Graça Furiosa segue a jornada de Joy (Max Eigenmann), uma imigrante filipina no Reino Unido que tenta evitar a deportação por falta de documentos, trabalhando como empregada de limpeza em várias propriedades, e utilizando-as como refúgio para ela e a sua filha Grace (Jaeden Paige Boadilla) enquanto os donos estão fora. Quando a oportunidade surge, Joy aceita trabalhar como cuidadora do Sr. Garrett (David Hayman), um idoso moribundo que vive acamado numa mansão remota, e aí vê próxima a oportunidade de ganhar a cidadania que tanto procura. Há medida que os dias passam, Joy e Grace vão presenciando acontecimentos sinistros que ameaçam destruir tudo aquilo por que lutaram.
Paris Zarcilla faz um ótimo trabalho ao estabelecer as duas protagonistas e as suas dinâmicas familiares - vemos Joy a limpar casas de estranhos que a tratam como cidadã de segunda categoria, tentando manter a sanidade, enquanto a pequena Grace cresce gradualmente mais indignada com a instabilidade das suas vidas, mostrando sinais de revolta ao pregar partidas à mãe a toda à hora. Quando se mudam para a mansão, Joy oculta a existência da menina, transportando-a literalmente na mala de viagem e alojando-a no armário do quarto de hóspedes. Grace vê-se obrigada a manter-se escondida da patroa Katherine (Leanne Best), uma mulher snobe e condescendente, sendo quase apanhada diversas vezes, e é através do seu ponto de vista como criança curiosa que vamos percebendo que algo de errado se passa naquela casa.
Este retrato contemporâneo agarra a imigração como temática principal, ilustrando os desafios que os imigrantes enfrentam ao tentarem adaptar-se a uma nova cultura, enquanto se esforçam por manter as suas raízes e valores intactos. A inspiração do filme provém da própria experiência do realizador, em particular durante o confinamento de 2020 e o aumento das tensões raciais para com a população asiática, baseando-se também na estrutura do poema "The White Man's Burden" de Rudyard Kipling, acerca da guerra filipino-americana (1899–1902), e apresenta os versos ao longo do filme como se fossem capítulos.
O resultado final deste ‘coming-of-rage’ (definido pelo próprio Zarcilla) revela-nos um realizador muito talentoso, que inclusive foi galardoado, em 2023, com o Grande Prémio do Júri e o Prémio Thunderbird Rising, no festival South By Southwest (SXSW), nos EUA. O trabalho conjunto da realização com a fotografia, som e arte revela-nos um filme com uma atmosfera gótica e cinzenta, e uma tensão firme que cresce ao longo da narrativa. É um pelicula que experimenta com uma escolha de tela ao estilo de Art House, em 4:3, um método talvez pouco popular, mas que ajuda na imagem a isolar as personagens à medida que o mundo que as rodeia cresce cada vez mais perigoso, sendo acompanhado por um excelente trabalho no departamento de som, tanto no sound design como na composição musical, que intensificam o suspense.
O passo narrativo e realização são fantásticos pela maior parte, porém, durante o terceiro ato, a entrega do terror carece ligeiramente no impacto. Desde o primeiro frame que Paris Zarcilla nos assalta com falsos jump scares, seja porque Joy acordou de rompante, ou porque a Grace lhe decide pregar sustos recorrentes, e intercala-os com os famosos ‘awakening jump scares’, em que Joy é perseguida nos seus pesadelos. A tensão crescente carregada por estes repetitivos métodos de terror sugere um terceiro ato mais explosivo que o apresentado, independentemente da qualidade da escrita, que por sua vez, apesar de consistente pela maior parte, embrulha-se um pouco à medida que a história se torna mais complexa, sofrendo ainda com algumas conveniências narrativas típicas de filmes de terror.
Não obstante a estes apontamentos narrativos, Paris faz um ótimo trabalho ao desenvolver as personagens – tanto os protagonistas como antagonistas são personagens redondas com dinâmicas interessantes, incorporadas por atores capazes, entregando no fim mais uma estreia sólida no cinema de terror.
Segue o trailer de ‘Graça Furiosa’.