Por mais sangrentas e bizarras que sejam, parecem sempre atrair mais do que repelir e a nova série de Ryan Murphy para a Netflix é um grande exemplo disso mesmo, ao conseguir, apesar da polémica, um recorde de visionamentos e um enorme sucesso ao manter-se continuamente em número 1 das séries.
Recentemente, com a estreia de “O Telefone do Sr. Harrigan”, Murphy tornou-se ainda no primeiro produtor a ter simultaneamente um filme e uma série em número 1 do Top Netflix, apesar de o sucesso do primeiro ter sido menos duradouro que a segunda.
“Dahmer — Monstro: A História de Jeffrey Dahmer” traz-nos a história ficcionada de um homem, Jeffrey Dahmer, conhecido por ter assassinado e cometido um sem número de perplexidades nas suas 17 vítimas, todas elas homens adultos ou jovens.
A série reconta todo o percurso de Dhamer e, embora na grande maioria, o faça de modo fiel, foram chegando relatos de quem nem tudo aconteceu exatamente como na série.
Independentemente disso, Murphy ganha pontos com o fato de, pelo menos, não ter explorado ao limite o fator gore que a série lhe poderia permitir, para evitar um tipo de facilitismo visual que certamente lhe teria angariado muitas mais críticas do que as atuais.
No entanto, a opção de não tornar a série mais sensacionalista do que o estritamente necessário parece ter-lhe imposto de tal forma barreiras criativas que, na sua generalidade, os personagens não mostram grande personalidade.
Criativamente, a maioria dos episódios são tão desinspirados que chegam a tornar-se aborrecidos, com exceção, talvez, do já muito falado “Silenced”, que conta a história de Tony Hughes, o jovem surdo de quem Dahmer muito se afeiçoou.
O próprio Evan Peters, ator a quem Murphy sempre prefere recorrer, normalmente muito versátil e inventivo, tem aqui um papel sem grandes rasgos, transformando Dahmer num mero boneco — mesmo que a sua personalidade real, de fato, pareça conduzir a isso.
“Dahmer — Monstro: A História de Jeffrey Dahmer” é criada com recurso a frequentes regressos ao passado pelo meio da história, muitas vezes para tentar explicar a existência de alguém como Dahmer, e nessa tentativa de explicar não deixa grande margem para a própria criatividade do espetador.
Aliás, deixa-lhe tão pouca margem que é possível que passe um pouco pelas brasas, dando-lhe apenas um pouco de alento com “Silenced”, que é a estrela da série.
Aquele episódio em particular brilha sem necessitar de exploração emocional, do mesmo modo que os restantes, mas arrisca muito mais visualmente e consegue que o espetador se identifique com a dor da perda daquele jovem, construindo-lhe um corpo, desejos, sonhos, ligações emocionais e motivação.
As restantes vítimas são tratadas como caricaturas e isso acaba por ser mais ofensivo do que o cuidado colocado em não mostrar ou explorar o lado verdadeiramente horroroso dos crimes de Dahmer, que ainda viveu anos suficientes para chegar a dar entrevistas na televisão como se de uma estrela se tratasse.
Há ainda um esforço demasiado forçado para mostrar o passado de Dahmer e, em certos momentos, tentar demostrar que os atos daquele homem são apenas o resultado da má influência de todos os que — não — se envolveram na sua educação.
Essa perplexidade sobre a natureza do assassino em série como teoria geral sobrepõem-se de modo excessivo a quase todos os outros pormenores e a construção da personalidade de um Dahmer ficcionado restringe-se a passos muito limitados.
O assassino é mostrado a beber e, a seguir, a matar, vai do ponto A ao ponto B sem construção de tensão, sem mostrar uma centelha de inspiração, num mesmo tom narrativo tão monótono como a sua fotografia amarelada e doentia.
Ryan Murphy ganha ainda mais alguns pontos por ser dos poucos produtores que traz constantemente para a ribalta a realidade daquela que ainda é considerada uma franja de população e, particularmente nesta série, mostrar a realidade da comunidade homossexual negra, que constitui a maioria dos indivíduos que Dahmer atraiu.
Murphy traz ainda para a ribalta, embora também o faça com recurso a caricaturas de personagens pouco desenvolvidos ou sem grande profundidade psicológica, a atuação da polícia quando confrontada com a escolha entre a palavra do branco e a palavra do negro que habita o mesmo bairro problemático que o primeiro.
Na realidade, esse é o maior problema de “Dahmer — Monstro: A História de Jeffrey Dahmer”, o não ir mais fundo nas questões que coloca e limitar-se a fazer as mesmas perguntas vezes um sem número de vezes sem que isso adiante muito para a história.
Acrescenta ainda, quase no final, mais um assassino em série, de passagem, talvez para mostrar o quanto a América foi prolífica neste tipo de homens numa cronologia que parece abranger desde os anos 50 aos 70/80.
Com isto acaba, contudo, por trazer para a mesa mais um assassino que não acrescenta nada ao decurso da história e faz pensar: não chega a história de Dahmer aqui em foco? É mesmo preciso ir buscar outro indivíduo, talvez mais cruel que Dahmer?
No cômputo geral, “Dahmer — Monstro: A História de Jeffrey Dahmer” é uma boa série para ser vista por mera curiosidade, se se conseguir passar para além da linha reta que é toda a narrativa.
Quanto à curiosidade que possa existir acerca de assassinos em série, há séries de crime real de melhor qualidade para ver.
Classificação: ★★★