80’s Bits XXVIII

O plutónio do DeLorean está quase a esgotar-se mas ainda há tempo para uma última viagem de volta aos anos 80. Esta última visita servirá de balanço final sobre as memórias mais vivas que a década me deixou em relação a filmes, música e videojogos e também para lançar um breve olhar sobre outros títulos que ficaram à porta da rubrica, principalmente por motivos de tempo e espaço. Nunca foi o meu objectivo nem tive a presunção de fazer do 80’s Bits uma lista de “melhores da década” (pois os gostos serão, felizmente, sempre subjectivos) mas sim um exercício de memórias pessoais mais marcantes, fruto das vivências e socialização adquirida.

Filmes

O cinema desde cedo foi um interesse para mim e o facto de mais tarde ter trabalhado vários anos num videoclube (“espécie” hoje em vias de extinção) contribuiu de forma decisiva para consolidar a paixão por filmes. Nos anos 80, enquanto criança, as idas ao cinema não abundavam e a maioria dos filmes consumidos eram pela televisão, limitada a dois canais e que transmitia as películas vários anos depois de chegarem ao grande ecrã. Eram tempos diferentes, em que quando estreavam grandes filmes todos estávamos ansiosos para ver e também preparar a cassete de vídeo e gravar a partir da televisão. As próprias revistas de televisão traziam as capas dos filmes para recortar e assim construir a nossa própria videoteca. Outra opção muito popular era recorrer aos referidos clubes de vídeo, onde os filmes chegavam, pelo menos, mais de um ano depois de estreados no cinema. Terá sido nesta década que surgiu o conceito de “directo para vídeo” em que filmes de menor produção (os chamados “série B”) chegavam para alugar nos videoclubes sem terem passado pelas salas de cinema.

Ao longo da rubrica, o género mais destacado foi acção e aventura e era esse tipo de filmes que mais gravávamos da televisão ou alugávamos no clube de vídeo. Arnold Schwarzenegger era o “herói de acção” preferido cá por casa e, para além dos filmes destacados em edições anteriores, também tínhamos em cassete ‘Inferno Vermelho’ e a comédia ‘Gémeos’, ambos de 1988. O grande rival de “Arnie”, Sylvester Stallone, também era apreciado e os seus personagens John Rambo e Rocky Balboa marcaram a década, especialmente através do original ‘Rambo — A Fúria do Herói’ (1982) e do muito popular ‘Rocky IV’ (1985).

Ainda no género de acção, juntamente com fantasia, destaque para ‘Duelo Imortal’ (1986), com Christopher Lambert e o já saudoso Sean Connery. A relativa qualidade do primeiro filme da saga ‘Highlander’ não se traduziu nas suas desastrosas sequelas mas encontrou uma interessante continuidade na série ‘Os Imortais’ (1992–1998), com Adrian Paul no papel principal e por cá transmitida nos primeiros anos da SIC. ‘As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim’ (1986) de John Carpenter e com Kurt Russell como protagonista “estrearam” para mim na festa de aniversário de um primo e o “Mandarim” passou a ser mais do que uma marca de pudim. Por fim, destaque ainda para Chuck Norris e a sua bem-sucedida trilogia ‘Desaparecido em Combate’ iniciada em 1984. Demasiado grande para caber numa rubrica destas, aqui fica a menção devida ao mítico Norris, marcante como o coronel James Braddock no Vietname mas para muitos o eterno Walker, o Ranger do Texas.

Quem acompanhou regularmente as edições anteriores pôde constatar o meu interesse por filmes de terror e suspense e mais alguns títulos poderiam ter marcado presença. ‘A Mosca’ (1986) foi o último filme a ser exibido no cinema perto da minha casa antes de encerrar portas mas só o vi quando passou na televisão dois ou três anos depois. A obra de David Cronenberg, com Jeff Goldblum e Geena Davis nos principais papéis, não sendo o clássico “filme de terror”, tinha cenas que me faziam desviar o olhar por alguns segundos mas era boa demais para deixar de ver. A década que viu nascer Jason Voorhees e Freddy Krueger contou também com sequelas de ‘Halloween’ e com pura maldade no alto dos seus 74 centímetros em ‘Chucky, o Boneco Diabólico’ (1988). Num misto entre terror e comédia surgiu ‘O Regresso dos Mortos Vivos’ (1985), que homenageia os filmes de zombies de George Romero mas também os satiriza, alcançando um meio-termo que funciona bem sem nunca cair no absoluto ridículo. Escrito por Dan O’Bannon (que também foi responsável pelo argumento de ‘Alien, o Oitavo Passageiro’), o filme geraria quatro sequelas e o estatuto de obra de culto.

No campo das comédias, recordo ‘Crocodilo Dundee’ (1986) e a prestação carismática do australiano Paul Hogan. Mick Dundee voltaria ao grande ecrã mais duas vezes mas sem nunca conseguir igualar a graça do original. Igualmente no sub-género das comédias de acção, ‘O Caça-Polícias’ (1984) tornou Eddie Murphy numa estrela internacional e tinha uma banda sonora galardoada com um Grammy, onde ‘Axel F’ de Harold Faltermeyer despontava. Também relacionado com as forças da ordem estão os clássicos ‘Academia de Polícia’ (1984), com tantas personagens memoráveis, e ‘Aonde É que Pára a Polícia?’ (1988), com o inimitável Leslie Nielsen a protagonizar cenas hilariantes. Em forma de pergunta surgiria também uma das agradáveis surpresas da década — ‘Quem Tramou Roger Rabbit?’, em que desenhos animados partilhavam o ecrã com actores de carne e osso. Uma maravilha da técnica para a altura e um divertido filme para toda a família.

Música

Definitivamente a área mais presente desde que tenho memória, a música fazia-se ouvir frequentemente em casa. Desde os discos antigos do meu pai, ao gosto por música popular da minha mãe, os três irmãos alinharam as preferências musicais tendo por base o rock, entre o clássico, o hard rock e o inevitável pop rock que o fenómeno MTV ajudou a difundir através da divulgação de bandas e artistas nos seus telediscos. Adicionalmente, também me ficou gravada na memória a música de genéricos de desenhos animados, filmes e séries, de anúncios publicitários ou até de jogos de computador. Se em relação ao cinema ficaram de fora dezenas de “menções honrosas” a filmes para além dos abordados acima, no que diz respeito à música arriscar-me-ia, a que chegasse 2021 e ainda aqui estivesse a enumerar canções que me deixaram recordações.

Frequentemente referida nas crónicas passadas, a colecção de discos de vinil do meu irmão mais velho foi marcante para nos moldar o gosto musical. Após a compra da aparelhagem que ficaria no nosso quarto, a contagem inicial deu-se, ironicamente, com ‘The Final Countdown’, dos Europe. Seguir-se-iam cerca de duas dezenas de LPs em que o gosto nem sempre foi consensual entre nós os três mas que na maioria das vezes nos fez querer ouvir os discos em conjunto. Para além dos destacados em edições anteriores da rubrica, recordo aqui ‘Bad Animals’ (1987) da banda Heart, liderada pela voz poderosa de Ann Wilson e com a sua irmã Nancy na guitarra; a colectânea ‘The Legend of Eagles‘ (1988), constituída largamente por canções da banda californiana lançadas na década anterior; ‘The Joshua Tree’ (ou devo dizer ‘A Árvore de Joshua’?) dos U2, uma vez que na contracapa dessa edição do disco de 1987 todos os nomes das músicas estavam, bizarramente, traduzidos para português e ‘…But Seriously’ (1989) do “omnipresente” Phil Collins, o único artista a participar no mesmo dia em ambos os concertos de cada lado do Atlântico no Live Aid de 1985.

As cassetes de áudio eram o outro formato mais popular para ouvir música e permitiam fazê-lo com outra mobilidade, fosse através de auto-rádio, rádio portátil (do estilo boombox) ou com auscultadores e walkman. Para além das cassetes pré-gravadas, o formato dava a hipótese para quem tinha qualquer rádio-gravador ou aparelhagem de gravarmos nós próprios o que quiséssemos. As minhas primeiras gravações consistiam em brincadeiras ao microfone (tais como cantorias ou bizarras entrevistas a mim próprio), conversas da minha mãe ao telefone (o rádio captava a frequência do mesmo) sons e falas de personagens captados de desenhos animados da televisão e músicas gravadas da rádio. O meu irmão do meio também gravava canções que passavam nas rádios e tinha um alinhamento que eu procurava imitar e o meu mano mais velho trazia para casa cassetes gravadas com álbuns de bandas e artistas que passei a conhecer. Recordo-me da compilação ‘Every Breath You Take: The Singles’ (1985) dos britânicos The Police, ‘Kick’ (1987) dos australianos INXS, ‘No Fuel Left for the Pilgrims’ (1989) dos dinamarqueses D-A-D ou do álbum homónimo do mesmo ano dos norte-americanos Danger Danger. Também do derradeiro ano de década é o LP ‘Pump’ dos Aerosmith, de quem já conhecia algumas músicas mas nunca tinha ouvido um álbum inteiro. Lembro-me também de uma cassete que continha um álbum de Jean-Michel Jarre, prodígio francês da música electrónica e que era o “responsável” pela “banda sonora” das exibições no Planetário de Lisboa. Eram as minhas visitas de estudo preferidas da escola primária.

Se a MTV original norte-americana começou as suas emissões com ‘Video Killed the Radio Star’ dos Buggles, a MTV Europe estreou com ‘Money for Nothing’ dos Dire Straits, que incluiu a simbólica contribuição de Sting no começo e final da canção cantando “I want my MTV”, mais tarde tornado um slogan do canal. Lá por casa não tínhamos forma de ver a referida estação (só acessível por antena parabólica) mas os dois canais da RTP estavam repletos de programas dedicados à exibição de videoclipes musicais. Mais do que escutar as músicas, os telediscos vieram oferecer uma experiência também visual, nalguns casos ilustrando uma pequena história. Recordo ‘Can’t Fight This Feeling’ (1984) dos REO Speedwagon, uma canção que o meu pai gostava muito; ‘Nikita’ (1985), de Elton John, que passava regularmente em antena e agradava bastante à minha mãe; ‘Stuck with You’ (1986) de Huey Lewis and the News, uma música que ainda hoje me faz lembrar o verão; ‘Running in the Family’ (1987) dos Level 42, a certa altura a minha banda preferida; ‘Everybody Wants to Rule the World’ (1985), a canção que me fez conhecer e passar a acompanhar os Tears for Fears; ‘Fight for Your Right’ (1987) dos Beastie Boys, pelo videoclipe que me fazia rir em criança e ‘Suburbia’ (1986), apenas um exemplo das muitas músicas dos Pet Shop Boys (o duo mais bem-sucedido da história da música britânica) que marcavam habitualmente presença nos programas de telediscos.

Por último, uma palavra para a música portuguesa dos anos 80. Já por aqui admiti que sempre me atraiu mais a música cantada em inglês, também por influência do que ouviam os meus irmãos, mas isso não invalida que tenha recordações fortes de bandas e artistas que gosto e respeito. Menções honrosas para os Táxi, Heróis do Mar, UHF, Xutos & Pontapés e GNR. No que diz respeito a artistas em nome individual, destaco Rui Veloso, Carlos Paião, José Cid e até Rão Kyao, o virtuoso da flauta de quem tínhamos uma cassete oferecida em casa.

Videojogos

Os videojogos (ou jogos de computador, como eram mais conhecidos) começaram por ser uma curiosidade. A década de 80 representou o aparecimento em massa das máquinas arcade e tudo o que eram salões de jogos tinham várias e com diferentes jogos por onde escolher. No início da década, por ser muito novo, ficava mais a ver os outros jogar mas o interesse começava a nascer. Havia uma série de jogos electrónicos portáteis, com pequenos ecrãs de cristais líquidos monocromáticos, que divertiam as crianças da minha idade. De alguns joguinhos que eu e os meus irmãos tiveram, recordo-me apenas do nome de um dos últimos — ‘Ninja Gaiden’ (1988), que haveria de se tornar uma franquia activa até aos dias de hoje. Tive a minha primeira consola já perto do final da década — uma Atlantis, marca portuguesa de electrónica que também era conhecida pelas suas antenas parabólicas. A consola era uma espécie de clone da Atari 2600, trazia 127 jogos incorporados, a maior parte deles muito básicos, sem nome, e com sprites muito rudimentares. Foi já na década seguinte que recebi o computador que recordo com mais carinho até hoje: um ZX Spectrum +2B. A popularidade da máquina da Sinclair Research já estava na sua curva descendente mas foi um marco dos anos 80 e ainda chegou bem a tempo de me marcar. Os meus primos também compraram nessa altura e vários amigos e colegas de escola já tinham algum modelo, fosse de 48 ou 128KB.

Os clássicos salões de jogos continham, para além de mesas de snooker, alvos de dardos ou máquinas de flíper (também conhecidas por pinball), várias cabines de arcade. Estas, com o icónico “Insert Coin” a piscar na tela à espera que um jogador inserisse a sua moeda, eram um deleite para a vista de crianças e adolescentes. A popularidade das máquinas de arcade levou a que estas deixassem de ser um exclusivo dos salões de jogos, encontrando-se até no interior de cafés e pequenos bares. A que recordo ter visto mais vezes sem nunca ter jogado é a de ‘Pinball Action’ (1985), tal como o nome indica, um jogo de pinball mas jogado numa máquina arcade, com a face de uma figura feminina no centro. De resto, referência para outros títulos clássicos que era habitual ver, como ‘Pac-Man’ (1980), ‘Bubble Bobble’ (1986) ou ‘Arkanoid’ (1986), para além dos que efectivamente joguei, como ‘Double Dragon’ (1987), ‘Altered Beast’ (1988) ou todos os outros que fui referindo ao longo da rubrica.

Não consigo precisar quantos jogos de Spectrum tinha ao todo entre originais, cópias ou simplesmente gravações. A possibilidade de gravar o estado de um jogo era uma funcionalidade que apreciava muito e estava disponível principalmente nos jogos de estratégia de futebol, pois permitia retomar a temporada tal como a tinha deixado. Desde o primeiro da colecção — ‘Football Manager 2’ (1988) a ‘Super League’ (1989), passando por ‘Professional Soccer’ (1989), provavelmente o que joguei mais épocas, foram muitas horas passadas na pele de treinador de futebol de 8 bits. Dentro de campo, recordo ‘Emilio Butragueño Fútbol’ (1988), ‘Emlyn Hughes International Soccer’ (1989) ou o clássico ‘Match Day’ (1984), um jogo agora visto com uma falta de qualidade atroz mas que compensava com a hilariante cena e música de entrada em campo.

Mais difícil do que contabilizar o número de jogos que eu tinha seria apurar a quantidade de jogos que havia disponível para o ZX Spectrum. Em fóruns dedicados ao tema há quem diga que sejam cerca de 12.000, dada a quantidade de jogos e programas obscuros que existem em vários países. Dos mais célebres que tenha jogado recordo ‘Chuckie Egg’ (1983), ‘Bomb Jack’ (1984), ‘Lode Runner’ (1984), ‘Renegade’ (1986), ‘Street Fighter’ (1987) ‘R-Type’ (1987) ou ‘Rampage’ (1987), que até deu origem a um filme recente do mesmo nome com Dwayne “The Rock” Johnson. De resto, fiz a recruta militar em ‘Combat School’ (1987), evadi-me de um campo de prisioneiros nazi em ‘The Great Escape’ (1986), fiz explodir um submarino nuclear em ‘Navy Moves’ (1988) e cometi todo o tipo de sacanices em ‘How to Be a Complete Bastard’ (1988), uma adaptação do livro homónimo de Adrian Edmondson. Tudo a partir de um Load “” Enter, o comando que servia de entrada aos jogos e que, por sinal, também está presente na parede da entrada do recém-inaugurado museu Load ZX Spectrum, situado em Cantanhede.

Ao fim de 28 edições, o 80’s Bits chega ao fim. Haveria material para continuar, como vimos neste derradeiro artigo, mas avistam-se novos desafios futuros deste passado. Um obrigado ao Bernardo Candeias pelo repto lançado em Setembro de 2018 e a todos os que acompanharam a rubrica durante estes 28 meses. O retorno que recebi foi francamente positivo e motivou-me a continuar, na esperança de que mais pessoas se tenham identificado, registado experiências ou pelo menos recordado alguns dos conteúdos cinematográficos, musicais ou referentes a videojogos que fui destacando. E agora, que “estradas” iremos percorrer? Como diria Emmett “Doc” Brown em ‘Regresso ao Futuro’, “para onde vamos, não precisamos de estradas”.