As Crónicas do J-Horror: Episódio III — ‘Rasen’ (1998)

A Sequela Perdida de Ring

Em 1991, o autor japonês Koji Susuki lançou a icónica obra de terror Ring, que foi apenas a primeira instalação num complexo universo literário (e multiplamente adaptado), sendo procedido por Spiral (1995), Loop (1998), Birthday (1999), S (2012) e Tide (2013).

A primeira adaptação foi um filme para televisão em 1995, intitulado Ring: Kazenban (uma joia de que certamente irei falar no futuro), escrita por Joji Iida, o realizador e argumentista de Rasen, também conhecido como Spiral, o filme em análise neste episódio.

Antes de abordar a história deste filme, é importante explicar o porquê de ser tão desconhecido, ao ponto de ser chamado A Sequela Perdida de Ring.

Quando Hideo Nakata e a sua equipa iniciaram a produção de Ring, uma equipa em simultâneo, liderada por Joji Iida (Ring: Kazenban) começou a trabalhar numa sequela direta, com base na obra Spiral. O objetivo seria lançar ambos os filmes no mesmo dia, a 31 de Janeiro de 1998, para que as duas adaptações se apoiassem uma à outra, com a ambição de ampliar a campanha de marketing e lucrarem o dobro.

A ideia aqui seria os fãs assistirem a Rasen logo a seguir a Ring.

Contudo, a estratégia não resultou para a sequela. Nakata conseguiu transpor para o grande ecrã a tensão pretendida por Susuki, e apesar de, em geral, seguir o livro, ao inserir a sua própria visão da obra, com argumento de Hiroshi Takahashi, alguns pontos diferiram da história original. Joji Iida procurou construir uma sequela mais fiel ao livro, o que causou automaticamente algumas inconsistências na narrativa, e também, infelizmente, não conseguiu reproduzir a atmosfera sombria de Hideo Nakata. Com isso, foi mal recebido pela crítica e público, que para começar, dificilmente iriam ver um filme logo a seguir a outro na noite de estreia. Logo aí, o resultado de Rasen foi indesejável, e, em soma, foi tão mal recebido que um ano depois Nakata lançou a sua própria sequela, intitulada Ring 2, com o mesmo elenco, substituindo e apagando o legado de Rasen.

A partir daqui este artigo irá conter spoilers de Ring.

A história desta sequela começa imediatamente a seguir aos eventos de Ring, e somos introduzidos a uma nova personagem, Mitsuo Ando, interpretado por Koichi Sato, um médico legista, ex-colega de Ryuji Takayama (Hiroyuki Sanada), que descobre que o seu amigo (assassinado por Sadako) faleceu sob circunstâncias misteriosas, e é destacado para realizar a sua autópsia. Durante o processo, Ando apura que Ryuji sofreu um enfarte do miocárdio, descobriu uma úlcera na sua garganta, e mais estranho que tudo o resto, um papel no estômago com uma mensagem encriptada.

Após a autópsia, Ando conhece Mai Takano (Miki Nakatani), a aluna de Ryuji que lhe informa da existência de uma cassete de vídeo que mata todos os que a virem, e que o professor estaria a investigar a sua existência com a ex-mulher Reyko, pouco antes de falecer.

Imediatamente a seguir, Ando descobre que Reyko e o seu filho morreram num acidente de carro, e ao chegar ao local, conhece o jornalista Yoshino, que trabalhava com Reyko, e este alimenta a teoria da cassete, apresentando-lhe uma cópia.

Cético, Ando continua a acreditar na teoria de que o seu colega faleceu devido a um vírus, mas decide ver o vídeo da Sadako e tentar ele próprio desvendar o mistério.

Até aqui, ainda que com algumas lacunas na narrativa, Joji Iida tentou unir os acontecimentos do primeiro filme com a direção pretendida para este, mas as falhas na narrativa só aumentariam a partir daqui, até um ponto de não retorno.

A teoria de que a maldição de Sadako se propaga como um vírus é explorada neste filme, embora com uma explicação e linguagem visual desalinhada com o primeiro, e a história aqui contada oferece uma perspetiva interessante e cheia de potencial, abrindo portas para um magnífico universo de terror, com elementos de ficção científica explicados por ciência factual. Este foi um dos objetivos de Joji Iida, “explicar o terror”.

Esta longa-metragem leva o seu tempo a colocar as personagens no assento do corredor da morte de Sadako, mas ao fazê-lo, na sequência de Ando visionar o vídeo amaldiçoado, ficamos com a sensação de que o realizador de Another Heaven perde o controlo da sua história.

A interpretação da Sadako é chocantemente diferente da estabelecida e venerada versão de Nakata, e isto é apenas o início do fim. As estranhas decisões narrativas e inconsistências do argumento, juntamente com lacunas a nível técnico, não foram o suficiente para a dupla de Koichi Sato e Miki Nakatani carregarem o filme, que apesar de tudo, contém reviravoltas interessantes (se bem executadas) e progresso na história, dignos de boa literatura.

A cinematografia de Makoto Watanabe carece da natureza sombria executada por Jun’ichirō Hayashi, o sound design é bastante inferior, e a banda sonora passa de negra e dramática para rítmica, com estranhos beats melancólicos, eliminando dessa forma a atmosfera psicológica, a tensão acrescida e a sensação de arrasto dos amaldiçoados sete dias.

A interpretação que o mundo teria deste filme se tivesse resultado poderia mudar a maneira como os filmes ocidentais de terror PG-13, de fantasmas e maldições, foram feitos nos anos 2000, o que é uma ideia poderosa e fascinante, especialmente para fãs deste género de cinema.

É como se Rasen fosse o portal para uma realidade cinematográfica alternativa, e adotando o mote de “explicar o terror” (que já fui utilizado após), seria um conceito incrivelmente interessante na época. Ainda, a estratégia de estrearem dois filmes ao mesmo tempo, apesar de não resultar para o público casual, para fãs de certos franchises seria excelente, como se por exemplo, os dois filmes do Harry Potter e os Talismãs da Morte tivessem estreado ao mesmo tempo (!), para não falar de refazerem sequelas mal recebidas por fãs, algo que não irei sequer exemplificar. Qualidade é subjetiva, mesmo para Rasen.

Pontuação Final — 2/10

Segue o trailer original de Rasen, em double bill com o de Ring.