De um dos mestres de terror japonês, chegou à 18ª edição do MOTELX a nova obra de Koji Shiraishi, que tem como base o manga Sayuri, e entrega um take inesperado à clássica estrutura da ‘casa assombrada’ japonesa.
A família Kamiki, uma aliança de sangue com sete membros – avós, pais e filhos – muda-se de um apartamento minúsculo para uma vivenda de sonho com uma vista de ouro invejável sobre a belíssima paisagem japonesa. A família segue o sonho do pai Akio (Zen Kajihara), um salaryman que dedica todo o seu tempo e dinheiro a construir um futuro melhor para os seus.
Ainda que nem todos aprovem a mudança, num primeiro olhar deparamo-nos com uma família energética, unida e feliz. No entanto, a casa para onde se mudam está amaldiçoada por uma menina de dois corpos, um magro, pálido, com cabelos negros cumpridos, e outro inchado, sujo e em decomposição. Pouco depois de se mudarem, risos de criança invadem-lhes os pesadelos, televisões ligam-se e desligam-se automaticamente, e episódios de violência entre familiares começam a criar suspeitas de que, talvez, a mudança não terá sido boa ideia.
A primeira subversão de House Of Sayuri começa cedo, e Koji Shiraishi não perde tempo a mostrar-nos aquilo que viemos para ver, com estranhas mortes a acumularem-se rapidamente.
Tradicionalmente na linguagem de cinema, espíritos vingativos levam o seu tempo a desfrutar do sadismo infligido às vítimas, mas, à semelhança da Kayako de Ju-On, chacina cai tão rapidamente sobre esta família que mal têm tempo para discutir se deviam mudar-se novamente. Quando damos por nós, mais de metade da família está morta, e questionamo-nos porque é que o filme tem mais de 90 minutos se a maior parte da família faleceu antes do segundo ato.
O motivo, para melhor ou pior, provém de House Of Sayuri ser um filme de várias tonalidades. Esses tons verificam-se não só na escrita, mas também no passo narrativo, na direção e fotografia. O que inicialmente retrata uma clássica assombração japonesa, com uma imagem fria e cinzenta, rapidamente se transforma numa amálgama colorida de ‘revenge horror comedy’ que promete dividir a audiência. As tonalidades mudam tanto como o nosso estado de espírito, com recorrentes e surpreendentes momentos de tensão e horror, quebrados por um excelente timing de comédia. Ainda que a característica dual da realização divida inevitavelmente a audiência, não conseguimos deixar de nos surpreender pela capacidade que o autor de filmes como Noroi: The Curse, Carve: The Slit-Mouthed Woman e Occult possui para adaptar diferentes estilos no mesmo filme.
A avó Harue (Toshie Negishi), que sofre de demência, de um momento para o outro recupera a lucidez e transforma-se naquilo que, pelos vistos, foi em outrora – uma mestre de Tai Chi severa, com um swag hippie e fumadora compulsiva, que ensina o neto Norio (Ryoka Minamide) a enfrentar a maldição, a vencer na vida e a proteger o que resta do sonho do seu pai.
Há claramente vários desafios na adaptação de Sayuri, começando pelo simples facto de que a certo ponto ficamos com a ideia de que o filme não sabe o que quer ser, se uma tragédia, se uma comédia, ou um filme de terror – grandes momentos hilariantes são cortados com episódios de chocante violência, numa tentativa de quebrar o niilismo do j-horror, desconstruindo-o de um modo bizarro, mas, no entanto, olhando para o filme em geral, não podemos deixar de ver a mensagem positiva de House Of Sayuri.
É um filme que nos ensina o poder do espírito humano, que nos relembra a importância da resiliência e de uma mentalidade positiva face às tragédias inevitáveis da vida. Por piores que as coisas fiquem, há sempre um caminho, há sempre algo por que lutar, e devemos fazê-lo de cabeça erguida, com graça, humor e confiança, pois são essas características que mantém o mal à distância. Tal como na vida, se assistirmos a House Of Sayuri com humor, graça, e confiança, também ganharemos a capacidade de ignorar as suas incongruências narrativas, e rapidamente nos apercebemos que este filme tem um enorme coração e que, mesmo com todas suas falhas, não deixa de ser uma divertida e interessante adição ao legado do j-horror.
Excelente pontapé de arranque na primeira sessão da meia noite na Sala 3 do Cinema São Jorge – O MOTELX está de volta!