Análise a ‘Mortal Kombat’ (Filme 2021)

Uma das mais famosas sagas de videojogos de luta está de volta ao grande ecrã e desta vez trazendo a violência gráfica das “fatalidades” que sempre caracterizou ‘Mortal Kombat’ e todas as suas inúmeras sequelas.

O lutador de artes marciais mistas Cole Young, que combate habitualmente por dinheiro, não tem ideia da sua herança ou porque é que o emperador Shang Tsung enviou o seu melhor guerreiro, Sub-Zero, para o eliminar. Ao temer pela segurança da sua família, Cole vai à procura de Sonya Blade após a indicação de Jax, um major das Forças Especiais que tem a mesma estranha marca de dragão com que Cole nasceu. Rapidamente chega ao templo do Lord Raiden, um deus ancião e o protetor do reino da Terra, que acolhe todos aqueles que ostentam essa marca. Aqui, Cole treina com os guerreiros experientes Liu Kang, Kung Lao e o mercenário Kano, enquanto se prepara para enfrentar, juntamente com os maiores lutadores da Terra, os inimigos de Outworld, um reino oculto, numa batalha de alto risco para o Universo. Cole será pressionado para desbloquear a sua arcana — o imenso poder ancestral que existe dentro da sua alma — de modo a poder salvar não só a sua família mas interromper os planos malignos e expansionistas de Shang Tsung.

As adaptações de videojogos ao cinema são cada vez mais comuns e difíceis de concretizar com resultados satisfatórios, ainda mais quando o material original é um jogo de luta em que o enredo é um mero pretexto para vermos personagens à pancada entre elas. Depois de um primeiro filme (‘Combate Mortal’, de 1995) que teve uma recepção “morna” mas ainda assim facturou satisfatoriamente nas bilheteiras, a sua sofrível sequela (‘Combate Mortal 2: Aniquilação’) lançada dois anos depois, fez jus ao seu subtítulo e aniquilou os planos de regresso da franquia aos cinemas por mais de duas décadas. Entretanto a marca do dragão continuou viva pela via de filmes de animação, séries em imagem real e animadas, banda desenhada e, obviamente, através do contínuo lançamento de novas versões de videojogos da saga, conseguindo mesmo um claro ascendente face à sua velha franquia rival ‘Street Fighter’.

Quando a Warner Bros. Pictures adquiriu a maioria dos activos da Midway Games (até então, detentora dos direitos de Mortal Kombat), os planos para a produção de um terceiro filme intensificaram-se. James Wan foi contratado como produtor e o novato Simon McQuoid como realizador de forma a recomeçar a saga, ignorando por completo os eventos dos dois filmes anteriores. A filosofia seguida passou por prestar serviço aos adeptos da série de videojogos ao tratar este novo filme como um jogo de Mortal Kombat, ou seja, considerando o argumento e o desenvolvimento das personagens como secundário e priorizando o que a maioria dos fãs mais apreciam na saga — os próprios combates e as suas inventivas e altamente sangrentas fatalidades.

O filme começa com uma espécie de prólogo, situado no Japão do século XVII, e em que é explorado o antagonismo entre Hanzo Hasashi (do clã local Shirai Ryu) e Bi-Han (do clã chinês Lin Kuei), mais conhecidos como Scorpion e Sub-Zero. A notável sequência, temperada com doses perfeitas de drama e acção, chega a dar ao mais comum dos espectadores a esperança de que a abordagem de McQuoid à franquia será inovadora e diferente do esperado mas quando regressamos ao presente todas essas ideias se começam a esbater. Gradualmente começam-se a identificar uma série de clichês próprios da saga ou que já vimos em dezenas de filmes do género como a noção de um “escolhido”, de profecias e deuses ancestrais, de diferentes mundos em colisão ou de vilões sobrenaturais a chegarem à Terra para a conquistar. É certo que Mortal Kombat enquanto videojogo sempre teve uma história e mitologia complicada e seria sempre difícil traduzir isso para um filme mas a simplificação quase absurda do enredo em que bastará eliminar meia dúzia de guerreiros da Terra para poder reclamar o nosso planeta fará revirar alguns olhos e não apelará a muita gente não identificada com a franquia.

O anglo-chinês Lewis Tan interpreta Cole Young, um personagem inédito nos videojogos e no qual se centra o protagonismo do filme após o referido prólogo. Tan esforça-se por agarrar o espectador e identificar-nos com a sua situação mas nem sempre é bem-sucedido, tanto pela sua interpretação como pelas linhas de diálogo pouco interessantes que lhe são atribuídas. O pobre argumento redigido por Greg Russo e Dave Callaham, a partir de uma história escrita pelo próprio Russo e por Oren Uziel, acaba por banalizar praticamente todas as personagens, que carecem de desenvolvimento, bons diálogos e que muitas delas (especialmente os vilões) aparecem só para lutar. Destaque ainda assim para a prestação do conceituado actor japonês Hiroyuki Sanada na pele de Hasashi/Scorpion e para o australiano Josh Lawson no papel de Kano, que funciona no filme como o “alívio cómico”, disparando em todas as direcções até ao ponto em que as suas piadas deixam de funcionar tão bem.

Identificados alguns dos principais problemas, é justo ressalvar as principais valências de ‘Mortal Kombat’. As lutas estão superiormente coreografadas, a acção entusiasma e o culminar da maioria dos combates tem resultados brutalmente sangrentos. Até se pode dizer que há uma certa apologia da violência mas tendo em conta que se trata de uma série de videojogos que desde 1992 é polémica e conhecida pela forma como o combate acaba para o vencido, é naturalque essa brutalidade acompanhasse o título para o grande ecrã. Ao contrário dos filmes anteriores, em que a violência era atenuada por forma a respeitar a classificação etária e permitir a visualização a crianças, desta vez o reboot recebeu o nível ‘R’ (aqui em Portugal considerado uma espécie de “maiores de 16”) e as “fatalidades” dos videojogos são bastante gráficas. Goste-se ou não, faz parte da identidade da franquia e é o respeito pelo material de origem que muitos fãs sempre pediram. Destaque ainda para o guarda-roupa fiel ao aspecto das personagens (especialmente tendo em conta as versões mais recentes dos videojogos) e para a composição musical de Benjamin Wallfisch, que se adapta bem aos diferentes momentos do filme, incluindo a versão actualizada do famoso tema techno principal do filme original de 1995.

Simon McQuoid assina o seu primeiro trabalho como realizador e, apesar dos alicerces frágeis, consegue nota positiva no sentido de que entrega um filme de acção e fantasia com valor de entretenimento. McQuoid vem da área da publicidade e a sua primeira vitória foi o burburinho que conseguiu gerar com o lançamento do primeiro trailer, que foi um dos mais vistos na sua primeira semana de exibição no YouTube e entusiasmou fãs da saga e não só. O produto final não deverá desapontar quem conhece por dentro a franquia ou jogou algum dos seus jogos, ao tentar ser fiel ao mesmos e espalhar algumas referências, mas não agradará tanto a cinéfilos mais exigentes pelas suas falhas, desde a pobreza de argumento, problemas de ritmo e edição estranha, com muitos cortes e planos fechados. Ainda assim, ‘Mortal Kombat’ entretém e representa uma pequena vitória para o que se propôs, apesar de muito longe de uma flawless victory