Análise a ‘Creed II’

A saga de pugilismo mais prolífera da história do cinema está de volta, centrada agora novamente no jovem Adonis Creed e no seu percurso de ascensão no mundo do boxe profissional. Sequela directa de ‘Creed’, de 2015, o filme segue a linha narrativa iniciada em 1976 com ‘Rocky’, obra que arrebatou o Oscar de melhor filme desse ano e que contava a história de Rocky Balboa, um lutador de boxe amador da classe operária de Filadélfia. Após ser desafiado pelo então campeão mundial de pesos-pesados Apollo Creed a discutir o título, a vida de Rocky alterar-se-ia para sempre e isso geraria cinco sequelas, com a última a realizar-se 30 anos depois do original e significando o fechar de um ciclo. Isso não significaria um adeus à personagem, pois o realizador Ryan Coogler resgatou-a para o seu filme de 2015 e agora foi a vez de Steven Caple Jr. tomar as rédeas ao “garanhão italiano”, treinador do jovem aspirante Creed.

Três anos após a derrota aos pontos contra o anterior campeão do mundo de pesos-pesados, Adonis Johnson Creed (Michael B. Jordan) segue mais reforçado do que nunca na sua trajectória rumo ao título, conseguindo uma série de vitórias, ao mesmo tempo que enfrenta toda a desconfiança que acompanha a sombra do seu pai, Apollo Creed, falecido antes do seu nascimento. Ao seu lado está Rocky Balboa (Sylvester Stallone), uma lenda viva da modalidade que funciona como seu treinador e figura paternal. A próxima luta promete reavivar demónios do passado tanto para Creed como Balboa, quando o russo Ivan Drago (Dolph Lundgren), o homem que matou o pai de Adonis em pleno ringue, reaparece em Filadélfia para desafiar o protegido de Rocky a lutar pelo título com o seu filho, o imponente Viktor Drago (Florian Munteanu).

Não é imprescindível ter visto o anterior filme ou mesmo qualquer outro filme da saga ‘Rocky’ para seguir este ‘Creed II’ mas a quantidade de referências a situações narrativas do passado é simplesmente avassaladora. Apesar da existência de diversos flashbacks (recurso desde sempre usado e abusado na saga) que poderão ajudar a situar o espectador, a mitologia das personagens de Rocky, Apollo e, de certa forma também, de Ivan Drago são tão fortes e presentes que as próprias histórias e caminhos trilhados por Adonis Creed e Viktor Drago perdem força. Coogler conseguiu, habilmente, centrar o interesse e o foco da prequela no jovem Creed, integrando a personagem icónica de Balboa nas doses certas e fazendo-nos sentir que estávamos a ver um filme do “universo Rocky” mas, ao mesmo tempo, guiado por um diferente mas igualmente interessante protagonista. De certa forma, o realizador do muito elogiado ‘Black Panther’ contou uma velha história de uma nova e até surpreendente maneira. Com este filme do relativamente inexperiente Steven Caple Jr. não evitamos a sensação de fórmulas gastas do passado, falta de identidade própria e até sentimos que é nas cenas com Rocky que o filme verdadeiramente avança e ficamos muitas vezes mais na expectativa entre um confronto (nem que seja verbal) entre Balboa e Drago sénior do que entre os jovens que estão prestes a entrar no ringue. A cena do reencontro entre os dois velhos lutadores é óptima mas peca por ser curta e por alguma desinspiração ao nível dos diálogos.

Stallone e Juel Taylor escreveram o argumento a partir de uma história de Cheo Hodari Coker e Sascha Penn e o resultado é algo decepcionante. A estrutura é toda ela demasiado previsível e a escrita a quatro reflecte uma mixórdia de ideias que nem sempre resultam. Parece até que uma parte escreveu cenas e diálogos relacionados com os mais velhos e outra com o desenvolvimento das personagens mais jovens. Há também cenas dramáticas que funcionam muito bem e outras repletas de lamechices algo forçadas. Esta situação também faz que sintamos a duração do filme e duas horas e 10 minutos parecem excessivos. Entre os inevitáveis combates principais presentes há um espaço de 45 minutos nem sempre bem explorado e aproveitado pelo argumento e a ausência de surpresas coloca tudo nas mãos dos actores como suporte dramático do filme.

Um dos pontos fortes do filme é claramente a qualidade do seu elenco e as prestações dos actores na pele das personagens mais relevantes. Michael B. Jordan, por estes dias um actor muito requisitado, tem uma excelente prestação como Adonis Creed, equilibrando bem a fisicalidade do seu personagem com os dramas emocionais internos. Stallone continua a honrar bem a sua personagem mais querida e tem algumas das melhores cenas em todo o filme. Tessa Thompson brilha como Bianca, a corajosa companheira de Adonis e suporte emocional do pugilista. É indesmentível a química entre a sua personagem e a de Jordan. Quanto aos vilões, Dolph Lundren regressa à saga com o seu mítico Ivan Drago e uma intrigante história de vida desde a última vez que o vimos no ecrã. Ficamos a saber que, após a derrota em plena cidade de Moscovo para Balboa em ‘Rocky IV’, Drago caiu em desgraça e perdeu tudo. Lundgren apresenta-nos um vilão humanizado e por quem é possível sentir alguma compaixão. Quanto ao Drago júnior, protagonizado por Florian Munteanu, pode-se dizer que é forte em aparência mas fraco em desenvolvimento de personagem, o que é de lamentar face ao potencial em causa.

Tecnicamente há a destacar o trabalho de coreografia presente nos combates e os bons ângulos e perspectivas que a câmara de Caple Jr. oferece. As montagens de treino estão criativas e a direcção musical de Ludwig Göransson, que teve um grande ano com ‘Venom’ e ‘Black Panther’, é notável ao misturar a batida contemporânea de hip-hop com o tema clássico de Bill Conti, ‘Gonna Fly Now’, mais conhecido como o hino de Rocky.

‘Creed II’ cumpre os seus propósitos de entretenimento mas acabaria por funcionar melhor como filme único ou como apenas sequela de ‘Creed’ se não invocasse de forma exagerada toda a saga iniciada em ‘Rocky’. O paralelismo com os filmes mais antigos, especialmente ‘Rocky IV’, é de tal forma acentuado que torna esta obra pouco relevante e de acontecimentos previsíveis. Steven Caple Jr., até aqui com carreira feita na área das curtas-metragens e apenas com um filme no seu currículo, correu um risco tremendo ao trazer o nome Drago de volta à saga. A premissa era intrigante, reconheçamos, mas o resultado fica muito aquém das expectativas, aliciando o espectador com uma história de fundo interessante e humanizando os Drago mas, ao mesmo tempo, retirando-lhes tempo de ecrã, diálogos e identidade em favor de uma estrutura narrativa gasta, preguiçosa e sem qualquer golpe de asa. Como um pugilista a quem se pudesse sempre antecipar o próximo soco.