘Target: Renegade’, que poderia bem ser a de algum filme de série B da década de 80. O jogador controla o destemido lutador que, ao longo de cinco níveis, terá que derrotar todos os diferentes adversários que lhe surgirem pela frente até bater-se com o antagonista final. Para o efeito, Renegade poderá contar com a ajuda de um segundo jogador, o que tornará a tarefa menos difícil. Socos, pontapés, joelhadas e até marretadas, tudo servirá para agredir os vilões.

Desenvolvido com uma sequela do jogo ‘Renegade’ (1986) pela Imagine, na altura já uma subsidiária da Ocean Software, o jogo foi lançado dois anos depois para vários sistemas. Entre eles registam-se várias diferenças, sendo a maior em termos de jogabilidade, nomeadamente a opção ou não de poder ter dois jogadores em modo cooperativo. E é aqui que o ZX Spectrum, mais uma vez, ganhou aos pontos sobre a sua rival Commodore 64. A versão para o computador da Sinclair Research permitia o jogo a dois e isso fazia toda a diferença em termos de diversão. Com uma animação fluída, gráficos bem definidos e efeitos sonoros decentes, ‘Target: Renegade’ é provavelmente o melhor jogo de luta cooperativo para o Spectrum, superando mesmo o mais afamado ‘Double Dragon’, lançado um ano antes pela Taito.

Ao crescer na era dourada dos arcades e com tantos beat ’em up para dois jogadores disponíveis, sentia-se essa carência nos sistemas caseiros, pelo menos com qualidade. O referido ‘Double Dragon’ foi um dos pioneiros nesse sentido e a sua jogabilidade até permitia roubar armas aos adversários e usá-las contra eles. No entanto, a versão para o Spectrum era lenta e desinteressante, tudo o que ‘Target: Renegade’ provou não ser. Cheguei ao fim do mesmo com um amigo que me apresentou o jogo e passou a ser um dos meus preferidos de sempre no género. ‘Renegade III: The Final Chapter’ concluiria a trilogia em 1989 e, apesar de ser um jogo interessante, provaria que no meio esteve mesmo a virtude.