The Last House On The Left e a Realidade da Violência, por Wes Craven

★★★☆☆

Nos dias de hoje ‘The Last House On The Left’ (1972) é conhecido como um clássico de terror de culto, não só por ser a estreia de Wes Craven na realização, mas devido à sua abordagem crua e realista da violência. Esta, quando transcrita para o grande ecrã incitou revoltas em salas de cinema e drive-ins por todo o mundo, com um conjunto frenético de reações que passaram por vómitos, abandonos de sala, alegados ataques cardíacos, e tantas versões censuradas que a certo ponto nem o próprio Wes Craven saberia qual a mais completa do filme!

De todas as raivosas reações, nenhuma é mais marcante do que a audiência invadir a sala de projeção e roubar a película ao projecionista, gritando que um filme tão revoltante como este não deveria existir — já não se faz terror assim!

Com argumento baseado no filme ‘The Virgin Spring’ de Ingmar Bergman, a estreia do lendário Wes Craven, responsável por clássicos como ‘A Nightmare On Elm Street’, ‘The Hills Have Eyes’, ‘The People Under The Stairs’ e ‘Scream’, contou ainda com a produção de Sean S. Cunningham, realizador de ‘Friday The 13th’, e desta dupla floresceu uma história visual catártica e desconcertante sobre duas adolescentes que são raptadas e brutalizadas por um grupo de psicopatas.

Mary Collingwood, interpretada por Sandra Peabody, uma adolescente dos subúrbios de Connecticut, pretende celebrar o seu 17º aniversário num concerto em New York com a amiga Phyllis Stone, interpretada por Lucy Grantham. Ao dirigirem-se para a cidade, ouvem na rádio a notícia de que dois assassinos sádicos, Fred ‘Weasel’ Podowski (Fred Lincoln) e Krug Stillo (David Hess), fugiram da cadeia com a ajuda de Junior Stillo (Marc Sheffler), filho de Krug e viciado em heroína à custa do seu pai, e Sadie (Jeramie Rain), uma jovem psicopata.

Ao chegarem à cidade, as duas adolescentes procuram alguém que lhes venda marijuana, cruzando-se com Junior no processo, que por sua vez se aproveita da ingenuidade das mesmas e acompanha-as até ao apartamento onde o seu grupo se encontra.

Assim que entram começa a jornada de terror no qual as adolescentes são raptadas e levadas de volta às florestas de Connecticut, por coincidência para a mesma zona onde Mary reside. Lá, no centro de uma área florestal vazia, são submetidas a todo um conjunto metódico de humilhação, exploração e violência, sobre os quais serão ocultados os detalhes.

A minuciosidade agoniante com que Wes Craven apresenta a tortura em ‘The Last House On The Left’ não paira sobre uma vontade oca de visualizar conteúdo violento gratuito, mas sim numa interpretação séria do que é realmente a violência. Craven acreditava que a mesma nos filmes americanos do pós-guerra (Vietname) era cinematicamente atraente e com demonstrações visuais irrealistas. Em consequência da guerra em si, era regular ver notícias gráficas e descritivas acerca dos eventos que ocorreram naquele território do sul da Ásia, e o efeito que tinha nos soldados e cidadãos.

Por esses motivos, e com o intuito de desafiar a audiência a confrontar a realidade da fantasia que assistiam na televisão e no cinema, Craven criou uma longa-metragem muito humana e desprovida de filtros, que nos descreve o quanto inexplicável a violência consegue tornar-se, qual o seu aspeto, o seu cheiro, e qual a reação das pessoas quando confrontadas pelas mesmas. O que faríamos se confronta-se-mos quem nos tirou a pessoa que mais amamos? O quão longe podemos ir quando enfrentamos o mal de frente?

Craven dá uma possível resposta a essas questões, mas não fica por aí. Atos vergonhosos como os referidos não têm consequências apenas para quem os sofre ou assiste, mas também para os próprios perpetuadores. Há uma cena brilhante em que o grupo de psicopatas fica escandalizado com a natureza das suas próprias ações, seguido de um extenso momento de silêncio enquanto trocam as suas roupas ensanguentadas e se lavam num lago, como se procurassem esquecer os próprios pecados e apercebendo-se de que acabaram de destruir a sua última gota de humanidade. Aqui, Wes Craven coloca outra difícil questão — Até que ponto os próprios perpetuadores da violência conseguem lidar com a mesma?

Para responder visualmente a estas questões não basta uma produção talentosa, é também necessária uma equipa de atores que nos façam acreditar na sua personagem. ‘The Last House On The Left’ é protagonizado por uma cicatrizante performance de David A. Hess, que interpretou Krug Stillo de forma tão intensa e credível que é impossível a audiência não odiar completamente este bandido! Hess é o tipo de ator que vive a personagem mesmo fora do ecrã, uma técnica conhecida como ‘method acting’, e que contagiou o restante elenco, em especial Sandra Peabody, que ficou tão intimidada com Hess que, numa das cenas mais difíceis de digerir, o pânico da sua personagem era incrivelmente realista, pelo facto de ser o seu pânico real! Há atos de violência tão atrozes neste filme que a própria equipa ficou chocada consigo própria — suponho que terá sido neste ponto que perceberam que fizeram um bom trabalho!

Apesar de ‘The Last House On The Left’ ser um clássico de culto no cinema de terror, nem tudo neste filme é perfeito. Existem algumas lacunas na construção da narrativa, em particular a trama secundária.

Ao se apercebem que Mary não regressou a casa, os seus pais contactam a polícia, e são visitados pela dupla de agentes mais inútil da história do cinema. Estes dois desgraçados passam ao lado do carro dos assassinos sem desconfiar minimamente do que se passa, ficam sem gasolina quando finalmente descobrem onde Mary e Phyllis estão (inédito!), e ainda são enganados por hippies e uma senhora com uma carrinha cheia de galinhas. Se o objetivo deste filme era estabelecer um precedente para polícias inúteis em filmes de terror, então Craven fez um excelente trabalho, pois é algo recorrente no cinema do género.

Para uma visão mais ‘legítima’ dos eventos presenciados, Craven, em conjunto com o diretor de fotografia Victor Hurwitz, filmou ‘The Last House On The Left’ em estilo documentário, com estranhos planos contínuos e escalas que pouco centralizavam a ação, os quais Cunningham descreveu mais tarde como táticas de cinema guerrilha, típicas de documentários filmados em tempo real.

O método utilizado sem dúvida que transpareceu o intuito, mas, no entanto, deve-se a mais algumas razões off-screen, que passam pelo orçamento limitado, que os levou a invadirem áreas florestais privadas para filmarem, apressando a produção, e também pelo facto de o elenco ser, na sua maioria, bastante inexperiente.

Wes Craven, apesar de visionário, nunca tinha realizado um filme, e a sua inexperiência não passa despercebida, com algumas lacunas na edição da imagem e som, e uma banda sonora de blues, pela mão do próprio David Hess, um talentoso cantor e compositor, mas que em nada combina com o ambiente vivido em ecrã.

‘The Last House On The Left’ é um filme que marcou todos os intervenientes para o resto da vida — é polémico, injusto, deprimente, pouco climático, e em todos os aspetos aterrorizante, de tal modo que Craven, pela maior parte da sua carreira, apenas conseguiu ser contratado para fazer filmes de terror, uma consequência injusta, mas os fãs agradecem!

Seque o trailer de ‘The Last House On The Left’. ‘IT’S ONLY A MOVIE ..ONLY A MOVIE ..ONLY A MOVIE’.