No início de Março, quando escrevi a primeira crónica, devo confessar que estava longe de imaginar o resultado histórico e surpreendente da dupla Sobral. «Amar pelos Dois» foi o tema que finalmente quebrou a “maldição” da participação portuguesa no festival da Eurovisão, que durava há mais de 50 anos.
A verdade é que Salvador Sobral com “os tiques de Gollum” e com o ar de alunado dissipou quaisquer dúvidas e convenceu os votantes europeus, tanto do júri como dos espectadores, ao atribuir a famigerada vitória de Portugal em Kiev, na Ucrânia.
Mais do que a vitória num concurso, a conquista deste feito inédito deve ser interpretado para além da ideia de “trazer o caneco para casa”: foi uma vitória da língua portuguesa, que superou o domínio incontestável do inglês, ouvido pela maior parte dos temas concorrentes; foi uma vitória da música, no estado mais puro enquanto arte; e, por fim, foi uma vitória do “menos é mais”, ideia, da qual, me identifico bastante.
A opinião da maior parte dos artistas portugueses é unânime: estão rendidos ao triunfo do Salvador. A simplicidade venceu o espalhafato. Não são precisos “macacos adrianos”, cortes de cabelo foras do comum e bailarinos para tentar camuflar que as músicas ouvidas são, na verdade, vazias de conteúdo.
Numa edição do festival que, ironicamente, celebrava a diversidade, Salvador Sobral deu uma autêntica chapada de luva branca a todos os seus adversários. Já em cima de palco, em pleno discurso de vitória, afirma que a música “não é fogo de artifício”, mas sim “um sentimento”. Ouch! Afinal de contas a “vedeta com ar de vagabundo” acaba por dizer, numa frase, o que está mal com todo o conceito que a Eurovisão tem adoptado nos últimos anos.
Salvador Sobral, apesar da conotação religiosa de nome, é um exemplo de músico. Vive intensamente da arte que compõe, não cede ao comercialismo e foi através dos seus estudos e vontade de fazer algo, conseguiu, independentemente de se gostar ou não do tema, ficar na História da música popular portuguesa.
As minhas preocupações residem agora na capacidade do jovem de 27 anos, de usufruir da exposição mediática para trazer novos públicos para conhecer outro tipo de música. Para além disto, a saúde de Salvador tem que ser tratada com máximo cuidado, porque acredito que o músico é, e volto a reforçar, a “salvação que Portugal precisava”.
Faço um apelo ao país dos três “Fs” para que saiba corresponder adequadamente a este momento que a música portuguesa vive. São estes momentos dos quais o grande público tem que se aperceber do trabalho árduo que a música acarreta. Existem imensas bandas “sem nome” que lutam diariamente para tentar obter reconhecimento e que não conseguem progredir na sua carreira.
“Habemus Salvador”