80’s Bits XXV

Este mês: um pontapé de grou para acabar com o bullying; uma banda abençoada pelas chuvas de África e um regresso às aulas para fazer tudo menos estudar.

Filme: ‘Momento da Verdade’ (1984)

O adolescente Daniel LaRusso (Ralph Macchio) e a sua mãe mudam-se de Nova Jérsia para o sul da Califórnia. Porém, Daniel não se consegue ambientar na sua nova morada, até que conhece Ali Mills (Elisabeth Shue), uma rapariga atraente que mostra sentimentos por ele. Porém, a situação de Daniel complica-se quando o ex-namorado de Ali, Johnny Lawrence (William Zabka), e os seus amigos começam a atormentá-lo. Um dia, quando é cercado pelos amigos de Johnny, ele é salvo pelo senhor Miyagi (Pat Morita), um velho mestre de karaté. Disposto a ajudar Daniel, Miyagi resolve passar-lhe os ensinamentos de sua arte marcial, para que ele possa se defender dos amigos de Johnny, que também lutam karaté. Determinado a mostrar o seu valor e surpreendido pelos peculiares métodos de treino do seu mestre, o jovem Daniel decide enfrentar os seus adversários num campeonato de artes marciais.

‘Momento da Verdade’ (ou ‘The Karate Kid’, no seu título original, como é mais conhecido) é uma história semi-autobiográfica de Robert Mark Kamen, que combinou as suas próprias vivências com as de uma notícia de jornal (que falava de um jovem que aprendeu karaté de modo a afugentar os bullies do seu bairro) para redigir o argumento do filme. A realização ficou a cargo de John G. Avildsen, responsável pelo ‘Rocky’ original e, tal como nesse galardoado filme, a composição musical foi assegurada por Bill Conti. Ralph Macchio bateu a concorrência de vários actores que viriam a ser grande estrelas como Tom Cruise ou Nicolas Cage para assegurar o papel principal. Noriyuki “Pat” Morita era então um actor mais associado à comédia e, após ser inicialmente rejeitado no casting, deixou crescer a barba e alterou o seu sotaque, conseguindo finalmente o papel do velho sensei e, com isso, uma posterior nomeação ao Oscar. Elisabeth Shue e William Zabka, nos papéis da amada e rival de Daniel, respectivamente, têm a sua estreia no grande ecrã.

‘Karate Kid’ foi o que na indústria do entretenimento se chama um sleeper hit, expressão utilizada para caracterizar uma obra que, apesar de modestos resultados iniciais, se torna um grande sucesso posteriormente. Talvez por pouca promoção por parte da Columbia Pictures, o filme obteve fraca adesão nos primeiros dias mas o passa-a-palavra (ou marketing de boca a boca, como também é conhecido) entre as pessoas e as boas críticas da imprensa especializada levaram a uma grande afluência às salas de cinema, tornando a película de Avildsen um dos maiores sucessos de 1984. Dois anos passados saiu ‘Momento da Verdade II’, com os mesmos protagonistas mas novos adversários, desta feita bastante publicitado e com ‘Glory of Love’, de Peter Cetera, a passar frequentemente nas rádios e nas televisões.

‘Momento da Verdade III’ fechou a trilogia em 1989 mas em 1994 Miyagi-san voltaria a ensinar, desta vez uma aluna (a estreante Hilary Swank), em ‘Karate Kid — A Nova Aventura’. Haveria ainda tempo para uma espécie de remake em 2010, com a personagens a mudarem de nome mas a manter-se a base da história original. Jaden Smith encarnou o jovem aprendiz e Jackie Chan o seu mentor, sem grande adesão do público e da crítica. Até que em 2018 (e de forma surpreendente) chegou ‘Cobra Kai’, uma série lançada pelo YouTube Red (agora YouTube Premium) e que serve como sequela de todos os filmes, acompanhando as vidas actuais de Daniel-san e do seu rival do filme original, Johnny. O sucesso da série, que combina habilmente os géneros de comédia e drama, pincelados pela inevitável nostalgia de 34 anos já passados, levou a Netflix a comprar as duas temporadas da mesma e a garantir uma terceira em exclusivo na sua plataforma já no próximo ano.

Para este mês tinha como objectivo homenagear um género muito popular nos anos oitenta: os filmes de artes marciais. Desde os mais centrados nas cenas de acção e em estrelas em ascensão como o belga Jean-Claude Van Damme (‘Força Destruidora’ de 1988 ou ‘Golpe de Vingança’ do ano seguinte como os mais conhecidos), passando pelo sub-género de “filmes de ninjas” (em obras populares nos clubes de vídeo da altura como ‘O Regresso do Ninja Americano’ de 1985 e todas as suas sequelas e imitações) até este ‘Momento da Verdade’. Quando pensei no filme deste género que terá ficado mais na minha memória, a escolha recaiu sobre o último. Afinal, para além de ter sido um filme marcante da cultura pop da década, lembro-me de tentar recriar o pontapé apoteótico com colegas de escola no recreio ou de expressões como “wax on, wax off”. Voltei a ver o filme, após muitos anos, para preparar a crónica e para actualizar-me para ver ‘Cobra Kai’ e achei-o melhor do que pensava. É um filme bem dirigido por John G. Avildsen que, apesar de alguma semelhança narrativa com ‘Rocky’, trilha o seu próprio caminho com competência e bom desempenho dos actores, apelando a um público mais juvenil e alcançando até um nível de autenticidade desportiva retratada (com as cenas de combate a serem minuciosamente coreografadas por Pat E. Johnson, antigo parceiro de competição de Chuck Norris) superior ao do filme protagonizado por Sylvester Stallone.

Álbum: ‘Toto IV’ — Toto (1982)

Os Toto são uma banda norte-americana formada em 1977 por vários músicos que colaboravam na gravação de álbuns de estúdio de vários artistas e bandas. O teclista David Paich e o baterista Jeff Porcaro reuniram outros talentosos músicos de sessão e decidiram criar os Toto, que avançariam para uma carreira recheada de canções próprias ao longo de 14 álbuns, com direito a várias distinções e prémios. Tudo começou com o primeiro trabalho de originais, o homónimo ‘Toto’, de 1978. Alavancado por ‘Hold the Line’, o primeiro grande êxito da banda e uma das mais reconhecíveis canções do final dessa década, o sucesso do álbum de estreia não teve seguimento à altura com ‘Hydra’ (1979) e ‘Turn Back’ (1981), os discos seguintes. Pressionados pela Columbia Records em apresentar um quarto álbum que fosse um êxito, os Toto puxaram dos seus galões e lançaram uma obra que foi galardoada com seis Grammy Awards, incluindo o de Álbum do Ano.

Produzido pela própria banda, ‘Toto IV’ significou um certo regresso às origens no que diz respeito ao seu trajecto musical. Tal como no seu primeiro álbum, os Toto optaram por um trabalho que atravessou vários géneros musicais, mantendo a base pop rock, e fizeram uso da colaboração de músicos externos. A gravação multicanal permitiu o registo em separado de múltiplas fontes de som para criar um resultado final coesivo. Lançado em 1982, o quarto trabalho de originais da banda norte-americana produziu cinco singles, com destaque para ‘Rosanna’ e ‘Africa’. Este último tornar-se-ia mesmo o maior êxito dos Toto, atingindo o lugar cimeiro da Billboard e eternizando-se com uma das canções mais célebres dos anos 80, certificado cinco vezes como disco de platina. Após o lançamento de ‘Toto IV’, vários membros dos Toto colaborariam na banda-sonora do filme ‘Dune’, de David Lynch, e na gravação e produção de ‘Thriller’, de Michael Jackson, conseguindo assim a proeza de estarem ligados a dois ‘Álbuns do Ano’ consecutivamente.

‘Toto IV’ foi um dos primeiros álbuns em CD que o meu irmão mais velho comprou. Lembro-me de não ficar muito entusiasmado, tanto por não conhecer quem eram os “totó” como por não soar ao tipo de rock que mais gostava. Geralmente ouvia apenas as duas canções já referidas, que eram a primeira e a última faixa do CD. Com o tempo passei a apreciar mais o álbum (incluindo a belíssima balada ‘I Won’t Hold You Back’ ou a ritmada ‘Affraid of Love’), onde está bem patente a mestria musical da banda através do uso e combinação de vários instrumentos e técnicas. Fez-me também querer ouvir mais Toto e, curiosamente, acabei por descobrir que ‘Hold the Line’, que já conhecia e gostava muito, era uma canção deles. Os Toto estão oficialmente “em hiato” desde o ano passado, após problemas de saúde de alguns dos seus membros. Jeff Porcaro, fundador da banda, músico de eleição e considerado por muitos como o baterista de sessão mais requisitado para gravação de álbuns (entre meados dos anos 70 e início dos anos 90), já havia falecido em 1992, com apenas 38 anos de idade.

Jogo de computador: ‘Back to Skool’ (1985)

Setembro, o mês habitual do regresso às aulas. É a altura ideal para relembrar ‘Back to Skool’, a sequela de ‘Skool Daze’, êxito surpresa de 1984 que analisei aqui na edição V. Passado um ano, a britânica Microsphere avançou para um novo jogo que, para além de tudo o que o original continha, ofereceu uma área mais extensa, um maior número de personagens e funcionalidades adicionais. A grande diferença em termos de área de jogo prende-se com a inclusão de uma escola para raparigas, separada da dos rapazes por um espaço comum de recreio. Em termos de novas personagens, destacam-se Hayley, a namorada do protagonista; Miss Take, a reitora do colégio feminino e Albert, o contínuo. Levantando os tampos das carteiras, será agora possível encontrar bombas de mau cheiro e bisnagas, para além de poder apanhar ratos, sapos e até uma garrafa de vinho xerez.

Tal como em ‘Skool Daze’, o jogador controla Eric e o objectivo deste jogo segue o final do original. Depois de ter roubado o seu ficheiro de aluno do cofre do reitor, Eric terá agora que devolver esse mesmo ficheiro, desta vez adulterado, sem que ninguém dê por isso. Até chegar a esse objectivo final teremos que desbloquear outras situações como mandar bombas de mau cheiro nos gabinetes para forçar que abram janelas, descobrir o código do cadeado da bicicleta que está no pátio, largar um rato ou sapo na escola das raparigas para lançar o pânico ou embebedar alguns professores com xerez. Tudo isto com uma total liberdade de movimentos e opções, só ameaçada pela marcação de faltas por parte dos professores e reitores por cada tropelia descoberta ou acesso indevido em tempo de aulas. Para amenizar essa situação, Eric pode beijar a sua namorada no recreio e assim “retroceder” várias faltas por cada beijo. No entanto, este recurso não será infinito pois, depois da sexta tentativa, Hayley deixará de achar piada aos avanços românticos do nosso herói.

Quando os produtores de um videojogo (ou um filme) de sucesso apresentam uma sequela, esta é habitualmente promovida como maior e melhor que o original. Todos sabemos que nem sempre é verdade e que o primeiro título, por mais não seja porque foi pioneiro no conceito ou temática, é usualmente mais reconhecido. Pois bem, em ‘Back to Skool’ o resultado final foi mesmo maior e melhor que o do seu antecessor. A ideia original foi aperfeiçoada e expandida, dando ainda maior liberdade ao jogador para explorar a nova área de jogo sem estar obrigado a seguir os objectivos principais do jogo. Foi nesta liberdade de actuação, algo raríssimo para um jogo na altura, que me perdi várias horas a jogar no ZX Spectrum. É uma simulação e, ao mesmo tempo, uma paródia à vida escolar, com todos os clichês e estereótipos de situações desse tempo que vivemos no ensino preparatório e secundário.