A autora destas linhas conta-se entre a fileira dos outros, os que se deliciam no gáudio da retoma da série passado tanto tempo de espera, mesmo com os dois belíssimos episódios especiais pelo meio para tirar a barriga de misérias.
A segunda temporada estreou e as reações não se fizeram esperar, com muita da crítica a insistir novamente na gratuitidade das cenas de sexo e nudez, a violência do discurso, a vida de vício que os adolescentes levam.
Se a memória permite, à altura da estreia do primeiro conjunto de episódios, já tinha sido esta a crítica e, claro, as opiniões polarizaram-se e acabaram por beneficiar um certo estatuto de culto de que a série daquela plataforma de streaming goza desde então.
Foram já exibidos dois episódios e, embora se note a tentativa de virar a série para outros caminhos, os motivos para o choque continuam lá, tendo sido adicionados mais alguns, agora às vezes provenientes do reino da fantasia (lembre-se a cena de Kat com o seu Viking).
Os personagens continuam a ser os mesmos e retomam os caminhos que haviam sido deixado suspensos no final da primeira temporada da série e mesmo pegando naquilo que os episódios especiais tinham focado — nomeadamente o relacionamento conturbado de Rue com Jules (Hunter Schafer) ou de Rue com as drogas.
O primeiro episódio especial, “Trouble Don’t Always Last”, focava-se na recuperação de Rue (Zendaya) e nos recentes acontecimentos com o objeto do seu amor, Jules, girando em torno de uma enorme conversa entre Rue e o seu mentor durante a desintoxicação.
Em claro contraste com o ritmo da série e estreado por alturas do Natal de 2020, trouxe uma linguagem mais despojada e acabou por destacar ainda mais os dotes de Zendaya, que já havia sido premiada com o Emmy de Melhor Atriz Dramática nesse mesmo ano pelo seu papel na série.
Feitos à parte, quando pouco mais de um mês depois estreou o segundo episódio, “F**k Anyone Who’s Not A Sea Blob”, centrado em Jules, a série havia conseguido expandir-se para lá das suas possíveis limitações e expectativas geradas e pavimentando o caminho para necessárias mudanças.
Estes dois episódios, sobretudo o primeiro, foram amplamente elogiados e, por isso, o regresso à insanidade “normal” da série trouxe de volta alguns dos velhos sentimentos acerca daquilo que fez de “Euphoria” o que é.
Na segunda temporada, Sam Levinson não abdicou desses traços distintivos e, por isso, ainda que apenas decorridos dois episódios, voltaram os mesmos tempos, embora com uma roupagem mais cristalina, atualizada, se assim se quiser chamar — pelo menos, para já.
Não deixa de ser impagável a inclusão, por exemplo, da atriz Kathrine Narducci na história de Fezco, a Charmaine dos “Sopranos”, aqui como avó de Fez, e uma das grandes mafiosas ou caciques de que ele próprio se lembra, num negócio onde não existem muitas mulheres.
Estas linhas não têm a pretensão de esmiuçar muito mais do que foi apresentado até agora, mas fazer um breve balanço da série e do seu legado, que se julga venha a ser mais duradouro do que em aparência.
Para já, conseguiu a proeza de ter tornado Zendaya na atriz mais jovem a vencer o galardão acima mencionado, para além de ser a segunda atriz negra a fazê-lo, depois de Viola Davis em 2015 — e que privilégio!
Em torno da série existe ainda toda uma aura cultural a refletir as vivências que muitos pais e tutores tanto temem e, por isso, talvez as críticas muitas vezes também sejam o espelho do temor que os mais novos vivam exatamente como a série retrata.
A juntar-se ao esforço de escrita de uma equipa necessariamente mais velha do que as pessoas e vivências sobre as quais se debruça, há ainda uma banda-sonora fascinante, vibrante, que envolve as imagens muitas vezes em cenas que se tornam icónicas.
Volta Labyrinth, mas introduzem-se Orville Peck e clássicos de 2Pac, The Notorious B.I.G., DMX, Judy Garland ou Thelonious Monk, sem que esta mistura aparentemente incoerente resulte como incoerente no contexto da série — muito pelo contrário.
Esta reflexão intermédia procura fazer o ponto de situação à luz da atualidade, tendo em consideração que ainda falta muito caminho para caminhar e outras opiniões poderão nascer até ao final desta temporada.
“Euphoria” está disponível na HBO, agora ao ritmo do clássico episódio semanal, mas a primeira temporada também pode ser vista.