"Perry Mason" é uma série discreta cuja segunda temporada terminou agora na HBO. Apesar disso, não deixa de ser grande entretenimento para quem gosta de histórias de detetives e mistérios.
Perry Mason é um advogado de defesa e investigador privado fictício criado por Erle Stanley Gardner, que em torno dele escreveu umas boas dezenas de livros. Daí surgiria a primeira série, que passou na CBS entre 1957 e 1966, com Raymond Burr a interpretar o personagem do advogado.
O cenário da série mais recente é a Los Angeles dos anos 30, à época da Grande Depressão, cerca de 20 anos antes da série mais antiga, já que se centra na história de origem de Mason (a que os livros se dedicam).
Inicialmente prevista como uma mini série, tudo isso mudou muito provavelmente devido ao sucesso daquela que viria a tornar-se na primeira temporada de oito episódios, que incluiu nomeações para os Emmys na edição de 2021: Melhor Ator Principal para Matthew Rhys, Melhor Ator Secundário para John Lithgow, entre outras categorias técnicas.
Se a primeira se revestia muito daquele ambiente de film noir, até mesmo nos seus efeitos especiais, a segunda temporada sofreu grandes alterações nesse e noutros aspeto, embora o tempo de duração e número de episódios se tenham mantido inalterados.
Por um lado, libertou-se desse look um pouco sombrio, talvez mais próximo do que se espera de um bom clássico de época, e abriu-se ao mundo, tanto no modo de contar a história como mesmo na fotografia ou até na sua banda-sonora, composta por Terence Blanchard, colaborador frequente de Spike Lee.
Tal deveu-se também à mudança da totalidade dos autores do guião da série, algo que embora tenha causado apreensão no elenco, nomeadamente o ator principal Matthew Rhys Evans, foi ao mesmo tempo motivo de entusiasmo.
O risco tomado está nas boas mãos dos novos supervisores da série, Jack Amiel e Michael Begler (substituíram Rolin Jones e Ron Fitzgerald), que são os co-criadores de uma outra discreta, mas brilhante série "The Knick", também disponível na HBO, realizada por Steven Soderbergh e terminada abruptamente à sua terceira temporada.
A atriz que interpreta a personagem de Della Street, Juliet Rylance, é novamente protagonista em "Perry Mason", sabendo-se de antemão que a sua versatilidade seria um caso sério de sucesso para alguém que, como Della, não permanece em nada igual nesta segunda temporada.
Se, por um lado, a primeira temporada poderá agradar mais aos passadistas e saudosistas daquele estilo mais clássico dos filmes noir, a segunda corre o risco de perder os saudosistas, mas ganha, com certeza, uma maior base de fãs. Para além disso, permite que a história possa modificar-se e evoluir, não ficando refém de a mesma fórmula ter de ser repetida ad nauseam.
Este novo Perry Mason traz ainda para a mesa novas questões que ao antigo nem passavam pela cabeça, fruto das desejadas mudanças destes novos tempos. Assim, a sua assistente Della Street não é apenas uma personagem decorativa e toma mais tempo de história como protagonista e é agora uma personagem lésbica inevitavelmente no armário, a par do seu grande amigo Hamilton Burger, o promotor público interpretado por Justin Kirk, também homossexual.
Há ainda a preocupação de focar a realidade social de uma enorme cidade em expansão, em contraciclo com o resto do país, onde se juntam pessoas de todas as proveniências e se acumulam tensões. Por um lado, pode ver-se a luta dos negros no contexto de uma sempiterna América racista, por outro o estigma que se cola já aos mexicanos e seus descendentes a viver no país.
Em termos de argumento, não há muitas pontas soltas e as conversações entre os personagens nunca são gratuitas ou vazias, o que faz com que a progressão que todos eles ganharam no que diz respeito às suas histórias de fundo seja ainda mais rica.
"Perry Mason", embora não seja uma série demasiado sumptuosa ou de deitar muito fogo de artifício, é coerente, coesa, mantém o interesse do espectador na história e vive muito das brilhantes interpretações de um conjunto impressionante de atores, tanto os recorrentes como as novas adições.
É o caso de, por exemplo, Hope Davis no papel da perigosa Camilla Nygaard, Jen Tullock como o novo interesse amoroso de Della Street, Anita St. Pierre, ou o galardoado ator Paul Raci como o cruel Lydell McCutcheon. Todos estes novos personagens vieram a contribuir para que um elenco já de si excelente se tornasse ainda mais coeso.
Acresce ainda que nenhuma destas novas personagens surge como um mero acréscimo e todas elas têm tempo de antena suficiente para a construção das suas personalidades para que não se tornem apenas mais uns bonecos sem profundidade.
Junta-se a um belo argumento e um excelente elenco uma banda sonora do melhor que se tem visto ultimamente em séries, criativa, soando a jazz de improviso de época, sabendo-se que Terence Blanchard recebeu carta branca para fazer o que bem entendia. Isso resultou no contexto sonoro ideal que tanto vai beber ao passado como se volta para novos territórios, atualizados, contemporâneos.
O único perigo que "Perry Mason" corre agora no que respeita ao futuro é o frenesim em que as plataformas de streaming se lançaram com os cancelamentos. Não existe, para já, nenhuma confirmação para a terceira temporada e, embora a segunda tenha acabado agora, em muitos casos já se teriam ouvido pelo menos rumores.
A história, os personagens e o próprio público parecem pedir que haja seguimento, mas os tempos mudaram significativamente e, por isso, terá de se esperar para saber se haverá espaço para mais aventuras de Mason.