'A Diretora' — De Chorar Por Mais

Estreou a 20 de Agosto na Netflix a mais recente aventura televisiva de Sandra Oh, desta vez com produção executiva dos mentores de “A Guerra dos Tronos”, David Benioff e D.B. Weiss. A atriz de “Killing Eve” e “Anatomia de Grey”, também produtora executiva, brilha numa minissérie que infelizmente só tem 6 episódios — merecia muito mais!

Por estes dias, com algum conteúdo a roçar o excessivo em termos de quantidade nas plataformas de streaming — sem retorno significativo no campo da qualidade -, “A Diretora” foi uma surpresa para lá de positiva.

No final dos 6 episódios de meia hora cada, fica o desejo de que fossem mais longos ou que a minissérie não fosse mini, fazendo com que se destaque de muitas das séries televisivas atuais, sobretudo no que diz respeito ao catálogo da Netflix na área das comédias dramáticas.

A complexidade da trama e a construção dos personagens faz com que o pareça necessário alongar a duração para se desenvolver mais consistentemente o perfil da maioria deles — as histórias apenas os afloram, em muitos casos.

“A Diretora” aparenta pressa em provar que tem qualidade e lança todos os seus trunfos para dentro do seu misturador de cocktails no mínimo de tempo possível e, sendo certo que convence, saber parar para respirar tê-la-ia tornado irrepreensível.

Consegue não se perder na trama nem promiscuir a quantidade de temas que traz para discussão, num argumento forte, bem direcionado e que raras vezes soa a falso, escrito pela mão de três mulheres: Jennifer Kim, Amanda Peet e Annie Wyman.

Sandra Oh interpreta o papel de uma professora do departamento de Inglês da Universidade de Pembroke que chega a diretora, cargo ocupado por uma mulher pela primeira vez na História daquela faculdade. A cena inicial lança o mote tanto para o estado caótico do departamento como da própria vida da professora Ji-Yoon Kim.

Introduz ainda o mote para uma espécie de presente envenenado e para toda a discussão em torno do mérito das mulheres no acesso a cargos de topo, em primeiro plano, mas ao mesmo tempo da falta de diversidade real no plano académico, até mesmo numa faculdade provinciana.

Sem nunca deixar de ser entretenimento extremamente inteligente, dá-se ao luxo de jogar com as expectativas do espetador, forçando-o a admitir que, por momentos, julgou estar perante mais uma desilusão de lugares-comuns — a cena passada no consultório da psicóloga é a mais flagrante destes deliciosos delitos.

“A Diretora” é uma minissérie absolutamente atual que ainda se passeia pela importância das tecnologias na divulgação de atos social e eticamente reprováveis, mesmo que a intenção dos seus protagonistas não tenha sido a de passar, por exemplo, ideologia nazi na sala de aula.

O empolamento de certos episódios fortuitos força à reflexão de que aquilo que o mundo antigo/tradicional considera pouco exagerado é, na verdade, o que se encontra sob o justo e apertado escrutínio das novas gerações, mais diversas, inclusivas e exigentes nas ações.

“A Diretora” usufrui ainda de um elenco tão coeso quanto o argumento, de que se destacam Sandra Oh e Jay Duplass (o professor Bill Dobson), mas em que os atores secundários são tão bons como os principais — destaque para o brilhante papel da veterana Holland Taylor como Joan Hambling.

A direção de fotografia e a realização juntam-se ao conjunto de expressivos e competentíssimos atores para lhes conferir um ainda maior e mais plástico protagonismo.

Vivendo sobretudo de grandes planos, traz para o foco principal não só os temas já mencionados como quase que força o espetador a ser confrontado com as caras de pessoas com que normalmente possa nem sequer encarar — e a pelo menos considerar a sua existência.

O mundo misógino e machista da faculdade vai levando a melhor das mulheres que fazem parte da academia, que entretanto não desistem de tentar mudar o registo que persistentemente resiste à extinção.

Há aquela mão no ombro que ali descansa mais do que é devido e se torna incómoda, aquele professor dinossauro que não quer deixar o seu posto mesmo que já tenha chegado à fase de usar fraldas ou até o facto de alguns cargos serem meramente decorativos quando detidos por mulheres.

“A Diretora” é um deleite cómico na exploração inteligente do estertor que o mundo centrado no homem branco de meia idade demonstra quando já entram a galope os novos ventos que sopram de todas das mais diversas direções.

Envolta ainda numa banda-sonora certeira e de bom gosto, que inclui Vampire Weekend, Talking Heads, The Smiths ou Devo, “A Diretora” é um grande exemplo de que os formatos não se encontram esgotados quando são produzidos com a integridade e sabedoria necessárias a que se renovem.

Esta minissérie é o exemplo quase perfeito de que é possível falar sobre uma miríade quase infindável de temas diferentes sem que estes se atropelem, sem recorrer ao facilitismo, aos lugares-comuns ou aos personagens decalcados de um modelo esperado de sucesso.

“A Diretora” prova que uma “simples” comédia dramática não sai de moda se os ingredientes que a compõem forem de qualidade. Até o ponto menos positivo — a duração — demonstra o seu grau de qualidade porque é muito possível que o espetador só consiga parar depois de ver todo o conteúdo de uma só vez e, mesmo assim, queira ver muito mais.

Classificação: ★★★★