House Of The Dragon (Temporada 2)

★★★★ – Depois dos Hightowers usurparem o Trono de Ferro, a Dança dos Dragões é agora inevitável, com os Sete Reinos divididos entre os verdes de Aegon II e os negros de Rhaenyra Targaryen.

Dois anos após o término da aclamada temporada (sobre a qual podem ler aqui), House Of The Dragon regressa ao pequeno ecrã com a premissa de guerra, numa saga repleta de traições, assassinatos, esquemas políticos, fome, sangue e fogo!

No rescaldo da âncora deixada pela primeira parte, encontramos Rhaenyra em luto, à procura dos restos mortais do filho Lucerys, assassinado por Aemond Targaryen e Vhagar na tragédia que levou o conflito familiar a um ponto de não retorno, e oficializando a que foi considerada a guerra mais sangrenta da história dos Sete Reinos.

Com os mesmos divididos, os verdes adiantam-se a colocar tropas no terreno e a aumentar o esforço de reunir o maior número possível de Casas à sua causa, enquanto os negros aguardam o regresso da rainha.

Rhaenyra e Daemon

Ryan Condal e a sua equipa voltam uma vez mais a fazer um excelente trabalho na preparação da guerra, dedicando tempo a restabelecer as personagens, onde estas se encontram física e psicologicamente, e movendo com astúcia as peças do puzzle de modo a que nós, a audiência, consiga acompanhar este mundo gigantesco.

A ameaça dos Dragões é muito real em Westeros, e uma batalha entre os mesmos resulta em tudo a arder. Por esse motivo, e contra a vontade de alguns em cada um dos pequenos conselhos, tanto os verdes como os negros estão reticentes em usarem os dragões, que são as chaves de guerra, e antes de exércitos colidirem, outras formas de conflito são postas em prática.

Esta estratégia serve muito bem para a história aqui adaptada, pois uma guerra no universo de Game Of Thrones não se trava apenas dentro do campo de batalha. Há a questão da diplomacia que se tenta assegurar ao máximo, com efeitos nulos; conflitos internos atrasam ações de cada lado, e quando finalmente temos uma batalha de dragões, o espetáculo não provém só do fogo, mas também do impacto e jornada das personagens antes e após a luta. O contínuo investimento no desenvolvimento delas e das suas motivações exponencia as consequências de cada batalha, e é aqui que a adaptação brilha. Há um esforço acentuado na caracterização, que o livro Fire and Blood pouco fornece, e a dedicação dos atores ao encarnarem estas complexas personagens é de grande qualidade.

Tom Glynn-Carney como 'Aegon II'

Voltamos a usar um tipo de storytelling idêntico ao da primeira temporada, em que por vezes um simples olhar de uma personagem diz-nos tudo o que precisamos de saber. Nem sempre é necessário explicarem-nos o que estão a sentir pois nós conseguimos senti-lo no olhar deles, e a somar a isso os diálogos voltam, uma vez mais, a destacar-se. Vemos extensas discussões entre personagens entregues com uma entoação e postura de profissionais de topo, com destaque para Rhys Ifans na pele de Otto Hightower; Ewan Mitchell na de Aemond Targaryen, o qual cresce cada vez mais frio, calculado e impiedoso; Tom Glynn-Carney como Aegon II, que pouco conhecíamos sem ser pelos seus atos horrendos, mas para surpresa de muitos, torna-se uma personagem redonda pela qual acabamos por simpatizar; Simon Russell Beale, que interpreta Sor Simon Strong, o castelão de Harrenhal galardoado com a tarefa árdua de servir um Daemon torturado por visões e conflitos internos; e por falar no diabo, Matt Smith, que regista um dos desenvolvimentos de personagem mais notáveis esta temporada, onde o implacável Daemon Targaryen é obrigado a confrontar-se com as suas próprias inseguranças, assim como as consequências da sua doutrina questionável, enlouquecendo em Harrenhal e confrontando os seus próprios medos e ideais. A evolução dele e a de Aegon contêm a melhor caracterização neste capítulo – Daemon percorre um caminho de redenção após mais um dos seus atos atrozes comprometer a sua posição no conselho de Rhaenyra, e Aegon, ansioso por provar o seu valor, surpreende-nos no papel de um rei que gosta de ser adorado pelo povo e que procura ser generoso, mesmo quando os recursos são escassos, mas ao mesmo tempo sofre com a sua própria arrogância, narcisismo, ego e insegurança, tornando-o essencialmente um peão que não tem qualquer controlo sobre a sua Casa e cujas decisões erráticas deixam-lhe consequências irrefutáveis.

Apesar de todo o trabalho dedicado às personagens e caracterização, no fim, o ponto mais forte desta série são os próprios dragões; belíssimas criaturas místicas, cada um diferente do outro, que foram criados com uma atenção ao detalhe impressionante por parte da equipa de VFX. Os dragões não só fornecem um brilhante espetáculo visual de fogo e chacina, como também nos providenciam com panorâmicas fantásticas dos castelos, campos e cidades que sobrevoam, em escalas grandiosas, transformando Westeros num mundo ‘real’, imersivo, e cinema no pequeno ecrã.

Dragão 'Seasmoke'

House Of The Dragon retém muitas das forças da primeira temporada na parte técnica – a escala, fotografia e realização (como já falámos), mas também a banda sonora de Ramin Djawadi que transforma marchas de exércitos e cenas de tensão dramática em peças épicas de storytelling visual, embrulhadas numa arte fabulosa, que se nota particularmente nos adereços e guarda roupa. Somado a isto, o passo narrativo regista também algumas melhorias, pois damos como terminados os saltos temporais anteriormente recorrentes, e agora é mais fácil situarmo-nos na ação.

Ainda que o resultado final seja de boa qualidade, em contrapartida, pode-se debater que onde House Of The Dragon está no seu melhor, está também no seu pior.

(Vamos remover daqui a questão do orçamento cortado, do plano inicial de 10 episódios, da greve de 2023 em Hollywood, das decisões logísticas de última hora, e avaliemos House Of The Dragon pelo produto que nos é apresentado).

O passo narrativo é adequado para dar tempo à caracterização, mas, no entanto, a premissa desta temporada é uma de guerra.

Muito do que se faz, especialmente a seguir à batalha de Rook’s Rest, é preparação para os próximos eventos-chave, mas, no entanto, a história termina sem um verdadeiro desfecho dos eventos que acontecem nesta parte da Dança dos Dragões, o que poderá apresentar complicações, pois os méritos deste excerto da série vão depender do que acontece mais tarde. Por outras palavras, se a terceira temporada não entregar a promessa da segunda então todo o trabalho de preparação aqui feito será desperdiçado.

Sunfyre vs Meleys - Batalha de 'Rook's Rest'

Outras complicações a apontar passam também por alterações feitas em algumas personagens, ou a ocultação de outras que desempenham papeis importantes mais a frente, especialmente com as personagens de Rhaenyra e Alicent.

Ambas têm uma jornada muito idêntica, como duas faces de um espelho. Vivem num mundo de homens, que as diminuem e descriminam mesmo quando governados por elas, e Ryan Condal procura manter esse tema em destaque. No entanto, aqui, as escolhas narrativas poderão criar algumas incongruências futuras.

Rhaenyra é obrigada a restringir-se devido às limitações quase que impostas pelo seu próprio conselho de guerra, num vai-não-vai de decisões que fazem a personagem andar às voltas mais do que o necessário, e talvez por Fire and Blood não dar grande destaque a ela nesta parte da história, os argumentistas fizeram o melhor que podiam para lhe dar uma espécie de arco, quase que a obrigando a restringir-se por trás de uma diplomacia forçada para evitar o conflito armado e o uso de dragões. Isto apresenta uma diferença em relação à sua retratação na obra de George, e especulo que haja mais motivos por trás disso. À medida que a narrativa vai alargando, pressente-se um esforço redobrado em tornar Rhaenyra uma espécie de heroína da história (e Aemond o vilão em contrapartida), e a certo ponto a escrita dela dá a impressão de que os argumentistas estão do lado dos negros.

Alicent, por outro lado, sofre uma espécie de desconstrução ao longo da temporada, com uma voz cada vez mais oca num conselho que praticamente a ignora, e a mesma a certo ponto começa a tomar decisões incoerentes com o que sabemos sobre ela.

A menos que existam planos bem escritos e delineados para estas storylines (e quero acreditar que sim), há a possibilidade de as alterações mencionadas eventualmente comprometerem caracterização de Rhaenyra e Alicent, e por acréscimo, a história em geral, considerando o que acontece mais à frente em Fire and Blood.

Tirando estes apontamentos, é de sublinhar que as performances de Emma D’Arcy e Olivia Cooke são absolutamente fantásticas, ambas encarnam as personagens com uma entrega e linguagem corporal muito naturais, e nota-se que já se sentem confortáveis nas peles de Rhaenyra e Alicent.

Olivia Cooke como 'Alicent Hightower'

Uma das críticas que Game Of Thrones teve, principalmente nas últimas temporadas, foi a questão do tempo-espaço. O universo de ‘A Song Of Ice And Fire’ é enorme, e está estabelecido nos textos de George que as personagens demoram bastante a deslocar-se em Westeros. É um mundo grounded, onde a logística se torna uma ferramenta importante para a história.

Apesar de em House Of The Dragon a ação se situar principalmente entre Dragonstone, Driftmark e King’s Landing - localizações muito próximas entre sim - por vezes, quando é conveniente para o guião, as regras do tempo-espaço são quebradas. Quando Ryan Condal e a sua equipa querem muito que algo aconteça num curto espaço de tempo, personagens que não deveriam ter acesso a certas localizações acabam por consegui-lo, contra todas as probabilidades e com o timing a seu favor, seja uma infiltração em King’s Landing ou o passar de uma mensagem a um conjunto específico de pessoas por locais bem guardados e repletos de espiões.

Num mundo onde a complexidade logística tem sido um tema realçado e enriquecedor, tanto nos livros como na série, a conquista facilitada de objetivos em tais locais para efeitos de progresso narrativo pode tornar o mesmo, à falta de melhor palavra, ‘irrealista’.

Por último, e recapitulando, mesmo com as suas imperfeições, House Of The Dragon retém muitas das forças da primeira temporada, com destaque não só para os dragões e caracterização, mas também o foreshadowing, isto é, a preparação do terreno para os eventos futuros, ao proporcionar um olhar aprofundado do worldbuilding de George R. R. Martin, explorando as diferentes Casas que terão papeis secundários no avançar da guerra e os conflitos já existentes que escalam em consequência disso. Falamos dos Bracken e dos Blackwoods, ambos vassalos dos Tully mas com um ódio insaciável entre si, são eles que se envolvem no primeiro conflito armado da Dança, numa batalha de enormes perdas para os dois lados que infelizmente foi cortada da série – vemos apenas o resultado final, com uma pilha de soldados mortos numa panorâmica tanto bela como aterradora. Houve também uma ênfase no povo (smallfolk), e as dificuldades que passam devido às decisões da família real e as consequências de uma guerra que até agora viu poucas espadas – o povo tem um papel importante na Dança dos Dragões, pelo que foi uma boa decisão criativa dedicarem tempo para desenvolver a questão da opinião pública e as diferentes dinâmicas entre o povo e a realeza. Tudo isto é relevante mais tarde, e são estes pequenos detalhes que fazem House Of The Dragon brilhar.

Segue o trailer da segunda temporada.