Este mês: a caça ao homem é uma coisa do outro mundo; o Mozart da guitarra que deixou um legado de sinfonias eléctricas e quatro adolescentes de carapaça especialistas em despachar adversários e também pizzas.
Filme: ‘Predador’ — Predator — (1987)
O major Alan “Dutch” Schafer (Arnold Schwarzenegger) é contratado pela CIA para tentar encontrar e resgatar um ministro estrangeiro e funcionários do governo que saíram da rota e se perderam na selva de um país da América Central. O exército acredita que eles estejam nas mãos de guerrilheiros mas quando Dutch e a sua equipa chegam ao local, logo percebem que há algo errado. Depois de encontrar vários cadáveres, a experiente equipa descobre que os seus próprios elementos estão a ser caçados um a um por uma criatura brutal, altamente armada, com força sobre-humana e uma capacidade surpreendente de se camuflar.
Após o lançamento de ‘Rocky IV’, circulava em Hollywood uma piada sobre o facto de Rocky Balboa, por já não ter mais adversários humanos à altura, teria que lutar com um extraterrestre no próximo filme. Parcialmente inspirados por esta ideia, Jim e John Thomas escreveram um argumento intitulado ‘Hunter’ que viria a ser comprado pela 20th Century Fox e entregue ao produtor Joel Silver. Tendo conseguido elevar ‘Comando’, em 1985, de um pequeno argumento a uma grande produção, Silver decidiu seguir a mesma fórmula de sucesso e assegurou a estrela desse mesmo filme, Arnold Schwarzenegger, para encabeçar o novo projecto. Seguiram-se as contratações de outros “pesos-pesados” como Carl Weathers (o Apollo Creed da saga ‘Rocky’), Jesse Ventura (um lutador de wrestling profissional), Sonny Landham (Billy Bear em ’48 Horas’) ou Bill Duke, que havia participado igualmente em ‘Comando’. Se no que diz respeito à definição final da equipa de soldados das forças especiais o processo estava bem encaminhado, para a escolha da personagem titular do filme o mesmo não aconteceu. Originalmente escolhido para interpretar o alienígena, o belga Jean-Claude Van Damme queixou-se constantemente do calor que sentia dentro do fato e queria fazer do seu Predador um especialista em artes marciais. O facto de ser bem mais baixo que qualquer um dos actores escolhidos para militares fez o estúdio dispensar Van Damme, redesenhar o fato e avançar para a escolha de Kevin Peter Hall que, no alto dos seus 2 metros e 18 centímetros, apresentava a imponência física para enfrentar “Arnie” e companhia que os produtores procuravam para o papel.
A cadeira de realizador foi entregue a John McTiernan, um cineasta nova-iorquino formado na prestigiada Juilliard School mas com apenas um filme no currículo por essa altura. McTiernan e toda a equipa enfrentaram um longo e duro período de rodagem na selva mexicana com a presença de cobras venenosas, sanguessugas, humidade sufocante, calor abrasador durante o dia e frio gélido à noite, para além dos problemas com o próprio terreno acidentado. Para além disso, praticamente todos os actores sofreram de problemas intestinais por causa da água local ingerida e Schwarzenegger precisou de abandonar as filmagens por alguns dias para se casar com Maria Shriver. Durante o período de ausência da estrela de acção, Stan Winston trabalhou na definição do alienígena titular como o conhecemos hoje, sendo as mandíbulas da sua face uma ideia da parte de James Cameron e os efeitos vocais da criatura uma criação de Peter Cullen, a voz de Optimus Prime em ‘Transformers’. Os notáveis efeitos especiais seriam reconhecidos com uma nomeação ao Oscar e a música ficou a cargo de Alan Silvestri, cujo excelente tema principal ganharia prémios e seria recriado em todas as futuras sequelas do filme, que só perdeu para ‘O Caça-Polícias II’ como o filme mais visto nos cinemas norte-americanos em 1987. Enquanto a sequela do filme de Eddie Murphy cedo caiu no esquecimento, a obra escrita pelos irmãos Thomas e realizada por McTiernan é hoje largamente reconhecida com um clássico do cinema de acção e ficção científica e que deu origem a uma franquia bilionária que inclui três sequelas, dois outros filmes interligados com a saga ‘Alien’ e inúmeros livros e videojogos licenciados.
‘Predador’ é um filme incontornável dos anos oitenta e um dos meus favoritos de sempre. O estilo de filmagem de John McTiernan é notável, com movimento muito activo de câmara e com a sua imagem de marca de ligar imagens separadas através de uma objectiva panorâmica que provoca uma maior sensação de imersão. Para além disso, o ritmo do filme de McTiernan é excepcional, praticamente sem tempos mortos, situação que voltaria a replicar em outra das suas grandes obras de acção — ‘Die Hard — Assalto ao Arranha-Céus’, no ano seguinte. Sendo um filme protagonizado por Arnold Schwarzenegger, as one-liners estariam sempre presentes e este tipo de falas curtas e icónicas estão ao rubro em ‘Predador’. Terá sido certamente um dos filmes que mais citei na brincadeira com o meu primo e amigos. Também gostei de ‘Predador 2’ (1990), apesar de estar uns bons furos abaixo do original, mas depois disso todas as tentativas de trazer de volta o temível caçador alienígena de volta ao grande ecrã provaram ser uma desilusão, tendo atingido o ponto mais baixo com o execrável ‘O Predador’, de 2018. No que diz respeito à adaptação ao mundo dos videojogos, o filme original pode gabar-se de ter influenciado personagens como Mike Haggar de ‘Final Fight’ (baseado na personagem Blain), para além de várias outras genéricas à imagem de Dutch (por exemplo, um dos protagonistas de ‘Contra’) e de uma longa lista de jogos próprios. Destacam-se, entre outros, ‘Predator: Concrete Jungle’, de 2005 e o recente ‘Predator: Hunting Grounds’, que assinalou o regresso efectivo de Schwarzenegger à saga após 33 anos, emprestando a sua imagem e voz e revelando numa série de cassetes o trajecto do seu personagem desde que o vimos pela última vez no filme original. Quanto ao próprio extraterrestre, a mais fidedigna reprodução em termos de aparência e vocalizações aconteceu curiosamente num videojogo fora da franquia principal, como personagem adicional em ‘Mortal Kombat X’ (2015), em que os seus movimentos, armas e até fatalidades estão recriadas ao pormenor.
Álbuns: ‘MCMLXXXIV’ (1984) / ‘5150’ (1986) — Van Halen
Os Van Halen são/foram uma banda de rock norte-americana formada em 1972 e reconhecida mundialmente, como atestam os mais de 80 milhões de discos vendidos por todo o globo. A indecisão no tempo verbal deve-se à recente morte de Eddie Van Halen, fundador e força criativa da banda, que coloca uma séria interrogação no que diz respeito ao futuro do conjunto californiano. Filhos de pai holandês e mãe indonésia, os irmãos Alexander e Edward emigraram cedo para os Estados Unidos e logo revelaram talento para a música. Alex apropriou-se da bateria de Eddie e este teve que virar-se para a guitarra, um curioso sinal do destino e que haveria de tornar o mais novo dos Van Halen um dos mais icónicos guitarristas de sempre. Após alguns anos a tocar em bares e sob diversos nomes, os irmãos decidem-se pelo apelido de família, com a concordância do vocalista David Lee Roth e o baixista Michael Anthony, e assinam contrato com a Warner Records após executivos da editora discográfica ficarem impressionados com o som da banda, especialmente o que surgia da ‘Frankenstrat’ de Eddie. O inventivo holandês criou a sua própria guitarra (também conhecida por ‘Frankenstein’) misturando componentes de várias já existentes, de modo a alcançar o som único que queria por em prática com o seu dedilhar frenético. O virtuosismo de Eddie, tanto na guitarra como mais tarde nos sintetizadores e até piano (apesar de não saber ler música) foi uma constante ao longo da carreira da banda, que teve três vocalistas distintos. O menos relevante, Gary Cherone, apenas “durou” três anos e um álbum, pelo que a grande divisão quanto à sonoridade da banda estabelece-se entre o tempo da formação encabeçada por David Lee Roth e o período liderado pelo sucessor Sammy Hagar.
A “era Roth” estende-se basicamente desde a formação dos Van Halen até 1984, altura em que a banda lança o bem-sucedido álbum com o nome desse mesmo ano e o vocalista original decide iniciar uma carreira a solo. Foi um período marcado pelos riffs e solos de guitarra de Eddie, que popularizou a técnica de “tapping” e influenciou toda uma geração de novos guitarristas de rock. O álbum homónimo de estreia é bem exemplificativo disso, com a presença do inimitável instrumental ‘Eruption’ e com destaque também para os sucessos ‘Runnin’ with the Devil’, ‘Ain’t Talkin’ ‘bout Love’ ou a versão do clássico dos Kinks, ‘You Really Got Me’. Seguiram-se mais quatro álbuns em registo semelhante até ao álbum de maior sucesso de toda a “era Roth”, o acima referido ‘1984’. O trabalho contém êxitos como ‘Panama’, ‘Hot for Teacher’ e ‘Jump’, sendo este último o single mais conhecido e bem-sucedido de sempre da banda. Apesar da guitarra de Eddie ser bem audível no impressionante solo (segundo consta, o favorito do guitarrista holandês), o mesmo é dominado pelo hook de sintetizador que inicia e acompanha toda a música. O álbum atingiu o segundo lugar nas tabelas de vendas da Billboard, só atrás de ‘Thriller’ de Michael Jackson (com curiosamente Eddie Van Halen a contribuir para o sucesso do mesmo através do solo de guitarra em ‘Beat It’). Nesta altura, o ego de David Lee Roth já dava sinais de não caber dentro da banda e o próprio viria mesmo a sair no ano seguinte. “Diamond Dave” regressaria aos Van Halen em 2007 e gravaria mesmo o último álbum de originais da banda até à data — ‘A Different Kind of Truth’, de 2012.
Após a saída do carismático vocalista original, os Van Halen avançaram para um novo período com a escolha de Sammy Hagar, na altura numa carreira a solo. A “era Hagar” ficou caracterizada por um incremento de baladas, maior uso de sintetizadores (o novo vocalista também tocava guitarra, o que libertava mais Eddie para os teclados) e um estilo vocal mais exigente. A nível comercial foi um absoluto sucesso, com os quatro álbuns do período “Van Hagar” a atingirem o lugar cimeiro da Billboard. O primeiro deles, denominado ‘5150’, foi mesmo o mais vendeu de toda a carreira dos Van Halen, em que se destacam o primeiro single ‘Why Can’t This Be Love’, ‘Dreams’ ou ‘Love Walks In’. A toada de power ballads continuaria nos três álbuns seguintes, com letras e produções musicais mais maduras, longe da irreverência da era original. Foi durante este período que os Van Halen visitaram Portugal pela única vez, num concerto de 1995 que juntou-os aos Bon Jovi e aos Ugly Kid Joe no antigo Estádio José Alvalade. O segundo “casamento” entre vocalista e resto da banda chegaria ao fim no ano seguinte, após divergências criativas na escrita de canções para a banda sonora do filme ‘Tornado’. Gary Cherone foi o senhor que se seguiu mas o antigo vocalista dos Extreme não convenceu a crítica nem os fãs da banda após o fracasso do álbum ‘Van Halen III’, de 1998. Seguiram-se períodos de reunião e digressões a tempos diferentes com Hagar e Roth, com ambos os vocalistas a não esconderem a animosidade entre eles.
A primeira canção que me lembro dos Van Halen foi ‘Jump’, por passar frequentemente nas rádios e televisão. Foi talvez essa e ‘Panama’ as únicas músicas da “era Roth” que conheci enquanto criança pois o primeiro contacto com um álbum da banda seria através de uma cassete gravada de ‘5150’ que o meu irmão mais velho trouxe para casa. Fiquei imediatamente fã dos Van Halen, com destaque para a voz poderosa de Sammy Hagar e a mestria de Eddie Van Halen no solo de guitarra de ‘Dreams’ ou na composição de sintetizador de ‘‘Why Can’t This Be Love’. Continuei a acompanhar a carreira da banda com Hagar como vocalista e todos os singles dos álbuns posteriores que passavam na rádio até o meu irmão comprar o CD duplo ao vivo ‘Live: Right Here, Right Now’, de 1993. Através deste descobri algumas músicas mais antigas e comecei a ficar divido entre qual das “eras” gostava mais. Actualmente diria que a disputa acabou para mim numa espécie de “empate técnico”, com grandes canções em ambos os períodos de uma banda que agora, com a morte do seu membro mais criativo e a quem Tom Morello, guitarrista dos Rage Against the Machine, apelidou de “Mozart da nossa geração”, parece ter irremediavelmente terminado. RIP EVH.
Jogo de computador: ‘Teenage Mutant Hero Turtles’ (1989)
As Tartarugas Ninja (Leonardo, Donatello, Raphael e Michelangelo) têm como missão resgatar das mãos do maléfico Shredder um dispositivo que pode restaurar a forma humana do seu mestre Splinter. O primeiro objectivo das Tartarugas é salvar a sua amiga repórter April O’Neil, capturada e mantida em cativeiro por Bebop algures na cidade. Depois de resgatar April, os heróis adolescentes precisam de nadar subterraneamente de modo a desarmar uma série de bombas destinadas a destruir uma barragem, salvar Splinter das garras de Rocksteady, destruir uma armadilha gigante, encontrar o Technodrome e derrotar o Shredder. O jogador tem quatro vidas para cumprir a missão (que representam cada uma das Tartarugas, que podem ser alternadas a qualquer altura). Se todos os heróicos répteis forem capturados, o jogo acaba. Durante os seis níveis existem power-ups que podem ser recolhidos, bem como fatias de pizza para repor a energia perdida.
Desenvolvido pela Konami e lançado originalmente para a Nintendo Entertainment System em 1989, o jogo chegou ao mercado logo após a segunda temporada de episódios da série de animação homónima. A designação diferia da original norte-americana — ‘Teenage Mutant Ninja Turtles’ — em alguns países europeus porque a palavra ‘ninja’ gerou controvérsia pelo significado de “assassino contratado” e foi considerada inadequada para uso em desenhos animados. Polémicas à parte, as Tartarugas Ninja devem a sua existência à dupla de desenhadores e escritores Kevin Eastman e Peter Laird, que criaram as personagens com nomes de artistas renascentistas e todo o seu mundo em 1984. Originalmente mais violentos e editados numa banda-desenhada a preto e branco, os heróis de carapaça ganharam novos horizontes quando o licenciador Mark Freedman abordou a Playmates Toys para criar uma linha de brinquedos baseada na sua recém-adquirida propriedade intelectual. Seguindo a receita de sucesso obtida anos antes pela pelas congéneres Mattel e Hasbro, que alavancaram a venda dos seus brinquedos (das franquias ‘Masters of the Universe’ e ‘Transformers’, respectivamente) após estrearem na televisão séries animadas dos mesmos, a Playmate Toys chegou a acordo com Fred Wolf e a sua empresa MWS para produzir os desenhos animados. O sucesso foi gigantesco e a popularidade das Tartarugas Ninja explodiu um pouco por todo o mundo, dando origem a novas séries de animação e mais brinquedos, filmes, videojogos e todos o tipo de merchandise relacionado.
Os desenhos animados das Tartarugas Ninja estrearam por cá no final de década de oitenta e o entusiasmo (e a falta de uma cassete VHS virgem na altura) fez-me gravar a novidade por cima dos episódios de He-Man e os ‘Masters do Universo’, uma precipitação que mais tarde lamentei. Foi a última série de animação que segui com atenção enquanto criança. Foi igualmente com entusiasmo que descobri o meu primeiro jogo de computador baseado no quarteto verde, na sua versão para o ZX Spectrum. Tinha a particularidade de muitas vezes, após o célebre carregamento de minutos com as linhas horizontais e o som característico, dar a indicação de “tape loading error”. O amigo de infância que me apresentou ao Spectrum tinha a superstição (que parecia fundada) de que era mais provável o jogo “entrar” se estivéssemos em absoluto silêncio durante o carregamento. Uma vez ultrapassando esse problema, era um jogo divertido e que explorava ao máximo a limitada palete de cores da máquina, conseguindo até evitar o problema de color clash que assolava muitos outros jogos. Os gráficos não eram brilhantes mas a interessante jogabilidade ajudava a ultrapassar isso, alternando entre cenas nos esgotos e outras à superfície e dando até a hipótese de conduzir a célebre carrinha das Tartarugas que víamos nos desenhos animados. Por falar nestes, aqui fica um excerto de um episódio insólito em que as personagens visitam Portugal, nomeadamente Lisboa e o Estoril, ainda que mais pareçam imagens do país vizinho.