A Sátira Social de ‘God Exists, Her Name Is Petrunya’

★★★☆☆

O festival ‘Olhares do Mediterrâneo — Women’s Film Festival’ arranca já esta semana, com o novo filme de Teona Strugar Mitevska, ‘God Exists, Her Name Is Petrunya’, no dia 25, às 19h30, no Cinema São Jorge.

O novo filme de Teona Strugar Mitevska arranca com força e não procura fazer reféns. A primeira impressão é repentina, com uma abertura que revela uma mulher, Petrunya, parada no centro de uma enorme piscina vazia, e observamo-la de longe num plano aberto que, em travelling, se aproxima dela ao som de hardcore punk, caindo o título abruptamente e cortando para uma cerimónia religiosa.

‘God Exists, Her Name Is Petrunya’ inspira-se numa história real e conta um episódio polémico e epifânico na vida de Petrunya, uma mulher de 32 anos licenciada em história, mas desempregada pela maioria da sua vida, trabalhando apenas esporadicamente como empregada de mesa. Após uma péssima entrevista numa empresa de costura, durante a qual foi insultada e assediada por um insuportável patrão, cujo gabinete quadrado de paredes de vidro é rodeado por um conjunto interminável de mesas de costura, como se fosse um rei no trono a observar os seus súbditos, Petrunya sai desamparada, vagueando sem rumo pelas ruas geladas de Stip, uma pequena cidade na Macedónia.

Por entre a deambulação, Petrunya dá por si no meio de uma procissão religiosa em que um padre atira uma cruz de madeira a um rio, e o homem que a apanhar terá boa sorte prosperidade durante esse ano. Num ato de revolta, Petrunya mergulha na água gélida e apanha a cruz, gerando um escândalo local, por ser uma cerimónia na qual apenas homens podem participar.

Os seus atos criam conflitos na comunidade, com a polícia à sua procura e os homens a exigirem a cruz de volta, resultando em Petrunya a ser escoltada até à esquadra, onde, por princípio, se recusa a devolver a cruz que ganhou justamente.

Teona Mitevska, nesta longa metragem vencedora do grande Prémio Lux do Parlamento Europeu, apresenta uma Macedónia desigual, corrompida por injustiça económica e social, e coloca pesadas questões ao sistema governamental e à religião, desafiando as convenções sociais na temática da desigualdade de género, um dos temas mais proeminentes da sociedade atual, através de uma história local, mas de leitura universal.

O arco principal é estrelado pela estreante Zorica Nusheva, que carrega o filme às suas costas com uma performance de elevada intensidade dramática, e que é destacada por uma atípica fotografia de Virginie Saint Martin e direção de Mitevska, que em conjunto com a edição de Marie-Hélène Dozo, apresentam estranhos ângulos de câmara centrados em planos ‘fora de campo’, assim como planos fechados que tornam o filme ansioso e claustrofóbico, como se observássemos a ação através da mente de Petrunya.

A peculiar centralização da ação, apesar de criar a tal sensação claustrofóbica e deslocada, é compensada por Nusheva, que brilha nos momentos mais intensos do filme, com extensas cenas de respiração pesada e linguagem visual reveladora.

Narrativamente, o que o argumento de Elma Tataragic e Mitevska nos traz é essencialmente uma sátira social furiosa e desprovida de filtros. Temos Petrunya, uma mulher que se sente oprimida pela sociedade, por ser como é, e que vive uma relação conturbada com a sua mãe religiosa e altamente conservadora (o seu ressentimento faz-se notar numa cena em que se deita nua com a cruz de madeira pousada no seu peito); e por outro, temos Slavica, interpretada por Labina Mitevska — produtora do filme e irmã de Teona — uma jornalista de um canal de televisão local que faz a cobertura do acontecimento, e que corre de um lado para o outro com o seu operador de câmara a entrevistar todos os intervenientes na trama, incluindo a própria Petrunya, sendo aparentemente a única que a apoia. No entanto, a sua presença acaba por servir mais como ponte para Teona abordar todas as outras injustiças sociais da atualidade, mesmo as que em nada desenvolvem a narrativa.

Apesar das ações de Slavica em busca de justiça serem louváveis, e até certo ponto heroicas, nunca sentimos que realmente se importa com o destino de Petrunya, há uma recorrente desconexão entre o escândalo que tenta cobrir e o seu objetivo pessoal, o que impede que a jornada de ambas seja conjunta, e a jornalista acaba por perder empatia.

Isto traz-nos a um dos pontos menos positivos de ‘God Exists, Her Name Is Petrunya’. A presença de Slavica pouco influencia a evolução da personagem de Petrunya, que por sua vez, numa epifania, após 32 anos a rebaixar-se perante as injustiças do mundo, amadurece o suficiente para enfrentar com firmeza os complexos problemas à sua frente, mesmo após ser psicologicamente torturada por um padre e polícias que debatem qual a lei mais importante, a de Deus ou a dos Homens, e para agravar, é atacada por um grupo de skinheads raivosos.

A conclusão apressada do seu arco faz-nos questionar a solução que Teona Mitevska apresenta para as pertinentes questões que coloca, e acaba por desperdiçar o potencial da sua personagem principal.

‘God Exists, Her Name Is Petrunya’ é um filme satírico e poderoso, mas em parte anti climático, pelo que há muito mais em Petrunya do que os 100 minutos de rodagem que esta obra conta.