Análise a ‘Top Gun: Maverick’

★★★★★ — Uma Masterclass Autêntica na Arte do Cinema

Trinta e seis anos após o eterno clássico dos anos 80, o capitão Pete ‘Maverick’ Mitchell finalmente regressa ao grande ecrã para uma sequela que é, sem dúvida alguma, um dos maiores filmes do ano e uma masterclass autêntica na arte do cinema!

Realizado por Joseph Kosinski, o cineasta responsável por filmes como Oblivion e Only The Brave, Top Gun: Maverick é sinónimo de blockbuster, fazendo uso do seu elevadíssimo orçamento para criar uma experiência imersiva e impressionante que arrasa qualquer departamento de VFX, por mais reais que os efeitos especiais pareçam em frente ao green screen.

Antes de avançarmos para as espetaculares conquistas técnicas, o filme arranca cerca de trinta anos depois dos eventos de Top Gun, com a personagem titular, interpretada mais uma vez por Tom Cruise, a trabalhar como piloto de teste num projeto do governo, e a partir da cena de abertura percebemos de imediato com que Maverick estamos a lidar — a história de Peter Craig e Justin Marks, transformada em argumento por Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie — traz-nos um Maverick que continua confiante, bem-humorado e extremamente competente, a desobedecer a uma ordem direta de um almirante e pilotando além do objetivo estabelecido pelo projeto, numa brilhante cena de abertura, que é tão intensa como heartwarming. Maverick está de volta e continua com o título de ‘homem mais rápido do mundo’.

O seu estatuto lendário precede-o, e para quem não viu o primeiro filme, a exposição é feita logo a seguir, não sendo propriamente necessário ver o original para entender o que se passa (embora seja altamente recomendável!). Maverick é chamado de volta aos Top Gun, não para pilotar numa perigosa missão, mas sim para ensinar a nova geração de graduados Top Gun a executá-la. A missão passa por invadir o território de um inimigo não nomeado e explodir uma reserva de urânio utilizada para propósitos militares, mas, no entanto, a mesma está protegida por misseis automáticos e encontra-se no fundo de um vale, no qual é necessário descer e subir a pique, para além de ter que ser executada rapidamente e abaixo dos níveis dos radares inimigos.

Tal ‘missão impossível’ necessita da equipa mais qualificada que existe, e apesar de Maverick ser o piloto mais adequado para a liderar, é ordenado apenas a instruir a equipa, obedecendo relutantemente após reparar que um dos membros dos Top Gun é o filho do seu falecido amigo e copiloto ‘Goose’ — o tenente Bradley ‘Rooster’ Bradshaw (Miles Teller) — com quem mantém uma relação conturbada, não só devido ao acidente fatídico de trinta anos antes, mas também por acontecimentos mais recentes que mancharam a relação de ambos.

Top Gun: Maverick é um filme que não nos traz um argumento complexo, mas que é escrito cuidadosamente de forma a honrar o passado e justifica a sua existência sem pisar no legado do antecessor, adaptando-se à realidade moderna, nomeadamente no uso das tecnologias no arco militar da história e incluindo as mesmas de maneira inteligente na trama, assim como é interessante reaver certas personagens do original, principalmente Iceman (Val Kilmer).

Tendo em conta as condicionantes, a integração do mesmo na sequela foi feita da melhor maneira possível, uma vez que o ator ainda sofre os efeitos do cancro na garganta, e a sua voz teve que ser recriada artificialmente, através de arquivos áudio do próprio ator, encaixando-se perfeitamente na montagem. A cena em que Iceman revê Maverick, para quem cresceu nos anos 80 com Top Gun, terá certamente um forte impacto emocional. É aqui que vemos o verdadeiro Pete Mitchell por trás da cortina, com a bagagem de uma existência prolongada por baixo do sorriso confiante, desabafando os seus defeitos e carregando o peso dos seus erros, assim como estabelecendo um paralelo que resume onde a personagem se situa emocionalmente e o desenvolvimento da mesma ao longo de trinta anos, em que revela desafios emocionais por resolver.

Ainda no âmbito da escrita, o único arco que provavelmente beneficiaria de maior desenvolvimento é o de Penny Benjamim, a personagem do Jennifer Connelly, e a sua relação amorosa com Pete Mitchell. Apesar da performance sólida dos dois, a relação entre eles não provém de um background estabelecido no original, pelo que é mais difícil relacionarmo-nos emocionalmente com a sua história, que precisava de mais algum tempo de filme para crescer e pesar. É um arco que serve mais para ajudar Maverick a encontrar estabilidade pessoal.

Não obstante ao pequeno apontamento no argumento, Top Gun: Maverick é uma sequela repleta de referências nostálgicas e payoffs, não só na escrita como na realização, tornando-se difícil assinalar qual dos filmes é o melhor, para a época que existiu/ existe estão os dois no topo de qualidade de filmmaking, embora o impacto cultural do primeiro seja naturalmente maior. Esta instalação marca também o regresso a um método de realização mais guerrilha e prático em termos de efeitos, que é algo que não se vê tanto nos dias de hoje em grandes produções, e é extremamente original nesse âmbito, o que nos traz em full circle à vertente técnica.

Tom Cruise é uma estrela de ação autêntica, e sentimos a sua pegada em cada frame. Ele trata o projeto ‘Top Gun Maverick’ como um filho, circulando como produtor ao lado de Jerry Bruckheimer (Top Gun — 1986) por todos os departamentos para ter a certeza de que tudo é corretamente executado. O mesmo insistiu que o filme, para resultar, teria que parecer o mais autêntico e real possível, e o realizador Kosinski acompanhou-o em todo o processo técnico e criativo.

Para filmar as cenas de ação, os atores voaram em F/A-18s reais acompanhados por pilotos, e foi tudo preparado com a ajuda dos verdadeiros Top Gun, demorando cerca de quinze meses a descobrir e concretizar maneiras de filmar no ar com câmaras IMAX. De modo a executar essas sequências, em que se vê em grande plano a reação dos atores/ personagens no ar, Cruise e Kosinski ensinaram ao elenco e aos pilotos detalhes acerca de cinematografia e iluminação, para que os mesmos conseguissem operar as câmaras e interpretar o que fica bem em cada ângulo, ‘realizando’ assim as suas próprias cenas. O processo demorou ainda mais devido ao facto de que no ar não podia haver ‘cortes’ nem nada do género, ninguém tinha acesso às imagens em tempo real, e qualquer erro de continuidade obrigava a repetir a cena. Os atores e pilotos é que tinham que ligar a câmara, fazer o set up todo, esperar pela luz vermelha, etc., e para além das câmaras no interior dos cockpits, foram instaladas outras no exterior e em mais aeronaves que acompanhavam e filmavam o trajeto, transformando todos os envolvidos em cineastas. De modo a ‘qualificarem-se’ para voar, o próprio Tom Cruise preparou um programa de aviação para o elenco em colaboração com a Marinha, que consistiu num curso intensivo de três meses.

Top Gun: Maverick é impressionantemente imersivo, devido à ausência de green screen e ao uso quase total de efeitos práticos, com o mínimo de CGI possível. Tudo, desde a fotografia saturada de pôr do sol e calor, paralela às cores frias de montanhas de neve, pela mão do cinematógrafo Claudio Miranda; a montagem imaculável de Eddie Hamilton, supervisionada por Kosinski; a equipa na banda sonora, que inclui Hans Zimmer e Lady Gaga, e a mestria do sound design combinado com o estrondoso som real de aeronaves militares tornam esta obra numa experiência que merece ser vista num cinema IMAX ou Dolby Atmos!

Segue o trailer de Top Gun: Maverick.