★★★★☆
O novo filme de Naomi Kawase, baseado na obra de Mizuki Tsujimura, conta uma história relacionável e universal sobre duas mães, uma adotiva e outra biológica, interligadas pela vida de uma criança, e os desafios parentais que isso carrega.
Satoko (Hiromi Nagasaku) e Kiyokazu Kurihara (Arata Iura), os pais adotivos de Asato (Reo Satō), uma criança com 5 anos, vivem uma vida feliz e cuidam impecavelmente do seu filho, com especial detalhe exibido nas pequenas tarefas como lavar os dentes ou caminhar cautelosamente para o infantário, assim como o cuidado ao lidar com situações complexas como acidentes no recreio envolvendo o Asato.
Kawase detalha a competência educativa deste casal e rapidamente estabelece o quanto eles merecem a criança, o que vai criar atrito quando, a certo dia, uma jovem rapariga, cuja cara não nos é revelada, aparece no apartamento dos Kurihara e exige a custódia de Asato, afirmando ser a mãe biológica.
Antes que a trama desembarque deste ponto, rapidamente viajamos em flashback para o passado de cinco anos antes, quando os Kurihara tentavam ter filhos, mas, por injustiça do destino, falhavam constantemente, até mesmo após alguns procedimentos cirúrgicos. A sua agonia suaviza quando, ao jantar, observam um programa na televisão sobre uma agência de adoção chamada ‘Testemunho do Bebé’, e decidem em conjunto adotar uma criança.
Na agência, após qualificarem-se para adoção, conhecem o seu futuro bebé, Asato, que lhes é entregue por uma adolescente cabisbaixa chamada Hikari Katakura, a mãe da criança, que a coloca relutantemente nas mãos de Satoko, e pede-lhe que guarde uma carta escrita dedicada ao filho, para que não se esqueça da sua mãe verdadeira. Na extremidade do plano, podemos observar os pais de Hikari envergonhados, um sentimento inquietante que é desenvolvido momentos depois.
Numa sequência de viagens temporais, e com a perceção de que o filme é maioritariamente sobre os Kuriharas e a sua luta por manter o filho adotivo que tanto amam, a história dá uma surpreendente reviravolta, transportando-nos para o passado de Hikari, interpretada por Aju Makita, a verdadeira estrela de ‘True Mothers’.
Com 14 anos, Hikari vive um romance inocente com um colega da escola, romance esse que é interrompido por uma gravidez inesperada. Os seus pais, preocupados com o seu estatuto e o impacto que isso teria na sua reputação, exigem que Hikari abandone a escola em segredo e passe o tempo restante da gravidez na agência ‘Testemunho do Bebé’, onde mais tarde colocaria relutantemente o seu filho para adoção.
A jornada da Hikari após o nascimento de Asato torna-a a personagem mais complexa e interessante de True Mothers, e a atuação de Aju Makita é absolutamente fantástica, com uma forte intensidade dramática, e todo o melodrama ao qual Kawase nos habituou na sua filmografia.
Com um argumento co escrito pela mesma e por Izumi Takahashi, e uma montagem elegante de Tina Baz e Yoichi Shibuya, esta longa-metragem composta por elementos de romance, drama, comentário social, e até mesmo thriller (deixando temporariamente ancorado o desfecho da rapariga mistério) leva o seu tempo a contar e a delinear a história, e faz um bom trabalho na exposição dos mais variados problemas maternais, colocando em perspetiva o sofrimento de pessoas que não conseguem ter filhos em contraste com as que os têm demasiado cedo.
A realização de Kawase é artística, bela e delicada, com grandes planos que focam a cara das personagens e intensificam a sua dramatização, e a banda sonora composta por Akira Kosemura fornece uma leve sensibilidade que se mistura com um ligeiro toque de intensidade, apenas o suficiente para o aumento de tensão na entrega pausada do diálogo, e reações e expressões faciais que pouco necessitam de palavras para descrever, pois conseguimos, apenas com o olhar que transmitem, traduzir o que vai na mente destas personagens. A banda sonora inclui ainda uma música composta exclusivamente para o filme, a qual ouvimos repetidamente, seja pela sua colocação na ação ou mesmo pelo canto de uma personagem.
O passo deliberado de True Mothers embora a permita aos atores brilhar e às personagens desenvolverem-se num passo adequado, não deixa de criar algumas lacunas narrativas, incluindo personagens que não servem grande propósito para o progresso da história, e algumas sequências de ações que não são propriamente esclarecidas, pelo que Kawase conseguiria cortar algumas partes deste filme que se estende por 140 minutos, e não perderia nenhum dos fios que o conectam. Ainda assim, consegue unir os espaços temporais e pontos narrativos de uma forma clara e esclarecedora, num desfecho adequado, positivo e emocional.