Estreou a 19 de Abril nas salas de cinema portuguesas e é um dos grandes trunfos para atrair público neste muito aguardado retorno aos cinemas.
Mais do que um road movie clássico, é uma potencialmente interessante viagem colaborativa entre toda a equipa e os intervenientes da vida real que dão corpo ao filme. São eles os novos nómadas norte-americanos, nascidos da insatisfação para com um estilo de vida voraz que não tem contemplações para com os menos afortunados.
Ao terceiro filme, Chloé Zhao parece ter tocado as cordas certas e é nesses acordes que residem os seus melhores e menores atributos, na medida em que se nota por demais o esforço para que determinadas notas emocionais sejam vibradas.
Sobejamente galardoado, discutido e elogiado, traz consigo o sentimento de um tempo novo ou, pelo menos, que se quer muito que seja novo.
Num primeiro momento, a centralidade das mulheres no panorama fílmico, não só como realizadoras, mas como acumuladoras de um sem-número de funções e cargos nos seus próprios filmes.
![Chloe Zhao nas filmagens de “Nomadland”](https://assets.stori.press/PDBBLBVBW/migrations/1679539943/9094ce46-ea40-4386-9e9a-383ee3387fae.jpg)
Num segundo momento, a “centralidade” de temas aparentemente marginais ou menores que são, na realidade, cada vez mais importantes para um crescente número de homens e mulheres.
“Nomadland” reflecte, no seu ritmo, sem se apressar, sobre a realidade das pessoas que não querem ou deixam de ter capacidade para pertencer a uma das economias mais poderosas do mundo.
Os nomads, gente que trabalhou toda a vida e se vê a braços com dificuldades que não imaginou antes, sobretudo quando a idade avança e a realidade imobiliária necessariamente os exclui.
A personagem central do filme, Fern, encarnada por Frances McDormand, entre nesse seriíssimo mundo depois de perder o trabalho em Empire e decidir entrar na máquina trituradora do trabalho temporário.
A realidade laboral de milhares de pessoas surge como inevitável pano de fundo e muitas das conversas acabam por se focar nesse assunto, mas “Nomadland” não se deixa ficar cativo apenas desse tema.
O que o filme procura são as ligações entre as pessoas e de como no meio do aparente caos há sempre um ponto de contacto, um abraço, um gesto, uma ajuda, um sorriso que é suficiente para colmatar algumas das faltas.
O contributo dos verdadeiros nómadas é fundamental, contudo, para se perceber que aquilo que se podem considerar faltas são sobretudo fruto da escolha em viver apenas com o suficiente, deixando para trás sempre o excesso de objectos, numa lógica de economia circular.
A intervenção destes actores amadores é perfeitamente central e traz consigo o sentimento de que “Nomadland” seria perfeito enquanto documentário ficcionado, já que, no fundo, as histórias ali apresentadas nem sempre são as verdadeiras histórias de vida de Swankie ou Linda May.
![<p>Linda May em “Nomadland”</p>](https://assets.stori.press/PDBBLBVBW/migrations/1679539943/f8ca141c-bfc1-43c0-9331-e8e9de3660bd.jpg)
Linda May em “Nomadland”
Foi necessário recorrer ao ficcionamento para que os actores profissionais pudessem encontrar um meio termo entre ficção e realidade. Nesse sentido, “Nomadland” é muitíssimo competente e interessante, ao criar um espaço algures entre o respeito pelo percurso daquelas pessoas e o desejo de criar um filme ficcionado, longe do puro documentário.
Um compromisso que contou com o contributo de todos e que, claramente, é o ponto mais interessante do filme, essa união de experiências e escolhas, entre a autenticidade do discurso directo e a absoluta dedicação dos actores profissionais, nomeadamente Frances McDormand.
A primeira impressão, os primeiros momentos de “Nomadland”, sem banda-sonora, só com Frances, poderiam muito bem ter sido o espírito de todo o filme, mas é certo que algumas breves escolhas de edição deitam a perder por completo a autenticidade e voz própria que o filme faria por bem manter.
Concorde-se ou não, escolhas são escolhas, mas fica a sensação, por exemplo, de que os trechos sonoros de Ludovico Einaudi transformam “Nomadland” num melodrama a tender para o barato e substitui a espaços de forma incongruente o pastiche kitsch que assoma de forma deliciosa em inúmeras sequências.
É nos momentos em que é mostrada a América rural, dos bailes, das músicas populares, dos rádios de pilhas, dos dinossauros gigantes no meio do deserto, que “Nomadland” mostra a sua verdadeira essência, mas Chloe acaba por decidir-se por um caminho paralelo que nega uma só voz ao filme.
![<p>Frances McDormand numa reunião de nomads</p>](https://assets.stori.press/PDBBLBVBW/migrations/1679539943/709ca3bf-8387-46f8-b396-86883d484602.png)
Frances McDormand numa reunião de nomads
Melhor documentário que ficção, mesmo que a realizadora negue o seu pendor para esses caminhos, é a frase que ecoa na cabeça à medida que “Nomadland” opta por seguir as vozes emocionalmente mais apelativas ao gosto das massas.
São pequenos gestos de carinho atraiçoados por uma óbvia exploração emocional gratuita das experiências e entrega dos homens e mulheres que compõem o filme, mesmo que os próprios se sintam assoberbados pela sua experiência única.
Aquele que poderia muito bem ser o produto do amor verdadeiro, acaba por se mostrar em momentos fulcrais, como um impostor que finge quase por completo tudo o que mostrou para trás.
“Nomadland” não soube escolher apenas um caminho e ao escolher para momentos decisivos a linguagem que pior lhe assenta e mostra o que de mais declaradamente manipulador tem, escreve a sua sentença.
Independentemente das boas intenções, “Nomadland” acaba mesmo por ser mais intenção do que boas concretizações e é por isso que no cômputo geral a linguagem mastigada, sem novidades e cheia de lugares-comuns tem tanta importância.
Classificação: ★★½