Baseado na obra de John Pearson, Painfully Rich: the Outrageous Fortunes and Misfortunes of the Heirs of J. Paul Getty, por sua vez assente em factos verídicos, o mais recente filme do veterano Ridley Scott debateu-se, desde início, com problemas de tempo. O início das filmagens só ocorreu em Maio passado, com a estreia nos Estados Unidos marcada para Dezembro. A agenda ficou ainda mais apertada após a dispensa de Kevin Spacey, pouco mais de um mês antes do filme ser lançado nas salas de cinema, o que implicou a contratação, em contra-relógio, de Christopher Plummer como substituto e a refilmagem de várias cenas com Michelle Williams e Mark Wahlberg em apenas 8 dias.
O filme conta a história do rapto do neto predilecto de John Paul Getty (Christopher Plummer), magnata do petróleo e, a determinada altura da sua vida, considerado o homem mais rico do mundo. Os raptores, cientes da fortuna do avô do adolescente, exigem uma quantia absurda de dinheiro para o libertar, o que faz com que a desesperada mãe, Gail Getty (Michelle Williams), recorra ao sogro em busca de ajuda. O avarento bilionário recusa pagar o valor do resgate e confia antes no seu homem de confiança, o negociador e ex-membro da CIA, Fletcher Chase (Mark Wahlberg), a missão de trazer de volta o neto são e salvo mas sem ter que pagar seja o que for.
“Amarrado” pelos factos verídicos narrados no referido livro, o argumento de David Scarpa não teve muito por onde se expandir e acaba por não deslumbrar ou surpreender o espectador. Se é verdade que ficamos com vontade de saber o que passará a seguir a cada interacção telefónica entre Gail e os raptores e entre estes e o jovem captivo John Paul Getty III, a verdade é que o filme sofre com mudanças de ritmo entre cenas, provocada por uma pouco feliz montagem, que prejudicam a intensidade do thriller. A duração do mesmo também parece ser um problema, acabando por parecer demasiado longo.
Michelle Williams, uma das excelentes actrizes da sua geração a quem o Oscar já iludiu por 4 vezes em tantas nomeações, tem aqui mais uma boa prestação mas não ao nível do que já a vimos fazer. É certo que ela é a força motriz do filme mas talvez as refilmagens tardias (quando foi chamada de volta já estava a trabalhar noutro projecto) tenham afectado o seu desempenho e parece que falta ali qualquer coisa, possivelmente uma maior garra que a personagem exigiria. Já Mark Wahlberg, um actor competente mas não ao nível de Williams, dá a ideia de estar um pouco “desenquadrado” da trama.
Destaque para o consagrado Christopher Plummer, cujo desempenho no filme já lhe garantiu a nomeação para o Oscar de melhor actor secundário, tornando-se no mais velho actor de sempre a ser nomeado, aos 88 anos, já depois de ter sido em 2012, por ‘Assim é o Amor’, o mais velho vencedor de um Oscar “competitivo”. Curiosamente, antes de ser substituido por Plummer, em virtude das acusações de assédio sexual que têm vindo a público, Kevin Spacey era ele próprio apontado como um dos favoritos na corrida aos Oscar. Resta saber se a Academia quis marcar uma posição “política” com esta nomeação ou se as refilmagens em cima da hora de Plummer alcançaram-na por mérito próprio.
Ridley Scott assina uma obra interessante, deixando-nos uma reflexão atenta sobre o “vil metal” e de como este afecta as relações humanas ao ponto de as poder destruir mas com uma moralidade final que se afasta do tom do filme. Infelizmente, todos os acontecimentos nos bastidores acabaram por ter influência no produto final de Scott, seja por culpa das refilmagens, montagem ou edição, retirando-lhe alguma da intensidade que um thriller deste género carece.