A Sequela Oficial de Ring, por Hideo Nakata
Ring 2 nasceu em sequência de uma história peculiar no cinema japonês. Em 1998, Ring foi lançado em double bill com Rasen, de Joji Iida, a sequela original (tema explorado no episódio III destas crónicas), mas no entanto, foi mal recebida pela crítica e o seu resultado indesejado. Devido à sua pobre receção, em bipolaridade com o sucesso explosivo de Ring, foi de imediato iniciada a produção de uma sequela alternativa, que viria a ser intitulada, Ring 2.
Com o pretexto de emendar a aposta inicial e ainda aproveitar o sucesso de Ring, Hideo Nakata retornou para continuar o seu trabalho na adaptação da saga de Koji Susuki, eliminando dessa forma o legado de Rasen e ficando este maioritariamente conhecido como um filme de culto para os maiores fãs de J-Horror.
Cerca de um ano após a estreia do double bill, a 23 de Janeiro de 1999, Ring 2 foi lançado.
Numa tentativa de rescrever a sua própria história, Hideo Nakata reuniu-se uma vez mais com Hiroshi Takahashi, argumentista de Ring, assim como a maioria da sua equipa, incluindo o mesmo elenco usado nos dois filmes antecedentes. Sendo que já haviam trabalhado na sequela de Joji Iida, terem regressado para filmar Ring 2 acabou por ser um feito incomum numa situação já por si, incomum.
Nesta instalação da saga, Mai Takano, interpretada por Miki Nakatani, assume novamente o papel principal, tal como em Rasen, assim como Nanako Matsushima e Rikiya Otaka retornam nos papéis de Reyko e Yoichi. Por sua vez, Mitsuo Ando, o médico legista interpretado por Koichi Sato em Rasen, não tem qualquer participação neste filme.
Um ponto a referir antes de analisar esta longa-metragem é o facto de o objetivo aqui passar pela audiência esquecer a existência de Rasen, e nesse sentido, Nakata e Takahashi assumiram o controlo total e seguiram uma direção diferente da sequela original, que por sua vez, foi mais fiel ao livro.
Conseguiria Hideo Nakata repetir o sucesso do original ou as diferenças por si implementadas? Ou cairia como Rasen caiu? Ultrapassar a receção de Ring seria um feito astronómico no mínimo, sendo que este se tornou um clássico instantâneo com uma mitologia possivelmente intocável.
A partir daqui este artigo irá conter spoilers de Ring e Rasen.
‘Uma cassete VHS amaldiçoada. Quem a assiste recebe um telefonema e morrerá 7 dias depois. A única maneira de sobreviver é fazer uma cópia da cassete e outra pessoa assistir, transferindo a maldição.’
Hideo Nakata não perde tempo com exposição. Assim como Rasen, Ring 2 abre pouco depois dos assombrosos eventos de Ring, com Takashi Yamamura (Yoichi Numata), o tio da Sadako, a visitar uma morgue a pedido do detetive Keiji Omuta (Kenjirō Ishimaru), que assumiu a investigação dos bizarros acontecimentos relacionados com Sadako Yamamura, e este pede-lhe para identificar o seu corpo, retirado do poço por Reyko e Ryuji, antes do assassínio deste. Na sequência, a investigação apura que Sadako terá sobrevivido no poço durante 30 anos, tendo falecido apenas um ou dois anos previamente aos eventos atuais.
Mai Takano, a assistente do falecido Ruyji Takayama que encontrou o seu corpo moribundo, procura Reyko Asakawa no seu local de trabalho mas sem efeito. Aí, conhece Okazaki (Yūrei Yanagi), um colega de Reyko que, à semelhança de Mai, teve uma participação muito curta em Ring, mas que agora se torna um pilar relevante para a história. Visto que Reyko está desaparecida, decidem deslocar-se ao seu apartamento à procura de respostas e, uma vez lá, encontram vestígios de uma cópia do vídeo amaldiçoado, destruído na banheira.
Em paralelo, a polícia investiga o desaparecimento de Reyko e o seu filho Yoichi, assim como a misteriosa e prematura morte do seu pai, que terá assistido o vídeo amaldiçoado na esperança de salvar o seu neto, transferindo a maldição para si.
A investigação conduz o detetive Omuta ao interrogatório de Mai Takano, que por esta altura apenas conhece a existência da mítica cassete. Com as informações fornecidas pelo detetive, Mai vai de novo ao encontro de Okagaki, e ambos deslocam-se a um hospital psiquiátrico, onde se encontra internada Masami, a amiga de Tomoko (primeira vítima de Sadako em Ring). Esta sequência de acontecimentos fornece uma reviravolta sobrenatural na investigação, mudando completamente o percurso destas personagens.
Tal como em todas as sequelas de filmes de sucesso, esta não se irá abster de comparações com o original, até porque o caminho tomado por Nakata e Takahashi é um ótimo exemplo para o fazer.
A terceira instalação na saga esforçou-se por se distinguir do original em vez de reciclar o argumento, o que é uma decisão de louvar uma vez que sequelas tendem a repetir a fórmula. A ambição projetada para Ring 2 transcende o ecrã (não como a Sadako!), mas tal como todas as histórias de sucesso, muito depende da escrita e narrativa.
O facto de logo na primeira cena ficarmos a saber que Sadako sobreviveu todo aquele tempo no poço apresenta de imediato uma intriga, e uma personagem com um papel secundário no original assumir a liderança na sequela é também uma forma curiosa de criar novas personagens. Outro aspeto positivo passa por não reciclar o que resultou no primeiro e não perder tempo com exposição e enquadramento, criando uma perspetiva antagónica entre personagem e espetador, uma vez que muitos dos elementos envolvidos ainda estão a descobrir o que se passa, e nós (público) entendemos perfeitamente a sua reação porque foi a nossa também.
Por outro lado, apesar do argumento ambicioso, à medida que a história se desenrola pressentimos que Nakata e Takahashi se vêm com dificuldades em explicar o que se passa e manter a narrativa coerente. Ring 2 apresenta uma narrativa complexa com várias arestas e diversos arcos, o que acaba por torná-la confusa e em certo ponto desafia a sua própria lógica sobrenatural. Há muito a acontecer ao mesmo tempo, e todas as novas reviravoltas, em demasia, eliminam a sensação de arrasto, que foi uma das vertentes de terror e tragédia mais efetivas no primeiro filme. Há transições na narrativa que fazem pouco sentido.
É um argumento que numa versão literária teria um potencial incrível, mas limitado a 95 minutos e à linguagem visual do cinema arrisca-se a perder força. Refiro, assim como no episódio III, Ring 2 (em semelhança com Rasen), continua a ter reviravoltas dignas de boa literatura.
Aproveitando este ponto, há certas regras e elementos estabelecidos em Ring que são agora ignorados. Em primeira instância, muito do que resultou no primeiro filme está relacionado com a contagem decrescente dos sete dias desde o visionamento do vídeo até ao inevitável destino.
O estabelecimento desta contagem permitiu a Ring criar uma sensação de arrasto e impotência nas personagens (e nós por adição), por não sabermos o que irá acontecer, nem como vencer esta maldição, uma impotência que se mantém mesmo após os créditos finais. Essa característica é complementada com um ângulo de tragédia e um ambiente sombrio na imagem e som.
Aqui, fugindo da fórmula, finalmente percebemos como funcionam os poderes da Sadako, como a sua fúria se transforma e dá à luz uma maldição que se muta como um vírus (em Rasen é literalmente um vírus), como se manifesta em tudo o que toca, como evolui, e, a certo ponto, como a contra atacar.
Este é um ponto a mencionar, pois pode resultar de duas maneiras. Por um lado, é interessantíssimo porque dá uma âncora à história e permite às personagens seguirem um rumo de esperança e conclusão, mas por outro ataca diretamente a mitologia horrífica criada por esta antagonista lendária. Os poderes de Sadako são dissecados neste filme, o que estraga a sua mitologia, e aprendendo como a contra atacar torna mais vulnerável a sua raiva indestrutível.
É a maior semelhança entre as duas sequelas. Joji Iida procurou “explicar o terror” através da ciência, e de certa forma, Nakata e Takahashi concretizam aqui o mesmo.
A nível técnico, esta longa mantém a mesma atmosfera de Ring, há um trabalho cuidado na cinematografia, agora pelas mãos de Hideo Yamamoto, e Kenji Kawai regressa com uma banda sonora visceral, complementada com um excelente sound design.
Uma comparação importante a estabelecer são as transições nas personagens de Ring para Ring 2. Yoichi Asakawa é titular num arco cheio de potencial, o que definitivamente foi um desafio para o então novíssimo Rikiya Otaka. As vidas familiares de Mai e Okagaki não são exploradas, o que transparece como lacunas em character development e complica o desafio de Miki Nakatani, que tem o trabalho abismal de interpretar Mai como uma personagem principal cativante que carregue a história.
Isto acontece, em parte, porque Nakata e Takahashi pretenderam, com isto, demonstrar o poder da solidão e de como esta desconecta as pessoas, no sentido em que Mai e Okagaki pouco colaboram para resolver este mistério de consequências pesadas, paralelizando indiretamente a solidão com o ângulo de tragédia e impotência de uma família, e as possíveis consequências.
Em suma, e volto a questionar, será que a mudança de direção foi a correta decisão? Não é irónico desejar que o filme siga a contagem decrescente e os elementos do primeiro? Não é suposto desejarmos que as sequelas de franchises de sucesso sigam uma direção diferente do original e se singularizem? A verdade é que as duas respostas são corretas, tudo depende da narrativa, da sua construção, timing, detalhe, coerência, e desfecho. Como já referi, qualidade é subjetiva, tanto para Rasen como para Ring 2.
Pontuação Final — 5/10
Segue o trailer de Ring 2.