Um artigo de Ricardo Tarré Gomes
Este mês na rua do ulmeiro: deitar cedo e adormecer, dá sustos e faz morrer; o tele (disco) mais pedido de sempre na TV continua a martelar e Vangelis a preparar o jogador para um momento de glória e talvez para uma tendinite também.
Filme: ‘Pesadelo em Elm Street’ — A Nightmare on Elm Street — (1984)
Um grupo de adolescentes da cidade de Springwood, Ohio, tem pesadelos horríveis em que são atacados por um homem com uma camisola vermelha e verde às riscas, com um velho chapéu a tentar esconder uma cara desfigurada e uma luva com lâminas na mão direita. Ele apenas aparece durante o sono e, para escapar, é preciso acordar. Os crimes vão ocorrendo seguidamente, até que se descobre que o ser misterioso é na verdade Freddy Krueger (Robert Englund), um homem que assassinou crianças e que foi queimado vivo pela vizinhança. Agora, Krueger pode ter retornado para se vingar daqueles que o mataram, através do sono, onde esta presença dita as regras. Quando acontece uma morte violenta, eles percebem que o que acontece nos sonhos torna-se realidade.
Se a premissa do filme é, obviamente, fictícia e fantasiosa, o ponto de partida para o argumento surgiu depois do realizador Wes Craven ter lido artigos de jornal sobre misteriosas mortes de adolescentes asiáticos durante o sono. O que na altura não foi explicado (e hoje poderá ser atribuído ao Síndrome de Brugada), intrigou e inspirou Craven a escrever sobre um espírito maligno e vingativo que atacava as suas vítimas em pesadelos. O argumento andou três anos a vaguear pelos escritórios de Hollywood até que o pequeno estúdio New Line Cinema aceitou produzir o filme. O sucesso do mesmo foi de tal forma tremendo que mudou a carreira dos principais intervenientes, incluindo do próprio estúdio, resultando numa franquia que já vai em nove filmes (incluindo um reboot) e que garantiria a Freddy Krueger um lugar destacado como um dos reconhecidos ícones do cinema de horror.
Robert Englund quase que se confunde com a sua personagem pelo toque pessoal e carismático que lhe atribuiu. Krueger não é um assassino mudo como os seus congéneres Michael Myers e Jason Voorhees (das sagas ‘Halloween’ e ‘Sexta-Feira 13’, respectivamente) mas sim um psicopata muito verbal, frequentemente provocando as vítimas com a sua língua afiada. No filme original, Englund tem menos de sete minutos de tempo de ecrã mas Craven joga muito bem com isso, provando que o poder de sugestão e de suspense num filme de terror é tão ou mais importante do que é, efectivamente, mostrado ao espectador. Heather Langenkamp é a heroína feminina de serviço e agarra bem a sua personagem, Nancy. John Saxon (recentemente falecido) e Ronee Blakley interpretam os descrentes pais da jovem, com o pragmatismo adequado. Destaque ainda para a estreia absoluta de Johnny Depp no grande ecrã como Glen, o namorado da protagonista. Uma palavra para o trabalho de Charles Bernstein e para as simples mas eficazes notas musicais do tema principal, assim como a gélida rima infantil cantada que anuncia a chegada de Freddy.
O tema dos sonhos/pesadelos e o estudo dos mesmos, a onirologia, sempre me fascinou. Um sonho é definido como uma sucessão de imagens, ideias e emoções que ocorrem involuntariamente na mente durante certas etapas do sono. Muitas vezes lembramo-nos perfeitamente do que sonhamos, outras apenas recordamos esboços de acontecimentos e a maioria das vezes nem nos lembramos que até sonhámos. Jogando com esta ideia de mistério que envolve os sonhos, Wes Craven criou um assassino muito particular e diferenciador no género dos slasher movies. O sono é visto como o verdadeiro descanso, um escape da realidade, e ao colocar Freddy Krueger neste domínio esse “santuário” é distorcido. Tal como Krueger provoca as suas vítimas no ecrã, também Craven brinca com o espectador, deixando-nos, em algumas cenas, na dúvida se se passam na realidade ou no sonho das personagens. Em criança, e apesar de já distinguir bem ficção de realidade, lembro-me de ficar aterrorizado tanto com o filme (e com Freddy) como com a ideia de sonhar com ele. Nunca aconteceu, nem com este filme nem com nenhum outro de terror. Ou então sonhei e não me lembro. Como diria Edgar Allan Poe, “tudo o que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho”.
Canções: ‘Sledgehammer’ / ‘Big Time’ — Peter Gabriel (1986)
Peter Brian Gabriel é um cantor e músico inglês nascido há 70 anos em Chobham, no condado de Surrey. Após a primeira experiência liderando uma pequena banda de amigos de escola, Gabriel fundou os Genesis, juntamente com quatro outros colegas, em 1967. O falhanço comercial do primeiro álbum levou os ainda adolescentes a retomar os estudos e só por volta de 1970 decidiriam voltar a tempo inteiro à banda. O reconhecimento e algum sucesso nas tabelas de vendas só chegaria com ‘Foxtrot’, em 1972, já depois da entrada de Phil Collins para o lugar de baterista. Peter Gabriel deixaria os Genesis em 1975 para iniciar uma bem-sucedida carreira a solo. Depois de quatros álbuns homónimos e de singles como ‘Solsbury Hill’ e ‘Games Without Frontiers’ a terem destaque, foi com ‘So’, de 1986, que Gabriel viu a sua popularidade aumentar exponencialmente, muito por culpa dos seus inovadores videoclipes.
A inegável influência da MTV em transformar as carreiras de bandas e artistas através da promoção dada aos mesmos foi evidente nos anos oitenta e o caso de Peter Gabriel é um perfeito exemplo disso. O cantor e compositor britânico era conhecido mais como artista de culto, com obras menos “acessíveis”, e ‘So’ veio mudar essa imagem. É certo que as próprias canções também se aproximaram mais do género pop como nunca na carreira de Gabriel mas foi a aposta acertada na inovação visual dos singles desse álbum que levaram o artista a ser recordado como um dos ícones da década. ‘Big Time’ e, especialmente, ‘Sledgehammer’ foram presença assídua na MTV, com o último até a deter, até aos dias de hoje, os recordes absolutos de videoclipe mais galardoado (nove prémios) e o que por mais vezes passou no referido canal de música norte-americano. O álbum também contava com ‘Don’t Give Up’, um dueto com Kate Bush, mas foram os videoclipes impressionantes realizados por Stephen R. Johnson que ficaram mais na memória.
É justo então dizer que Peter Gabriel não entra propriamente nesta rubrica de escolha pessoal pela sua música. À frente dele estariam dezenas de bandas e artistas a solo que infelizmente não chegarão a marcar presença por motivos de espaço e tempo. Gosto das canções referidas e de mais umas duas ou três mas não é um artista que eu (ou os meus irmãos) tivesse algum álbum em casa. Até mesmo em relação aos Genesis, sempre preferi a fase mais comercial dos mesmos, quando Gabriel saiu e Phil Collins transitou da bateria para o microfone. No entanto, e como os anos 80 foram uma década de grande criatividade, nomeadamente a nível dos telediscos, não posso deixar de destacar ‘Sledgehammer’ e ‘Big Time’ e de como fascinaram e deixaram memórias felizes numa criança de 6 anos. Aquilo era o mais próximo de um desenho animado para mim, tão diferente, por exemplo, de outros videoclipes somente com bandas de gadelhudos em cima de um palco. Visualmente cativantes, incluíam animações em plasticina com stop motion da Aardman (criadores da Ovelha Choné, entre outros), embora tudo de uma forma bem bizarra. Tínhamos lá em casa uma cassete em VHS só com telediscos gravados da televisão e esses dois de Peter Gabriel marcavam presença… até um dos meus irmãos gravar acidentalmente um filme por cima desse conteúdo.
Jogo de computador: ‘Daley Thompson’s Super Test’ (1985)
Daley Thompson é um antigo decatleta inglês com uma carreira recheada de triunfos. Foi medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1980 e 1984 e bateu o recorde mundial do decatlo por quatro vezes, tornando-se num dos mais respeitados nomes do atletismo britânico. No auge da sua popularidade, Thompson foi abordado pela Ocean Software para dar nome a um jogo de computador e assim nascia ‘Daley Thompson’s Decathlon’ em 1984. O jogo apresentou-se fiel à modalidade olímpica, permitindo comandar o atleta titulado em cada uma das provas que compõem o decatlo moderno, e foi um sucesso de vendas. Desta forma, foi sem surpresa que a Ocean resolveu renovar a parceria no ano seguinte, apresentando um novo jogo graficamente mais evoluído e com inclusão de outras provas olímpicas (de verão e inverno), sacrificando o realismo da competição em prol de uma experiência mais diversificada e divertida.
‘Daley Thompson’s Super Test’ desafia o jogador a competir em: canoagem; futebol (marcação de penáltis, mais concretamente); saltos de esqui; tracção à corda (antiga modalidade olímpica entre 1900 e 1920); triplo salto; 100 metros; lançamento do dardo; 110 metros barreiras; tiro ao alvo; ciclismo; saltos para a água e slalom gigante. Ao todo são 12 provas, algumas bem mais difíceis do que outras, em que o jogador terá que se qualificar para ir progredindo para a seguinte. Se falhar a qualificação em três dessas provas, o jogo acaba. A jogabilidade do título da Ocean assenta, na maioria das provas, em alternar o mais rapidamente possível duas teclas (ou a esquerda-direita de um joystick), ideia originalmente surgida em ‘Olympic Decathlon’ (1980) da Microsoft. De referir ainda que o jogador é recebido no ecrã inicial com uma versão notável em 8 bits de ‘Chariots of Fire’, a mítica música principal do filme britânico ‘Momentos de Glória’ (1981), adequadamente escolhida para reforçar a imagética olímpica do jogo.
Os primeiros Jogos Olímpicos de que verdadeiramente me lembro foram os de 1988, realizados na cidade sul-coreana de Seul. A inesquecível vitória de Rosa Mota na maratona é uma das imagens nacionais da década, juntamente com o triunfo de Carlos Lopes quatro anos antes em Los Angeles. Como apreciador de desporto, continuei a acompanhar as Olimpíadas e quando surgiu a oportunidade de ter um jogo para o meu ZX Spectrum 128K baseado nas mesmas não hesitei. Comprei ‘Daley Thompson’s Super Test’ por uma pechincha em segunda mão a um conhecido e em boa hora o fiz, tanto mais que o mesmo o quis recomprar um mês mais tarde. Não aceitei porque gostei bastante do jogo e era uma das melhores escolhas para jogar alternadamente com amigos ou com o meu irmão do meio. A mecânica simples mas extenuante de freneticamente alternar duas teclas para dar velocidade ao Daley Thompson virtual deve ter valido muitos teclados e joysticks partidos por todo o mundo mas os meus resistiram, apesar de algumas dores posteriores de dedos e braços. Era como se o jogo nos obrigasse mesmo a um esforço físico para chegar às medalhas.