Total 90s — V

Neste mês sob o signo do verde: todos usamos máscaras, literal e metaforicamente falando; uma banda que saiu da garagem para trazer o punk de novo à baila e um quarteto de tartarugas perfilhado e educado por uma ratazana que é mestre em ninjitsu.

Filme: ‘A Máscara’ — The Mask — (1994)

A vida do tímido Stanley Ipkiss (Jim Carrey), um socialmente desajustado bancário apaixonado por desenhos animados, muda completamente quando um dia o seu automóvel avaria e ele encontra junto ao rio uma estranha máscara que possui o espírito do deus escandinavo Loki. Sempre que coloca a máscara, Stanley ganha superpoderes e transforma-se num ser de cabeça verde completamente louco, com uma habilidade incrível de realizar todas as suas vontades, por mais extravagantes que o possam ser. A máscara confere-lhe também doses elevadas de charme e confiança, tudo o suficiente para ganhar a atenção da atraente cantora Tina Carlyle (Cameron Diaz). Contudo, as consequências do uso do mágico artefacto acabam por atrair também o perigoso namorado de Tina, o mafioso Dorian Tyrell (Peter Greene), que tenta apoderar-se da máscara para usar os seus poderes para o mal.

A Dark Horse Comics é uma editora norte-americana de banda desenhada fundada em 1986. Das suas páginas aos quadradinhos já chegaram ao grande ecrã várias produções como os originais ‘Hellboy’ (2004), ‘Sin City’ (2005) ou ‘300’ (2007) e todas as suas sequelas. A colaboração da Dark Horse com a sétima arte iniciou-se com o pouco destacado ‘Dr. Giggles’ (1992) mas a primeira tentativa de adaptação deu-se ainda no final dos anos 80, quando executivos da empresa reuniram com a New Line Cinema sobre ‘The Mask’, uma publicação muito diferente dos típicos livros de super-heróis. A banda desenhada era orientada para um público mais adulto e centrada no facto da máscara transformar qualquer pessoa que a usasse num assassino psicopata, conhecido como “Big Head”, que chacinava as suas vítimas de forma brutal e por razões fúteis. A New Line achou intrigante a ideia para um filme de terror e contratou Charles “Chuck” Russell, cineasta norte-americano que já havia realizado para o mesmo estúdio o elogiado ‘Pesadelo em Elm Street 3’. No entanto, Russell não se mostrou muito interessado na violência gráfica da banda desenhada e contactou Mike Werb para escrever o argumento e ajudá-lo a transformar o filme numa espécie de comédia romântica fantástica.

O ano de 1994 foi inesquecível para Jim Carrey e marcou a sua carreira no cinema. Até então o actor canadiano somava apenas pequenos papéis no grande ecrã e participações em sketches humorísticos do programa televisivo ‘In Living Color’ mas tudo começou a mudar quando encarnou o protagonista em ‘Ace Ventura — Detective Animal’. No mesmo ano estrearia também ‘Doidos à Solta’ mas foi o filme que fez entre esses dois que tornou Carrey numa superestrela mundial e, provavelmente, o actor de comédia mais popular dos anos 90. ‘A Máscara’ acabou por valer-lhe uma nomeação para os Globos de Ouro e lançou também a carreira de Cameron Diaz, que teve o seu primeiro papel no cinema. A obra de Chuck Russell amealhou a soma impressionante de 351 milhões de dólares a nível internacional (na altura o segundo filme baseado numa banda desenhada que mais dinheiro rendeu depois do original ‘Batman’ de Tim Burton) e foi reconhecida com uma nomeação da Academia para Melhores Efeitos Visuais. O sucesso do filme originou uma sequela deprimente já sem Carrey em 2005 — ‘A Máscara 2 — A Nova Geração’; uma série de animação — ‘The Mask: The Animated Series’, que durou três temporadas e um videojogo exclusivo para a Super Nintendo.

‘A Máscara’ estreou em Portugal em Fevereiro de 1995 e foi um dos primeiros filmes que fui ver ao cinema a Lisboa só com um grupo de amigos, sem pais por perto e sem necessidade de boleia. Apesar da vontade de “emancipação” típica da adolescência, a verdade é que o filme funcionou muito bem para todos nós, com idades entre os 14 e 15 anos, ainda pelos elementos próprios de desenho animado que se sucedem quando o protagonista usa a máscara. Fez lembrar um pouco ‘Quem Tramou Roger Rabbit?’ (1988) pela interessante interacção entre actores de carne e osso e animação. Revi o filme mais umas vezes quando o meu irmão mais velho me ofereceu o mesmo em cassete VHS e com o passar do tempo fui identificando cada vez mais referências debitadas pelo “Máscara” nas suas inúmeras piadas, que vão desde ‘O Feiticeiro de Oz’ (1939) até a ‘O Fugitivo’ (1993). Quanto à infame sequela já referida, foi um dos primeiros filmes que me lembro de desistir de ver a meio. Geralmente dou o benefício da dúvida a um filme, seja no cinema ou em vídeo, quando o mesmo não me está a agradar na esperança de que melhore mas ‘A Máscara 2 — A Nova Geração’ é descaradamente mau demais para ser verdade, o que prova que, sem Jim Carrey a dar-lhe vida, esta máscara é apenas um mero pedaço de madeira.

Álbum: ‘Dookie’ — Green Day (1994)

Formados em 1987, os Green Day são uma banda norte-americana com uma carreira recheada de sucessos e reconhecimentos musicais. Billie Joe Armstrong (vocalista e guitarrista), Mike Dirnt (baixista) e Tré Cool (baterista) constituem o trio como a banda se tem apresentado desde 1990, quando o último substituiu John Kiffmeyer para a gravação do segundo álbum de originais. O primeiro trabalho dos Green Day — ‘39/Smooth’ — não teve repercussão nacional e a sua popularidade cingiu-se à cena punk californiana mas ‘Kerplunk’ (1991), o álbum seguinte, começou a despertar a atenção de editoras de maior dimensão. O produtor Rob Cavallo convenceu a banda a assinar pela Reprise Records (uma subsidiária da Warner fundada por Frank Sinatra) e aceitou co-produzir o terceiro álbum, numa colaboração que se repetiria por vários anos e com notável sucesso.

‘Dookie’ representou um passo de gigante para os Green Day, que passaram a ter reconhecimento nacional e internacional. Os singles ‘Longview’, ‘Welcome to Paradise’, ‘She’, ‘Basket Case’ e ‘When I Come Around’ (em especial os dois últimos) passavam em alta rotação nas rádios e nos canais televisivos de música e contribuíram sobremaneira para o sucesso comercial do álbum. Com uma produção mais cuidada e polida que a dos seus dois antecessores, Cavallo e a banda (após uma primeira mixagem recusada) uniram esforços para fazer transparecer uma sonoridade algo “seca” com semelhanças à sonoridade do único álbum dos Sex Pistols e aos primeiros da carreira dos Black Sabbath. Vencedor de um Grammy por ‘Melhor Álbum Alternativo’ e com o impressionante registo de mais 20 milhões de cópias vendidas por todo o mundo, ‘Dookie’ é visto como responsável por ter trazido uma nova vaga de punk rock (ou pop punk, segundo alguns críticos) para a ribalta popular, a par dos OffSpring e do seu álbum ‘Smash’, do mesmo ano.

Apesar do novo estatuto adquirido de superestrelas musicais, os Green Day não desaceleraram e continuaram a lançar álbuns e singles extraídos dos mesmos. ‘Insomniac’ (1995), ‘Nimrod’ (1997) e ‘Warning’ (2000) ajudaram a manter a popularidade da banda (apesar de alguma quebra nas vendas) mas foi precisamente dez anos depois de ‘Dookie’ que o trio californiano voltou em força com ‘American Idiot’, um álbum conceptual que mereceu aplausos por parte de praticamente toda a crítica especializada e público, dando até origem a um musical da Broadway. A produtora de videojogos Harmonix, criadora dos primeiros títulos da série ‘Guitar Hero’ e da sua própria franquia ‘Rock Band’ demonstrou interesse em desenvolver um jogo do mesmo género centrado na banda e nas suas canções (à semelhança do que já tinha feito com os Beatles) e ‘Green Day: Rock Band’ chegou às consolas em 2010. Seguir-se-iam mais álbuns, centenas de concertos e a certeza que os Green Day continuam vivos como nos anos 90.

Apesar de já conhecer e gostar das músicas que passavam nas rádios, foi quando um amigo meu me emprestou o CD de ‘Dookie’ que fiquei entusiasta dos Green Day. Estava habituado desde os anos 80 a canções de duração média de quatro minutos ou por volta disso e neste álbum surpreendeu-me o facto de que a larga maioria ficava-se pelos dois minutos e pouco, com algumas faixas até a ficarem abaixo dessa duração. Compreensivelmente, é algo característico do punk rock, com o ritmo mais acelerado a ditar canções mais curtas, à semelhança do que bandas do mesmo espectro (como os Ramones, que viria a descobrir mais tarde e que também aprecio muito) produziram no passado. O mesmo amigo também me emprestou o álbum seguinte ‘Insomniac’ mas foi ‘Dookie’ que me agarrou mesmo, tendo comprado uma cópia para mim alguns anos depois. Tive o privilégio de ver os Green Day ao vivo no então Pavilhão Atlântico em 2009, num concerto em que Billie Joe Armstrong convidou um fã para tocar guitarra com ele em palco e também joguei a versão do Rockband do grupo para a PS3, saindo-me bem melhor nos vocais do que na frenética guitarra ou bateria.

Videojogo: ‘Teenage Mutant Hero Turtles: The Hyperstone Heist’ (1992)

A repórter April O’Neil está em directo a partir de Liberty Island quando, num clarão repentino de luz, o seu público e ela mesma testemunham o desaparecimento da Estátua da Liberdade e de toda a ilha de Manhattan. O maléfico Shredder de seguida controla a transmissão televisiva e anuncia ao mundo que o que se passou foi apenas uma demonstração do poder da Hyperstone, um tesouro da Dimensão X. Com a Hyperstone em sua posse, ele agora tem o poder de dominar o mundo e desafia as quatro tartarugas ninja a impedi-lo. Leonardo, Donatello, Raphael e Michelangelo não têm outra escolha senão ir atrás de Shredder e dar cabo dos seus planos.

Aproveitando o pico de popularidade das Tartarugas Ninja tanto no pequeno como no grande ecrã, foi sem surpresa que ‘Teenage Mutant Ninja Turtles: Turtles in Time’ (1991) para arcade recebeu grande adesão do público mais jovem. Inevitavelmente, o sucesso do título da Konami deu origem no ano seguinte a uma versão com o mesmo nome para a Super Nintendo e a um semelhante jogo para a Mega Drive. ‘Hyperstone Heist’ reutiliza vários elementos de ‘Turtles in Time’ tais como a sua jogabilidade, música e efeitos sonoros. O jogo está dividido em cinco níveis e é possível de jogar a dois, cada um comandando a sua tartaruga favorita.

O trabalho da Konami com a franquia dos heróis de carapaça foi muito atencioso, revelando cuidado com o material de origem. Os inimigos são todos personagens reconhecíveis dos desenhos animados mas também dos filmes — ‘Tartarugas Ninja’ (1990) e ‘Tartarugas Ninja II: O Segredo da Lama Verde’ (1991) e os cenários variam entre os esgotos, a superfície e o Technodrome, o lar do vilão alienígena Krang. Os gráficos estão notáveis e a animação é um dos pontos altos do jogo, com vários apontamentos cómicos presentes como a Konami sempre nos habituou e que fazem todo o sentido no universo juvenil das Tartarugas Ninja.

‘Teenage Mutant Hero Turtles: The Hyperstone Heist’ figura em inúmeras listas de críticos e jogadores que elegeram os melhores jogos para a Mega Drive e eu concordo com a sua inclusão. Apesar de não deixarem de referir que é uma espécie de “clone” do já mencionado ‘Turtles in Time’, nunca cheguei a jogar este último e, sendo assim, não tenho meio de comparação. O que sei é que ‘Hyperstone Heist’ foi um dos jogos que tive para a consola da Sega, o único side-scroller com possibilidade de jogar a dois, e muito disfrutei do mesmo e dessa funcionalidade com primos e amigos. Só lamento que o jogo seja um pouco curto e passe a correr qual lebre mas no final, tal como na fábula de Esopo, é a tartaruga que vence.