80’s Bits XXII

Um artigo de Ricardo Tarré Gomes

Neste mês: Stallone e Pelé aliados improváveis contra os nazis e contra a troca de carreiras, uma sociedade das nações supersónica que começou com um sussurro descuidado e um treinador de fato treino que aposta na máxima que o futebol são 11 contra 11 e no final ganha a Alemanha.

Filme: ‘Fuga para a Vitória’ — Victory — (1981)

Num campo alemão de prisioneiros de guerra, o major Karl von Steiner (Max Von Sydow), que no passado havia jogado pela seleção alemã de futebol, tem a ideia de fazer um jogo entre a Alemanha e uma seleção composta por prisioneiros aliados, liderados pelo capitão John Colby (Michael Caine), um militar inglês que antes da guerra era um conhecido jogador de futebol. Colby também teria a tarefa de selecionar e treinar a formação aliada para enfrentar a equipa alemã no Estádio Colombes, próximo de Paris. Enquanto os nazis, com a excepção do justo Steiner, tencionam fazer de tudo para vencer o jogo e assim usar ao máximo a propaganda de guerra do Terceiro Reich, os jogadores aliados, reforçados pelo guarda-redes norte-americano Robert Hatch (Sylvester Stallone) e pelo avançado de Trindade e Tobago Luis Fernandez (Pelé), planeiam uma arriscada fuga durante o intervalo da partida.

O filme é baseado na obra húngara de 1962 ‘Két félidő a pokolban’ (traduzido por algo como “Duas partes no inferno”), que por sua vez é inspirada pela história real do “Jogo da Morte”, uma partida que terá ocorrido em 1942 entre prisioneiros de guerra soviéticos e soldados das forças armadas alemãs, com consequências dramáticas. De modo a trazer algum realismo para dentro das quatro linhas, o produtor Freddie Fields reuniu vários futebolistas profissionais do Ipswich Town e quase duas dezenas de internacionais de vários países, entre retirados ou ainda em actividade na época. Destacam-se três antigos campeões do mundo: a superestrela brasileira Pelé, o prodigioso argentino Osvaldo Ardilles, e o defesa central inglês Bobby Moore. Se para estes jogadores a maior dificuldade foi enfrentar a câmara fora de campo, o oposto também se verificou com os actores profissionais quando tiveram que contracenar com a bola. Michael Caine, na altura já com 47 anos, não consegue disfarçar o pouco jeito para o futebol e Sylvester Stallone, apesar das dicas recebidas do antigo guarda-redes Gordon Banks na rodagem, parece sempre inusitado entre os dois postes. É de referir que isso não impediu Stallone de se entregar fisicamente à personagem, dispensando um duplo e acabando por sofrer um ombro deslocado, costelas partidas e um dedo fracturado, este último ao tentar impedir um golo de Pelé nos treinos.

A parada de estrelas não se ficou por actores de renome e futebolistas. Atrás da câmara esteve o lendário John Huston, uma personalidade incontornável do cinema de Hollywood com carreira notável como actor, argumentista e realizador, nomeado inúmeras vezes para os óscares e vencedor por ‘O Tesouro da Sierra Madre’, no longínquo ano de 1948. Talvez por aqui ajude a explicar porque ‘Fuga para a Vitória’ tem um aspecto e transmite uma sensação de ser mais antigo do que realmente é. Auxiliado brilhantemente pela fotografia de época de Gerry Fisher e pela música do maestro Bill Conti, que habilmente introduz marchas militares pinceladas com um sentimento de autoritarismo e opressão, o filme de Huston faz transparecer semelhanças com clássicos de guerra como ‘A Grande Evasão’ (1963). No entanto, é o argumento fraco e retalhado de Yabo Yablonsky e Evan Jones que impede a obra de ambicionar algo mais e de se tornar mais credível, com a presença de alguns pontos plenos de inverosimilhança, incluindo o deus ex machina criado para fechar o filme.

Como referido anteriormente, ‘Fuga para a Vitória’ não se parece com um filme feito nos anos 80 e também não foi nessa década que o vi pela primeira vez. Nem me recordo de ter passado no ‘Lotação Esgotada’ ou em outro espaço da RTP destinado a filmes. Quando o descobri já era adulto e com a paixão pelo futebol bem definida, pelo que não resisti a espreitar como seria Stallone a jogar à bola ou Pelé a representar. Ambos não convenceram no novo ofício e o filme está longe de ser perfeito mas conseguiu cativar-me por incorporar habilmente códigos do cinema de guerra (como o heroísmo, a disciplina e o companheirismo), com o espírito e união do que deve ser uma equipa de futebol. O desporto-rei, ao contrário de outras modalidades, nunca teve grande expressão no cinema, tanto em quantidade como em qualidade (vem à memória a medíocre trilogia ‘Golo!’, com o último capítulo a ser, seguramente, um dos piores filmes que alguma vez vi) mas o filme de Huston é bem realizado, não desilude e entretém os seus adeptos.

Álbum: ‘Genius Super Sonic’ — Vários (1984)

As colectâneas oficiais de música por vários artistas são presenças habituais no mercado desde há muitos anos. Sejam por agruparem canções mais populares de um ano, de uma década ou por género musical, as compilações continuam a ser uma opção ideal para quem prefere uma lista de faixas mais heterogénea e não limitada a um artista ou banda em específico. Hoje em dia, é a franquia internacional ‘Now That’s What I Call Music!’ que continua esse legado relativamente à música actual mas também facilmente se encontram várias colectâneas saudosistas de músicas dos anos 80 e 90 à venda. Nessas mesmas décadas, a batalha pelo número um das tabelas estava ao rubro com vários concorrentes e diversas ofertas. Se na última década do século XX eram as colecções ‘Número 1’, apresentadas pela personagem Fido Dido, que dominavam as tabelas portuguesas de colectâneas, nos anos 80 a luta era entre séries como ‘Jackpot’, ‘Hit Parade’ ou ‘Genius’, especialmente por altura da época natalícia.

‘Genius Super Sonic’ surgiu em 1984, disponível em disco de vinil e cassete, e com um conjunto de 14 canções. Apesar do seu nome estrangeiro e de não constar qualquer artista ou banda portuguesa no seu alinhamento, ‘Genius’ foi uma produção nacional, editada e distribuída pela CBS Portugal. Relativamente às faixas presentes na compilação, o destaque maior vai para ‘Careless Whisper’, uma das mais célebres baladas dos anos 80. Facilmente reconhecida pelo seu solo de saxofone inicial, a canção interpretada por George Michael e escrita em parceria com Andrew Ridgeley da dupla Wham! é creditada como o primeiro êxito a solo de Michael em vez de reconhecida como uma música da banda pop inglesa. De seguida, ’99 Red Balloons’, a versão anglófona de ’99 Luftballons’, sucesso internacional da cantora alemã Nena e ‘Turn Me Loose’, dos canadianos Loverboy. O britânico Chris de Burgh marca presença com ‘High on Emotion’ e Irene Cara, norte-americana conhecida por dar voz às canções principais dos filmes ‘Flashdance’ e ‘Fama’, encerra o lado A com ‘Breakdance’, produzido pelo prolífico Giorgio Moroder. O lado B começa com ‘Torture’, dos Jacksons (ex-The Jackson 5, uma das últimas prestações de Michael Jackson junto dos seus menos talentosos irmãos), seguido do one-hit wonder ‘Susanna’, tema dos holandeses The Art Company que teve muita popularidade por cá. Destaque também para Bryan Adams e o seu ‘Tonight’, um bom tema mas dos menos conhecidos da carreira do intérprete canadiano, o inglês Paul Young e ‘Come Back and Stay’, ‘Dr. Beat’ dos Miami Sound Machine, o grupo da cantora cubano-americana Gloria Estefan antes desta se lançar a solo e, para finalizar, ‘Lilás’ do artista brasileiro Djavan, o único representante de língua portuguesa em toda a compilação.

A versão em cassete desta colectânea chegou a casa dos meus pais provavelmente por oferta de uma tia a um dos meus irmãos mais velhos. É uma das cassetes originais mais antigas de que tenho memória e a mesma ainda se aguentou por lá muitos anos antes da fita se partir. Guardo um carinho pelo alinhamento da compilação, até porque, com a excepção de ‘Careless Whisper’, as outras canções não são escolhas habituais ou óbvias em revivalismos dos anos 80, o que as torna mais “raras” de ouvir. Tal como em qualquer colectânea do género, nem tudo são tiros certeiros e o critério de escolha dá que pensar, talvez a CBS Portugal tenha ido mais pela diversidade do que propriamente pela notoriedade dos artistas. ‘Genius Super Sonic’ quase que se podia candidatar a “música do mundo” pois no seu alinhamento, para além das já referidas, tem ainda canções de artistas jamaicanos (Jimmy Cliff), italianos (Den Harrow) e dinamarqueses (Laid Back). Um festival da canção.

Jogo de computador: ‘Tracksuit Manager’ (1988)

“O mês é Julho — o teu país falhou miseravelmente no Campeonato do Mundo e, com as preparações agora focadas na Taça das Nações dentro de dois anos, um novo seleccionador foi escolhido. O emprego é teu. Boa sorte… bem vais precisar.” Esta é a mensagem inicial que espera cada novo jogador de ‘Tracksuit Manager’, o simulador de estratégia futebolística criado e lançado pela Goliath Games em 1988. O ponto de partida situa-se dois anos antes e permite ao utilizador escolher qualquer equipa europeia, tornando-se seleccionador nacional da mesma e tendo à sua escolha um leque de jogadores até 100. Se a escolha recair sobre a Inglaterra, a lista de jogadores já está disponível para escolha mas para qualquer outra selecção europeia teremos de inserir, num mínimo de 30, todos os nomes dos jogadores e respectivas posições em campo a constituir como seleccionáveis. O objectivo será construir uma equipa o mais forte possível de modo a poder qualificar-se para cada Europeu e Mundial de dois em dois anos e, se possível, alcançar a glória internacional.

Se a nível gráfico o jogo se assemelha a ‘The Double’, do ano anterior, as comparações com outros títulos de estratégia de futebol ficam praticamente por aqui. Ao contrário do ‘Football Manager’ e de todos os seus descendentes, em que o trabalho de treinador basicamente acumula com o de presidente pelas inúmeras responsabilidades administrativas e financeiras, em ‘Tracksuit Manager’ o ofício é estritamente técnico-táctico. Tal como o nome indica, somos um “treinador de fato de treino”, exclusivamente focado em escolher os melhores jogadores e as melhores tácticas para nos levar à vitória. E é aqui que o jogo se torna mais desafiante, ao termos que analisar cuidadosamente cada relatório de observação para cada jogador (entre inúmeros atributos avaliados), afinar a nossa táctica e adaptá-la à do adversário e acompanhar as partidas (que nos chegam através de texto, quase em estilo telegrama) com todas as incidências relatadas.

Se este jogo me tivesse chegado às mãos na altura do seu lançamento original, provavelmente ter-me-ia passado ao lado. Afinal, um jogo sem qualquer animação ou som e baseado maioritariamente em texto é suficiente para afastar qualquer um. Só no início da década seguinte é que o gosto pelo futebol se tornou uma realidade para mim e o interesse por todo o fenómeno também se alastrou aos jogos de estratégia do mesmo. E para o ZX Spectrum, a oferta era imensa e de qualidade. Por estes tempos, a “nossa” selecção nacional não era nada do que é hoje e era frequente falhar as grandes competições internacionais. Por essa razão e porque também tinha recebido uma camisola da recém-campeã Alemanha por parte do meu pai, escolher a selecção germânica (Alemanha Ocidental, mais propriamente) neste jogo foi natural. Com a geração de Lothar Matthäus, Jürgen Klinsmann e companhia, acabei por ganhar tudo, mas só após muito “estudo” e perseverança. Acredito que o jogo também me ajudou a melhorar a compreensão da língua inglesa, visto que muito do que era relatado apresentava palavras e expressões então desconhecidas para mim. O dicionário Inglês-Português acabou por ser o meu fiel “adjunto”. Como a paixão pelo futebol também corria (e muito) pelas veias do meu irmão do meio, também ele fez uma carreira no jogo, desta vez orientando a selecção portuguesa. Conseguiu a proeza de levar Portugal a uma final de um Europeu, mais de uma década antes do ocorrido realmente no Euro 2004 e mais de duas antes do pontapé fulminante do Éder.