Análise a SOUL (Disney+) ★★★★★

Joe, um professor de música, desejoso de se tornar famoso no mundo do jazz, tem a oportunidade da sua vida, mas inesperadamente, fica entre a vida e a morte…conseguirá ele sobreviver e viver a vida que sempre quis?

Sobre o filme:
Disponível na Disney+, é um filme de animação com 1:30h de duração, indicado para todas as idades.
É um filme feito pela Disney e Pixar…posto isto os espectadores podem esperar algo ao mesmo nível de UP, INSIDE OUT, COCO e MONSTERS INC.
É um filme com uma abordagem mais racional e não tão emocional, que é o que acontece em COCO em que não há como não chorar com a carga de emoções que nos é despejada para cima.
Temos aqui uma tentativa de resposta a questões existenciais que a maioria dos adultos tem, tudo feito de uma maneira mais leve e animada…para quem conhece o trabalho da Pixar, percebe que esta, nos últimos anos tem tentado responder a questões mais profundas…talvez para tentar também agradar aos pais que têm que acompanhar as crianças ao cinema, talvez para ter mais audiência, talvez por estar farta de temas mais “infantis”…quem sabe…pode ser tudo ao mesmo tempo.
Por termos uma personagem que está perante questões que todos temos, conseguimos identificar-nos mais facilmente com ela e, um simples filme sobre a aventura dessa personagem, acaba por nos fazer perceber algo sobre nós mesmos…filmes deste tipo vindos da Pixar acabam sempre por ter um lado mais educacional por assim dizer.
É um filme divertido e com humor escondido que provavelmente só os adultos vão perceber…vai entreter os mais pequenos e fazer os adultos pensar…e quem sabe talvez até chorar.

Análise Narrativa:
Tem uma narrativa simples com alguns flashbacks, não tem linhas de tempo paralelas ou algo do género…coisa que é normal tendo em conta que é um filme para todas as idades.
É um filme com uma presença enorme do Jazz. Como sabemos Jazz é feito de improvisos, de viver o momento…é uma espécie de analogia á postura que devemos ter perante a vida e é isso mesmo que o filme tenta transmitir.
Temos uma visão mais espiritual neste filme…com instrumentos terapêuticos, meditação e chakras…coisas que estão ligadas ao espírito e alma…coisa que faz totalmente sentido tendo em conta que é um filme que fala sobre almas, personalidades, espírito…basicamente todo o interior não visível e que nos torna únicos.
(SPOILER ALERT — Para quem não quer spoilers continue a ler depois da imagem)
Às vezes, ao tentar ser cómico, o filme acaba por ser um pouco previsível (ex: a troca de corpos entre Joe e 22). Neste filme temos questões como “qual é o nosso propósito na vida”, “onde nos devemos focar” e “quando é que uma paixão/talento se torna numa obsessão”. É um filme que nos dá uma realidade mais pura e crua do ser humano e do mundo á sua volta…por exemplo na parte em que os Jerrys estão a definir as personalidades de cada alma e se questionam se ter tantas almas “egocêntricas” será boa ideia. Neste filme é nos apresentado os opostos, a junção dos mesmos no mesmo cenário para nos fazer pensar e consequentemente fazer entender que devemos ficar no meio termo. Esta é uma boa estratégia…para além da pessoa não se sentir forçada a pensar de maneira X só porque lhe disseram, o espectador acaba por tirar as suas próprias conclusões e sentir um pouco que tomou uma decisão por ele mesmo…é uma boa maneira de conseguirmos levar uma pessoa a entender uma certa mensagem sem ter que a dizer diretamente…e este filme é fantástico nisso. O final é um pouco aberto…sabemos que Joe está vivo mas não nos é dada mais nenhuma informação…mais uma vez é deixado em aberto para que o espectador tire as suas conclusões…novamente esta estratégia é boa tanto para o espectador como para a empresa que cria o filme…tanto porque desta maneira o filme será “acabado” na cabeça do espectador, como dá a possibilidade à empresa de criar uma sequela.

Análise á Banda Sonora, Música e Imagem:
Filme em 3d com uma pequena parte em 2D (preto e branco). Tem um brilho específico que faz lembrar INSIDE OUT, tem variadas temperaturas de cor (temos tanto uma cor mais quente como uma cor mais fria, como uma cor mais “morta” para os tons de verde), recorre a diferentes tipos de luzes (temos em especial luzes artificiais, holofotes, candeeiros…uma lista enorme de luzes que ajudam a tornar a noite mais luminosa porque este filme tem cenários muito escuros uma luz bastante fraca em intensidade…no entanto dá-nos uma sensação de aconchego e conforto)…temos um contraste enorme entre a luminosidade do mundo real e o outro mundo onde estão os Jerrys, sendo este último superluminoso. Temos uma imagem sem tentativa de obter “perfeição visual”…temos uma visão crua do ambiente que rodeia a personagem…por exemplo paredes com riscos ou com falhas de tinta…há uma atenção enorme aos detalhes das texturas e reflexos de luz…algo que se pode comparar a COCO.
A nível sonoro está bem misturado e com boas panorâmicas. É um filme muito musical e a nível de banda sonora temos músicas mais minimalistas e progressivas…o resto é muito dedicado ao Jazz.
Na abertura do filme, ouvimos a música de uma maneira diferente e até nos questionamos se está tudo bem com o som…e sim está…temos aqui uma tentativa de interligar visualmente/graficamente todas as partes do filme…depois percebemos que eram os alunos de Joe que nos estavam a providenciar com tamanha interpretação dissonante e até achamos piada.
Algo que neste filme acontece é haver quase uma pequena introdução por assim dizer…quase como nas séries televisivas em que temos uma pequena pausa na história para nos darem a música de abertura e mais algumas informações sobre a companhia que criou o que estamos a ver.
Nos créditos finais temos as informações mais importantes e iniciais a aparecerem nos ábacos de Terry com as letras em cada bola…novamente uma tentativa de interligar visualmente estas duas partes do filme. Depois dos créditos propriamente ditos temos o Terry a mandar-nos embora porque o filme acabou…de certa forma é algo engraçado, mas que também pode ser visto de uma maneira mais profunda…uma espécie de analogia ao foco…avisando que o filme acabou e devemos seguir com a nossa vida e focarmo-nos no que é importante.

Personagens:
Não é um filme que tenha muitas personagens, mas também não precisa…a narrativa é focada em Joe e 22. A maneira como as personagens são expressivas, a nível de imagem e voz é surpreendente, conseguimos mesmo ouvir as pequenas nuances na voz e ver as micro expressões…mas isto já é algo que estamos habituados a ver quando a Disney e a Pixar se juntam. Em 1:30h torna-se difícil de conseguir fazer uma caracterização psicológica completa das personagens…especialmente quando vemos a personalidade da personagem a mudar com o decorrer do filme…no entanto conseguimos ter uma ideia geral de como são e do que são capazes.

Joe:
É a nossa personagem principal…é um professor que quer desesperadamente ser um músico de Jazz famoso ou pelo menos reconhecido…é ele que nos mostra o que acontece quando o talento/paixão por algo se torna uma obsessão. Persistente e trabalhador, desejoso para viver, o oposto de 22.

22:
Pessimista com um sentido de humor negro, no entanto engraçada e prática…é a personagem que acaba por ser mais educativa…tanto para nós como para Joe. Sempre a tentar evitar viver porque não consegue encontrar a alegria/interesse nisso. Vai mostrar-nos o que é realmente um propósito de vida e ao mesmo tempo vai ser como a pequena voz na nossa cabeça quando duvidamos de nós mesmos…esta é uma personagem com muitos medos, inseguranças e baixa autoestima.

As questões que levanta:
(Para quem quer tirar as suas próprias conclusões ignore esta parte visto que irá tirar a piada toda ao filme porque irei falar da mensagem que o filme quer transmitir…passem para “Opinião Final”)
Sendo este um filme muito intelectual em vez de emocional…traz muito em que pensar…podemos mesmo filosofar sobre o filme se assim o quisermos porque as questões que levanta são universais e intemporais. Como já foi dito as questões que levanta são: “qual é o nosso propósito na vida”, “onde nos devemos focar” e “quando é que uma paixão/talento se torna numa obsessão”.
Durante todo o filme vemos as nossas personagens a tentarem encontrar a sua “spark”. Joe pensa que “spark” é o propósito de vida de uma pessoa…e até uma certa altura o espectador acredita que é essa a ideia que estão a tentar transmitir…até que percebemos que “spark” é apenas o que nos faz querer viver, o que nos trás alegria na nossa vida.
Joe pensa que a música é a sua “spark” e fica obcecado com isso, pensando que, se não conseguir ser um músico conhecido terá uma vida falhada. Joe podia ter-se tornado uma “lost soul”, uma alma presa á obsessão…neste filme mostram-nos metaforicamente de uma maneira gráfica como é estar nesse estado…e todos sabemos que “tudo o que é demais faz mal”…no caso dos artistas esta obsessão é algo muito perigoso porque um “bom artista” tem que quase ser obcecado para conseguir chegar onde quer…não é de admirar que muitos tenham variados distúrbios psicológicos.
Se pensarmos nos Jerrys e no Terry…vemos que há uma enorme diferença…conseguimos sentir a obsessão de Terry pelos números e contas.
No final do filme conseguimos perceber que muitas vezes estamos tão focados no nosso objetivo, que sacrificamos demasiadas coisas…e quando o atingimos parece que não temos o sentimento que esperávamos…de certa forma isto acontece porque o sacrifício não é equivalente á recompensa…a raça humana sente uma necessidade de ter desafios constantes na vida…uma estrada com curvas sempre foi mais entusiasmante do que uma estrada em linha reta não é assim?…e é um pouco esta a ideia que nos tentam transmitir…que a melhor maneira de apreciar o destino é apreciar a viagem…porque quando chegarmos ao destino vamos querer partir para novos destinos, ou quem sabe, talvez até mudar o destino que tínhamos em mente…esta incessante procura e tentativa de alcançar algo é o que move o ser humano…as pessoas que ficam presas a um único destino, que vejam tudo em linha reta, vão perder o jogo de cintura para contornar as curvas que a vida nos traz e ultimamente aprecia-las.

Opinião final:
Para quem gosta de filmes da Pixar vai com certeza adorar este, mesmo sendo este um filme mais racional. Levanta questões que a maior parte de nós tem a uma certa altura da vida. Será um bom filme para se ver sozinho ou com amigos ou até com a família. Acaba por ser um filme que inclui de certa forma um “abre olhos” e pode não ser ao gosto de todos os espectadores. Dá muito que pensar, especialmente agora nestes tempos de pandemia em que uma pessoa se questiona sobre tudo. Para quem gosta de psicologia, filosofia…ou simplesmente para quem gosta de se questionar sobre assuntos mais “humanos” este poderá ser um dos filmes a ir para a lista “os meus filmes favoritos”.