Análise a ‘Kursk’

Baseado na obra ‘A Time to Die’ de Robert Moore, por sua vez fundamentada em factos verídicos, ‘Kursk’ é o mais recente trabalho do dinamarquês Thomas Vinterberg. Conhecido como um dos criadores, juntamente com o seu compatriota Lars von Trier, do movimento cinematográfico ‘Dogma 95’, Vinterberg tem sabido construir uma interessante carreira, cujo ponto alto terá sido, até agora, o muito elogiado ‘The Hunt — A Caça’, de 2012.

O filme coloca-nos em Agosto de 2000 e acompanha a partida de um grupo de marinheiros russos, liderados pelo capitão-tenente Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts), a bordo do K-141 Kursk, um submarino nuclear topo de gama desenhado e aprovado ainda no tempo da União Soviética e concluído já após o colapso desta. Durante um exercício naval no mar de Barents, no Árctico, uma série de explosões internas afunda o submarino e, ao mesmo tempo que os tripulantes lutam pela sua sobrevivência, as suas famílias desesperadamente batalham obstáculos políticos, neglicência governamental e probabilidades impossíveis para os salvarem.

O Kursk, que herdou o seu nome de uma localidade onde ocorreu uma importante batalha e vitória militar dos soviéticos face à Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial, era visto como um orgulho nacional. Considerado o maior submarino de ataque já construído e tido como indestrutível pelos marinheiros russos devido ao seu tamanho e recursos tecnológicos, o seu colapso deixou uma nação petrificada. Vladimir Putin, recém-empossado presidente na altura, tardou a reagir e até manteve-se de férias. A ajuda internacional foi prontamente disponibilizada mas somente autorizada pelos russos após as suas próprias tentativas de resgate falharem. Tudo isto foram factos verídicos mas Luc Besson, o produtor, terá optado por focar a trama nos esforços da missão de resgate ao invés de uma crítica política mais acutilante. O argumento original teria mesmo previstas várias cenas com a presença da personagem de Putin, que enfrentou a sua primeira crise presidencial face aos acontecimentos reais, mas estas acabaram cortadas. Ainda assim, tal decisão não impediu o Kremlin de rejeitar as intenções da produção franco-belga de filmar em território russo. O facto de praticamente todos os intervenientes serem russos mas falarem inglês, interpretados por actores europeus de várias nacionalidades, causa alguma estranheza inicial mas acaba por não afectar muito o filme nesse sentido.

O argumento de Robert Rodat não difere muito da obra assaz jornalística de Moore e é compreensível que assim o seja. Afinal, o desastre do Kursk não aconteceu assim há tanto tempo e ainda está, de certo modo, fresco na memória de todos os que acompanharam as muitas notícias sobre o acontecimento real. Não há como fugir ao que sucedeu no final mas o realizador também não nos consegue surpreender ou emocionar verdadeiramente. Acaba-se por sentir um certo desequilíbrio entre cenas, algumas meramente supérfluas e sempre alternando entre o ocasional bem-sucedido sentimento de claustrofobia, frio intenso e desespero na pele dos marinheiros e a desesperante luta dos familiares em obter notícias sobre os seus entes queridos. Apesar de existir uma certa tradição de filmes de acção militar com submarinos, destacando-se ‘A Odisseia do Submarino 96’, ‘Caça ao Outubro Vermelho’ ou ‘K-19’, este filme afasta-se dessa fórmula, focando-se no drama humano das personagens dentro e fora do Kursk mas ao que falta densidade emocional e um rasgo narrativo para agarrar a atenção do espectador ao longo das quase duas horas de filme. Destaque para o bom trabalho dos “oscarizados” Anthony Dod Mantle (fotografia) e Alexandre Desplat (música) que habilmente transmitem o visual e tom adequados às cenas.

A francesa Léa Seydoux, actriz talentosa e uma das Bond girls em ‘Spectre’, tem uma bela prestação como Tanya Averina, esposa grávida de Mikhail e interventiva representante dos familiares dos marinheiros. Colin Firth interpreta o comodoro da marinha britânica David Russell, uma personagem real mas com escassos minutos de ecrã. O belga Schoenaerts mantém a tripulação coesa até ao fim com o seu líder credível. Referência ainda para a presença do “eterno” Max von Sydow, prestes a completar 90 anos, como Vladimir Petrenko, a face mais visível do regime russo, face à ausência de cenas com Putin.

‘Kursk’ funciona como uma interessante reflexão sobre como um exacerbado orgulho político e medo de humilhação militar pode sobrepor-se ao valor de comuns vidas humanas ao colocá-las em risco. Apesar da presença de algumas liberdades criativas, Thomas Vinterberg conduz o filme de forma competente, valorizando o rigor histórico mas também abdicando quase totalmente da noção de entretenimento, resultando num filme com um ritmo lento, duro e que nos deixa à espera, desesperadamente.