Estreou a 19 de Abril nas salas de cinema portuguesas e é um dos grandes trunfos para atrair público neste muito aguardado retorno aos cinemas.
Mais do que um road movie clássico, é uma potencialmente interessante viagem colaborativa entre toda a equipa e os intervenientes da vida real que dão corpo ao filme. São eles os novos nómadas norte-americanos, nascidos da insatisfação para com um estilo de vida voraz que não tem contemplações para com os menos afortunados.
Ao terceiro filme, Chloé Zhao parece ter tocado as cordas certas e é nesses acordes que residem os seus melhores e menores atributos, na medida em que se nota por demais o esforço para que determinadas notas emocionais sejam vibradas.
Sobejamente galardoado, discutido e elogiado, traz consigo o sentimento de um tempo novo ou, pelo menos, que se quer muito que seja novo.
Num primeiro momento, a centralidade das mulheres no panorama fílmico, não só como realizadoras, mas como acumuladoras de um sem-número de funções e cargos nos seus próprios filmes.
Num segundo momento, a “centralidade” de temas aparentemente marginais ou menores que são, na realidade, cada vez mais importantes para um crescente número de homens e mulheres.
“Nomadland” reflecte, no seu ritmo, sem se apressar, sobre a realidade das pessoas que não querem ou deixam de ter capacidade para pertencer a uma das economias mais poderosas do mundo.
Os nomads, gente que trabalhou toda a vida e se vê a braços com dificuldades que não imaginou antes, sobretudo quando a idade avança e a realidade imobiliária necessariamente os exclui.
A personagem central do filme, Fern, encarnada por Frances McDormand, entre nesse seriíssimo mundo depois de perder o trabalho em Empire e decidir entrar na máquina trituradora do trabalho temporário.
A realidade laboral de milhares de pessoas surge como inevitável pano de fundo e muitas das conversas acabam por se focar nesse assunto, mas “Nomadland” não se deixa ficar cativo apenas desse tema.
O que o filme procura são as ligações entre as pessoas e de como no meio do aparente caos há sempre um ponto de contacto, um abraço, um gesto, uma ajuda, um sorriso que é suficiente para colmatar algumas das faltas.
O contributo dos verdadeiros nómadas é fundamental, contudo, para se perceber que aquilo que se podem considerar faltas são sobretudo fruto da escolha em viver apenas com o suficiente, deixando para trás sempre o excesso de objectos, numa lógica de economia circular.
A intervenção destes actores amadores é perfeitamente central e traz consigo o sentimento de que “Nomadland” seria perfeito enquanto documentário ficcionado, já que, no fundo, as histórias ali apresentadas nem sempre são as verdadeiras histórias de vida de Swankie ou Linda May.
Foi necessário recorrer ao ficcionamento para que os actores profissionais pudessem encontrar um meio termo entre ficção e realidade. Nesse sentido, “Nomadland” é muitíssimo competente e interessante, ao criar um espaço algures entre o respeito pelo percurso daquelas pessoas e o desejo de criar um filme ficcionado, longe do puro documentário.
Um compromisso que contou com o contributo de todos e que, claramente, é o ponto mais interessante do filme, essa união de experiências e escolhas, entre a autenticidade do discurso directo e a absoluta dedicação dos actores profissionais, nomeadamente Frances McDormand.
A primeira impressão, os primeiros momentos de “Nomadland”, sem banda-sonora, só com Frances, poderiam muito bem ter sido o espírito de todo o filme, mas é certo que algumas breves escolhas de edição deitam a perder por completo a autenticidade e voz própria que o filme faria por bem manter.
Concorde-se ou não, escolhas são escolhas, mas fica a sensação, por exemplo, de que os trechos sonoros de Ludovico Einaudi transformam “Nomadland” num melodrama a tender para o barato e substitui a espaços de forma incongruente o pastiche kitsch que assoma de forma deliciosa em inúmeras sequências.
É nos momentos em que é mostrada a América rural, dos bailes, das músicas populares, dos rádios de pilhas, dos dinossauros gigantes no meio do deserto, que “Nomadland” mostra a sua verdadeira essência, mas Chloe acaba por decidir-se por um caminho paralelo que nega uma só voz ao filme.
Melhor documentário que ficção, mesmo que a realizadora negue o seu pendor para esses caminhos, é a frase que ecoa na cabeça à medida que “Nomadland” opta por seguir as vozes emocionalmente mais apelativas ao gosto das massas.
São pequenos gestos de carinho atraiçoados por uma óbvia exploração emocional gratuita das experiências e entrega dos homens e mulheres que compõem o filme, mesmo que os próprios se sintam assoberbados pela sua experiência única.
Aquele que poderia muito bem ser o produto do amor verdadeiro, acaba por se mostrar em momentos fulcrais, como um impostor que finge quase por completo tudo o que mostrou para trás.
“Nomadland” não soube escolher apenas um caminho e ao escolher para momentos decisivos a linguagem que pior lhe assenta e mostra o que de mais declaradamente manipulador tem, escreve a sua sentença.
Independentemente das boas intenções, “Nomadland” acaba mesmo por ser mais intenção do que boas concretizações e é por isso que no cômputo geral a linguagem mastigada, sem novidades e cheia de lugares-comuns tem tanta importância.
Classificação: ★★½