80’s Bits XXI

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Neste mês de desconfinamento: um teste de paternidade à força e um mestre com sabedoria acumulada de 900 anos mas ainda com problemas de sintaxe; uma dupla a solo a cantar e a tocar em lados diferentes e um jogo para todas as pessoas com capacidade de encaixe.

Filme: ‘Star Wars: Episódio V — O Império Contra-Ataca’ (1980)

São tempos negros para a Aliança Rebelde. Após um devastador ataque à sua base no planeta gelado de Hoth, os Rebeldes separam-se devido às perseguições Imperiais. Luke Skywalker (Mark Hamill) vai em busca do misterioso Mestre Jedi Yoda, nos pântanos de Dagobah, enquanto Han Solo (Harrison Ford) e a Princesa Leia (Carrie Fisher) despistam a frota Imperial em direcção à Cidade das Nuvens de Bespin. Numa tentativa de converter Luke ao lado negro, o maléfico Darth Vader atrai o jovem Skywalker para uma armadilha. No meio de um terrível duelo de sabres de luz com o Lord Sith, Luke enfrenta uma terrível revelação sobre o legado Skywalker que poderá pôr tudo em causa.

Após o estrondoso e até inesperado sucesso de ‘A Guerra das Estrelas’ em 1977, George Lucas começou verdadeiramente a acreditar no seu plano de uma saga espacial dividia em nove episódios. O norte-americano havia escrito e realizado o filme original mas devido a compromissos com a gestão da sua empresa Industrial Light & Magic e a necessidade de focar-se em assegurar financiamento bancário para a realização da sequela, Lucas entregou a realização do filme a Irwin Kershner. Antigo professor de Lucas na faculdade e, até então, um cineasta mais virado para produções independentes, Kershner traria uma abordagem mais afastada do estilo de Hollywood. Apesar do universo e história para a sequela estarem já delineados, foi contratada Leigh Brackett, a “rainha das novelas espaciais”, para escrever o argumento. Brackett viria a falecer ainda antes de a produção arrancar mas algumas das suas ideias foram adaptadas pelo seu sucessor, Lawrence Kasdan. Para complicar a situação, a estrela Mark Hamill teve um acidente de moto, antes da rodagem, que lhe deixou visíveis cicatrizes na cara. A situação foi ultrapassada com a adição de uma cena inicial em que um monstro Wampa atinge o rosto de Luke. As dificuldades de financiamento para um filme que derrapou dos 18 milhões para um custo final de 33 milhões, até então um dos mais caros de sempre, levaram Lucas ao ponto de fazer um all in com a sua própria carreira, que acabaria nesse momento se o filme não fosse bem-sucedido. A história provou que a jogada arriscada compensou, com ‘O Império Contra-Ataca’ a tornar-se o maior sucesso de bilheteira de 1980 e, se tivermos a conta o valor da inflação transposto para a actualidade, uma das sequelas mais lucrativas da história do cinema.

O que dizer de todo este fenómeno? De um filme original por cá na altura apenas conhecido por ‘A Guerra de Estrelas’ (e não pelo nome do episódio — ‘Uma Nova Esperança’), com o tempo passou para o anglicismo geral ‘Star Wars’ de modo a identificar todo o universo que começou por surgir da mente de George Lucas. Uma narrativa principal, também conhecida como “saga Skywalker”, composta por uma trilogia de trilogias, foi complementada por outros filmes, séries de televisão, animação, livros, videojogos e todo um avassalador merchandising sem precedentes. Lucas, entretanto, venderia a sua empresa Lucasfilm à todo-poderosa Walt Disney Company em 2012, num negócio avaliado em 4 biliões de dólares, com a empresa do rato Mickey a recuperar o avultado investimento em apenas seis anos, muito por força dos resultados globais de bilheteira provenientes dos episódios VII e VIII. Como seria de esperar, a Disney continuará a apostar exaustivamente no universo ‘Star Wars’, estando já previstos três novos filmes e duas novas séries, para além da continuação de animações e de seguintes temporadas de ‘The Mandalorian’, a nova coqueluche do seu serviço de streaming.

Voltando ao destaque desta rubrica, ‘O Império Contra-Ataca’ é para mim, o melhor episódio de toda a saga. Acabada de completar 40 anos, a obra de Irwin Kershner consegue transcender progressivamente o original, tanto em termos de mito da série quanto na própria qualidade da realização. É um filme mais adulto, sombrio, ousado, com uma melhor prestação dramática dos actores e uma das mais definidoras revelações e reviravoltas de enredo de todos os tempos. Nos dias de hoje seria praticamente impossível manter segredo sobre a paternidade de Luke antes do filme chegar às salas do cinema mas na altura foi isso mesmo que aconteceu (Harrison Ford, por exemplo, só soube no dia da estreia). Para além disso, é neste filme que ouvimos pela primeira vez a ‘Marcha Imperial’, o célebre trecho musical composto por John Williams que ajudou a cimentar a posição de Darth Vader como vilão icónico nesta espécie de ópera “wagneriana” que acompanha a obra, tão épica quanto obscura. Não sei quantas vezes terei visto o filme mas certamente não tantas quanto o original. Guardo um carinho especial por ‘A Guerra das Estrelas’, das vezes que o vi e revi e de como o meu irmão mais velho, que me passou o interesse pelo filme, conseguiu reparar a fita partida da cassete VHS lá de casa. Uma reparação à “força”.

Álbuns: ‘Reckless’ — Bryan Adams (1984) / Idol Songs: 11 of the Best — Billy Idol (1988)

Nascido no ano de 1959 em Kingston, na província canadiana de Ontario, Bryan Guy Adams passou uma boa parte da sua infância em Portugal. Uma vez que o seu pai era um diplomata destacado no nosso país ao serviço do governo canadiano, Adams viveu em Birre, perto de Cascais. O gosto pela música terá começado por cá, quando lhe foi oferecida a primeira guitarra, mas a carreira iniciar-se-ia após regressar ao Canadá e tornar-se vocalista de uma pequena banda dos arredores de Vancouver. Foi aqui que também conheceu Jim Vallance, que se tornaria o seu parceiro de escrita de alguns dos seus maiores sucessos. Após dois álbuns que passaram algo despercebidos, Bryan Adams ganhou nome no panorama musical com ‘Cuts Like a Knife’, o terceiro trabalho de originais lançado em 1983 e que continha êxitos como a balada ‘Straight from the Heart’ ou a própria canção que deu nome ao álbum. No entanto, seria com ‘Reckless’, no ano seguinte, que o cantor canadiano se tornaria uma estrela à escala mundial. O primeiro álbum da história a ultrapassar a barreira de um milhão de exemplares vendidos no Canadá (e que alcançou 12 milhões a nível global) produziu seis singles, onde se destacam ‘Summer of ‘69’, ‘Run to You’, ‘Heaven’ ou o dueto com Tina Turner em ‘It’s Only Love’. A carreira de Adams continuaria firme e bem-sucedida nos anos e décadas seguintes (com maior destaque para as baladas) e com a curiosidade de ainda manter o núcleo da mesma banda de apoio desde o início, como são os casos do guitarrista Keith Scott e do baterista Mickey Curry.

William Michael Albert Broad, conhecido no mundo artístico como Billy Idol, nasceu em Stanmore, no condado inglês de Middlesex, em 1955. Após uma professora o apelidar “Billy Idle”, sendo este adjectivo traduzível como “preguiçoso”, o jovem William aproveitou a homofonia da palavra com “ídolo” para cunhar o seu nome artístico anos mais tarde quando ingressou nos Generation X. Fundada em 1976, a banda de punk rock não alcançou sucesso comercial mas preparou o seu vocalista para uma imparável carreira a solo, iniciada em 1981 com o EP ‘Don’t Stop’. Seguir-se-iam três álbuns de originais que, apesar de nenhum deles ter chegado a número um, apresentavam singles que começaram a passar em alta rotação na MTV. É então que em 1988 a compilação ‘Idol Songs: 11 of the Best’, agrupando os maiores êxitos do cantor britânico como ‘Rebel Yell’, ‘Mony Mony’, ‘White Wedding’ ou ‘Dancing with Myself’ (originalmente um tema dos Generation X), dá a Idol o seu maior sucesso comercial. A década seguinte trouxe ‘Charmed Life’ (1990) e o single ‘Cradle of Love’ (cujo vídeo foi premiado nos MTV Awards) mas ‘Cyberpunk’ (1993) acabou por ficar aquém das espectativas comerciais e terá desmotivado o enérgico artista. Idol só voltaria aos discos já neste milénio mas com o seu característico esgar e poder da sua voz ainda intactos.

O que têm, então, em comum Bryan Adams e Billy Idol para estarem juntos no espaço desta rubrica? A base de ambos é o rock, embora Adams tenha um estilo mais “certinho” e Idol apresente uma irreverência mais punk e, para além disso, a carreira dos dois teve o seu auge nos anos 80 (se bem que a de Adams tem sido bem mais consistente). A verdade é que estão aqui juntos por causa de uma cassete que o meu irmão mais velho trouxe para casa por volta do final da década. Num antigamente que agora parece tão distante, era frequente fazermos as nossas próprias compilações em casa com músicas que gravávamos quando passavam na rádio. E era usual também trocar cassetes de áudio com amigos para nos gravarem álbuns que estes tinham em formato de disco de vinil ou CD. Dos muitos artistas e bandas emparelhadas em cada lado das cassetes, recordo-me vivamente desta porque terá sido, certamente, das que mais ouvi na aparelhagem de som ou no meu walkman. Esta parecia ser a única “ligação” entre os dois artistas. Mas como a realidade teima, muitas vezes em imitar a “ficção”, Bryan Adams e Billy Idol juntaram-se o ano passado para efectuar uma digressão conjunta pelos Estados Unidos da América, com cada um deles a assegurar uma das partes dos vários concertos. Tal como na dita cassete.

Videojogo: ‘Tetris’ (1984)

Em 1979, o programador informático Alexey Pajitnov ingressou na Academia de Ciências da então União Soviética com funções de pesquisa no campo da inteligência artificial. Cinco anos mais tarde, enquanto testava as capacidades do Electronika 60, o computador do instituto, Pajitnov começou a desenvolver um jogo recreando tetraminós, figuras geométricas planas com sete variações possíveis. Assim nascia Tetris, um dos primeiros itens de exportação de sucesso da União Soviética e um dos jogos mais influentes de todos os tempos. O objectivo do mesmo consiste em empilhar tetraminós, que descem pelo ecrã, para que se completem linhas horizontais. Quando uma linha se forma, ela desintegra-se, as camadas superiores descem e o jogador ganha pontos. Quando a pilha de peças chega ao topo do ecrã, a partida chega ao fim.

A notoriedade de Tetris começou a espalhar-se a ocidente nos anos seguintes, com o jogo a ser adaptado a inúmeras plataformas. No entanto, a verdadeira explosão de popularidade da criação de Pajitnov dar-se-ia em 1989, com o aparecimento da versão para o Game Boy. Pronta a imergir no mercado, a consola portátil da Nintendo integrou Tetris no seu lançamento e os números de vendas superaram três vezes o esperado, tornando o jogo um dos mais vendidos de sempre. A versão para o Game Boy, assegurada depois de uma intensa luta pelos direitos do jogo com o governo soviético, é célebre também por ter sido a primeira a usar o tema “Korobeiniki”, uma canção folclórica russa do século XIX que passou a ser sinónimo para os jogadores como a “música do Tetris”. Com a sua popularidade em alta, o quebra-cabeças soviético continuou a encontrar novas plataformas (incluindo cópias não licenciadas em outras máquinas electrónicas portáteis) e atingiu mesmo uma distinção no livro do Guiness como o jogo mais exportado para diferentes plataformas, num total superior a 65. Para além disso, Tetris pode gabar-se também de ter sido o primeiro videojogo a ser jogado no espaço, a bordo da Estação Espacial MIR, em 1993.

O meu primeiro contacto com o Tetris foi através da versão para MS-DOS. Fazia parte do grupo de disquetes que o meu irmão mais velho trouxe para jogarmos (às escondidas) no computador do nosso pai. Confesso que o jogo não me chamou muito à atenção na altura, em detrimento de outros títulos mais animados como ‘Prince of Persia’, ‘Cycles’ ou mesmo ‘Battle Chess’. No entanto, mesmo no final da década de 80, o fenómeno Tetris ganhou força em Portugal com o aparecimento das referidas máquinas electrónicas portáteis a um preço bem acessível. Nunca tive um Game Boy mas lembro-me bem do meu Tetris portátil (ou ‘Brick Game’, para ser mais preciso) de cor cinzenta e botões amarelos, que até levava para a escola para jogar nos intervalos. Quase todos os meus colegas, a certa altura, tinham uma e as mesmas continham a tal “Korobeiniki”, que tornava inconfundível saber ao que estavam a jogar. Criado com regras simples e requerendo inteligência e perícia, Tetris já foi alvo de muitos estudos e análises, alguns louvando as sua capacidades terapêuticas no combate a uma série de vícios mas outros também alertando para o “efeito Tetris” em caso de uso excessivo, podendo resultar numa espécie de avistamento de tetraminós fora do próprio jogo. Encaixar com moderação, como em tudo na vida.