O mais recente filme de Matt Reeves traz-nos um novo e fresco olhar cinematográfico a um dos heróis mais populares da DC Comics, ou mesmo da banda desenhada em geral.
Por esta altura, já está intrínseco na cultura popular o passado trágico de Bruce Wayne, a morte dos seus pais, o legado da sua família, e, de modo geral, as motivações que o levam a ser o herói inspirador que se tornou. Reeves está ciente disso, rebobinando esses acontecimentos-chave para dois anos após Bruce Wayne se tornar — The Batman.
‘O medo é uma ferramenta’ — arranca a voz de Robert Pattinson numa apresentação negra e noir de Gotham City, relembrando imediatamente a trilogia de Christopher Nolan, com o símbolo do ‘Bat’ a iluminar a noite densa da cidade, para pânico de qualquer criminoso que se atreva a perturbar as ruas de Gotham.
A sua presença e aura são largamente intimidantes, os passos nas botas com sola de ferro, o fato preto e pesado, o silêncio e olhar penetrantes, as pancadas furiosas sem dó nem piedade em gangsters e criminosos, e o seu mote de ‘vingança’, tornam o Batman de Robert Pattinson no mais assustador até à data. A sua primeira aparição, crua e visceral, dá um estrondoso pontapé de partida neste thriller policial que merecia um rating ‘R’, mas uma vez mais, Matt Reeves conseguiu fazer o melhor aproveitamento das limitações ao conteúdo maduro imposto pelo estúdio.
Por esta altura, após fazer o mesmo com a mais recente saga de ‘Planet Of The Apes’, Reeves é já um especialista em realizar ‘na berma’ dos limites, o que permitiu a The Batman ser um filme surpreendentemente assustador, não num sentido de jump scare, embora nos traga alguns, mas sim numa vertente mais psicológica que nos relembra os ‘Sete Pecados Mortais’, fazendo-se notar ainda influências de ‘Zodiac’, ‘The Dark Knight’, e mesmo o ‘Joker’ de Todd Phillips.
É uma história policial muito concentrada, que equilibra na perfeição o espectro da gigante cidade de Gotham e a sua constituição político-social, e um retrato do Batman detalhado que mostra o quanto perspicaz e inteligente o mesmo é, ainda que amaldiçoado pelo seu passado.
The Batman, em colaboração com James Gordon (Jeffrey Wright), participa numa complicada investigação policial, quando um criminoso conhecido como ‘The Riddler’, interpretado por Paul Dano, começa a assassinar pessoas importantes em Gotham, deixando pistas que eventualmente culminarão em algo grande e, presumidamente, trágico.
Matt Reeves, que coescreveu o argumento com Peter Craig, realizou este filme com uma mestria incrível, concentrando-se em grandes planos que enclausuram o mundo das personagens, mas que não apagam o ambiente grandioso, sujo e deprimente de Gotham City, liderado e suportado por um elenco tremendo, que se destaca em todas as performances, de uma ponta a outra, começando por Robert Pattinson, a grande ‘incógnita’ de The Batman, pelo menos para quem não conhece os seus mais recentes trabalhos.
Robert Pattinson, que já provou inúmeras vezes o seu valor e versatilidade como ator, principalmente em filmes como ‘Good Time’, ‘The Lost City Of Z’, e ‘The Lighthouse’, é excelente como Bruce Wayne, desde a forma como se carrega, a postura corporal, o olhar manifestante de dor, e toda a expressão facial que revela muito sem ser necessário dizer nada. Pattinson acerta em todos esses pontos essenciais neste Bruce Wayne que se esconde por baixo da máscara do Batman, tornando-se uma presa dos seus próprios demónios, e questionando-se sobre o que fazer para salvar Gotham City de si própria, se é que merece ser salva.
O elenco secundário que alarga o Universo de Gotham inclui ainda Selina Kyle, conhecida por Catwoman e interpretada por Zoe Kravitz, cujo arco se mistura na principal trama, assim como a disputa de personalidades entre a mesma e o Batman oferece uma dinâmica interessante entre ambos; Andy Serkis como Alfred, o mentor e mordomo de Bruce Wayne; e Colin Farrell como ‘Penguin’, um vilão desfigurado e extrovertido, cuja prostética aplicada em Farrell e a performance do mesmo tornam-no praticamente irreconhecível. Ainda, Paul Dano faz um trabalho impressionante na pele do antagonista ‘The Riddler’, um vilão psicótico que difere muito da versão de Jim Carrey em ‘Batman Forever’.
The Batman é um filme tecnicamente impecável. O contraste de ritmos entre a exposição detalhada dos enigmas e os planos abertos nas cenas de ação atribuem a esta longa-metragem um equilíbrio perfeito, com brutais cenas de pancadaria que não se dispersam em exagerados cortes que nos impedem de ver o que se passa — aqui, cada golpe é sentido e observado no plano na sua totalidade — e que no fim colam o espetador ao ecrã durante as extensas três horas de filme.
A complementar à realização, a fotografia de Greig Fraser (‘Dune’, ‘Rogue One’) e o detalhe na cor e contraste dão a Gotham City um ambiente noir, escuro, e deprimente, mas que não cega a imagem, conseguimos ver tudo o que se passa na perfeição, e o mesmo ambiente negro é por vezes complementado com tons de amarelo e vermelho que dão vida à noite decrépita, assim como um contraste de luzes frias e quentes nas cenas de ação em clubes noturnos, que resultam num espetacular brilharete épico para o vigilante de Gotham City. Ainda, na arte, desde o fato, ao Batmobile, e especialmente, o próprio covil do Bruce Wayne, com o seu aspeto pitoresco de castelo com excelente caracterização, dão a The Batman um visual muito detalhado e particular.
Cobrindo a mistura entre a imagem, a arte e o som (este último destaca-se imenso nas cenas de ação), a banda sonora de Michael Giacchino é dramática, aterradora, hipnotizante, e repleta de suspense, oscilando entre os vários pacientemente, e aproveitando por vezes os acordes de ‘Something In The Way’, tema dos Nirvana incluído no filme.
The Batman é um modelo exemplar sobre como os filmes de super-heróis evoluíram e o seu potencial de cruzar géneros no ecrã, assim como o talento de Matt Reeves em concentrar tanto material num único filme, sem acelerar demasiado a narrativa e tropeçar no ritmo, deixando a trama fluir de modo adequado e paciente.
Segue o trailer de The Batman: