As Crónicas do J-Horror: Episódio VII — ‘Ju-On: The Curse 2’ (2000)

A Maldição de Kayako 2, em V-Cinema

Ju-On: The Curse 2 foi lançado cerca de um mês após Ju-On: The Curse, no formato 3:4 de V-Cinema, e com 76 minutos de rodagem, continuando a jornada de rancor de Kayako. The Curse 2 revela-se de imediato uma sequela peculiar, isto porque os primeiros 30 minutos do filme são precisamente os últimos 30 minutos da primeira longa da saga!

Logo na sequência inicial encontramos Shunsuke Kobayashi de volta à casa amaldiçoada, onde faz companhia a Toshio antes de descobrir a verdade sobre Kayako e ser brutalmente assassinado pela mesma, numa das sequências mais memoráveis do franchise — aqui é escusado dizer que o presente artigo contém spoilers de Ju-On: The Curse, mas, desta vez e para efeitos de exposição, haverão também spoilers de Ju-On: The Curse 2.

Para a audiência que assiste a The Curse 2 pela primeira vez, poderão achar que se enganaram no filme devido à repetição dos segmentos, e muitas questões se levantam com esta atípica situação dos 30 minutos iniciais, questões essas às quais provavelmente nunca teremos uma resposta concreta.

Podemos assumir que ambas as longas foram filmadas ao mesmo tempo; ou que a segunda parte teve o seu tempo cortado pelo estúdio, tendo por consequência de acelerar a produção, e ao mesmo tempo garantir uma duração de cerca de 70 minutos; ou que o plano inicial consistia num único filme que, seja por que motivo for, foi cortado ao meio e dividido em duas versões.

Virando a página a Ju-On: The Curse, Takashi Shimizu apresenta novamente um projeto dividido em seis partes (ou curtas), que são desta vez colocadas por ordem cronológica, diferindo de uma variação do espaço temporal tão característica da saga. O puzzle da narrativa é agora mais fácil de montar, e ao unirmos as peças encontramos algumas respostas deixadas como perguntas na primeira instalação. Mais uma vez, enfrentamos um ecrã negro que revela o nome da personagem central do respetivo arco, emergindo com os nomes: Kayako, Kyoko, Tatsuya, Kamio, Nobuyuki, e Saori.

Kayako apresenta-nos, tal como já referido, Shunsuke Kobayashi (Yūrei Yanagi), o professor de Toshio (Ryota Koyama) que visita o aluno quando este falta consecutivamente às aulas, de volta à casa da maldição, momentos antes de ser surpreendido pelo cadáver rastejante da mesma, e descobrir o destino fatal de Manami (Yue), a sua esposa grávida, cuja bebé foi violentamente arrancada do seu corpo por um ciumento Takeo Saeki (Takashi Matsuyama). A repetida exposição desta cena serviria como antevisão para acontecimentos reeditados neste filme, e no sentido de fornecer uma explicação mais conclusiva aos leitores que não assistiram a Ju-On: The Curse, a trama de Ju-On passa essencialmente por um episódio psicótico de Takeo que assassina a sua mulher e filho após descobrir que a primeira se encontra secretamente apaixonada pelo professor da criança, que é, voilá, o senhor Kobayashi!

Kyoko é uma cópia integral da última sequência de The Curse, embora com um corte de poucos minutos para a adição de uma nova cena, que cria uma ponte para o conteúdo original deste filme. Kyoko, interpretada por Yūko Daike, é a irmã de Tatsuya, personagem titular do terceiro segmento e o agente imobiliário que fica encarregue de vender a casa após a morte e desaparecimento da família Murakami. Devido ao seu histórico sinistro, Tatsuya (Makoto Ashikawa) encontra-se com dificuldades em vendê-la, e por isso, pede à sua irmã Kyoko, que tem poderes psíquicos, para visitar a moradia e ajudá-lo a entender o que se passa.

Kamio, interpretado por Taro Suwa (Dark Water; Cure) é o detetive que se encontra a investigar o caso com o seu parceiro, após o responsável anterior, o detetive Yoshikawa (Denden) ter enlouquecido ao investigar os eventos ocorridos na casa amaldiçoada, e é neste ponto que se estabelece a ligação entre as famílias assassinadas e uma explicação para esses macabros acontecimentos. Nobuyuki (Tomohiro Kaku), o filho de Tatsuya e sobrinho de Kyoko, é titular num dos arcos mais experimentais de toda a saga, e Saori revela uma curta cena, de regresso à casa de Kayako, num ângulo de câmara único e periférico do seu exterior, em que se ouvem algumas adolescentes a explorar o domínio da maldição, muito divertidas e sem imaginar o que está prestes a acontecer assim que se ouve um ruido gutural e um miar assanhado.

Esta cena que não se prolonga por mais de 2 minutos e que conclui a saga V-Cinema de Ju-On, parece desnecessária e sem sentido numa primeira instância, mas no entanto, serve como um prelúdio para o filme que seguiria, Ju-On: The Grudge, o qual abordarei no episódio VIII.

Antes de abordar os detalhes da construção narrativa, no que concerne à plasticidade do filme, apenas poderei repetir o que já havia desenvolvido na análise a Ju-On: The Curse, uma vez que a equipa técnica foi a mesma e ambos os filmes foram, presumidamente, gravados em sequência. Continuamos com belas filmagens de jump scares, mas a estética de V-Cinema no pequeno ecrã prejudica a cinematografia de Nobuhito Kisuki, que em sequência da exploração de novos cenários, perde um pouco a sua atmosfera claustrofóbica, aumentando mais uma vez o contraste entre a fotografia e a narrativa, que é recorrente no franchise; a banda sonora de Gary Ashiya embora sólida pereceria para a de Shiro Sato dois anos mais tarde (Ju-On: The Grudge), e a edição, ainda que bastante estática, típica de produções low-budget, continua precisa nos momentos necessários.

De todos os filmes de Takashi na saga da maldição, este é provavelmente o mais experimental de todos. Recordando que o realizador e argumentista se encontrava ainda em início de carreira e com uma forte liberdade criativa para explorar o seu conceito, Shimizu não hesita em expandir os poderes de Kayako e testar novas formas de susto, assim como sequências desconcertantes e perturbadoras. Aqui regurgitamos com um flashback a preto e branco de Takeo a esventrar Manami num banho de sangue, a imagem de Kayako numa projeção gigante num teto, e a sua espiral de multiplicação, preenchendo corredores de salas de aula e terrenos de uma escola com múltiplas versões de si própria, e perseguindo (a correr!) estudantes aterrorizados.

Este último é um conceito de terror que será familiar para fãs que já assistiram a filmes found footage desenrolados em hospícios, escolas, ou outros edifícios abandonados, onde se vê uma crescente multiplicação de demónios a perseguirem jornalistas curiosos (Grave Encounters e Gonjiam: Haunted Asylum são dois bons exemplos).

Ainda, é em Ju-On: The Curse 2 que assistimos ao arco que, a meu ver, é um dos mais subvalorizados de toda a saga, a história de Kyoko e a sua família.

Este conjunto oferece personagens ricas, começando então por Kyoko, com poderes psíquicos herdados do seu pai, que ajuda a racionalizar os acontecimentos sobrenaturais da casa e diversificar as possibilidades de desfecho da narrativa, e Nobuyuki, o seu sobrinho que, por algum motivo, consegue sobreviver à maldição, apenas para mais tarde ser perseguido pela mesma nos corredores da escola. Ainda, os detetives Kamio, Iizuka e Yoshikawa, que existem com o simples propósito de circular a história para um final mais ou menos conclusivo, pela exposição que têm, poderiam ter contribuído largamente para um argumento digno de maior riqueza.

Isto traz-nos a um dos pontos menos positivos. Como mencionado no episódio VI, Takashi Shimizu investe os seus recursos na apresentação do conceito, o que torna as cenas chave memoráveis, mas, em contrapartida, existem diversas lacunas na construção da história. Os arcos de Kyoko e Kamio, embora com enorme potencial, duram menos de 40 minutos, implicando uma demonstração acelerada do argumento. Com essas fronteiras estabelecidas e referenciando de novo que Takashi se encontrava em fase de experimento, sentimos que o filme apressa-se para os desfechos, no qual Kayako e Toshio assumem o único papel aparentemente importante, assustar-nos.

Com isto, perdemos tempo a observar personagens figurantes que não precisam de ser avistadas em cena, e não há uma progressão de personagem que, em The Curse 2, poderia destacar-se como um fator diferenciador. A influência da centralização de protagonistas na trama, que é algo que o seu mentor, Kiyoshi Kurosawa, executa de modo tão efetivo, seria aqui relevante para uma interação mais equilibrada com os antagonistas.

A única conclusão assertiva é que a fúria de Kayako se espalha e evolui como um incêndio florestal, e nenhuma das personagens sequer se aproxima de uma solução, apenas vivem o suficiente para enfrentarem, sem retorno, o seu destino.

É nos 20 minutos finais que mais sentimos a urgência de conclusão, como se o período de filmagem estivesse a chegar ao fim. Aqui, o primeiro ato se não usado para reinserção da trama, teria sido prático para desenvolver as famílias envolvidas.

Por outro lado, para quem apenas se interessa na mítica maldição sobrenatural, saltando os primeiros 30 minutos, a segunda parte de Ju-On: The Curse 2 é um festim memorável, com Takako Fuji a destacar-se mais uma vez com uma interpretação gloriosa de Kayako Saeki, algo que o restante elenco teve dificuldade em concretizar. Adicionalmente, a inserção dos segmentos de Kayako e Kyoko é um feito algo peculiar, em parte como esta vaga de terror, e estas pequenas idiossincrasias só tornam o J-Horror ainda mais fascinante e imprevisível — podemos ver de tudo, com ou sem filtro, desde obras épicas impecavelmente concebidas, a modelos experimentais que, apesar das suas lacunas, tornar-se-iam influentes na indústria, e é notável a liberdade criativa nestes projetos, assim como a vontade transparente de Takashi Shimizu de explorar as tecnicidades do terror.

Pontuação Final — 5/10

Segue uma das cenas experimentais já mencionadas, com múltiplas Kayakos: