Neste mês: um realizador novato que renegou a sua obra-prima que podia ter sido rodada nos dias que correm; um grupo de 5 músicos dos 5 maiores do género que se estreou logo com nota 10 e um videojogo em que a pancadaria e a música são uma dupla imbatível.
Filme: ‘América Proibida’ — American History X (1998)
Danny Vinyard (Edward Furlong) é um adolescente influenciável que sente uma enorme admiração pelo irmão mais velho, Derek (Edward Norton). Os irmãos fazem parte de uma família abalada pela perda precoce do pai, um bombeiro, que enquanto atendia a uma ocorrência num bairro negro, acabou por ser baleado. Incitado pelo facto, Derek desenvolve ódio aos negros e às minorias imigrantes e, influenciado por um cabecilha local, torna-se uma espécie de líder juvenil para um grupo de skinheads. A partir daí, ele inicia uma viagem ao mundo da violência que o acaba por levar à prisão. A estadia atrás das grades torna-o um herói da comunidade neo-nazi e a sua figura um exemplo para os jovens brancos que se sentem excluídos do bairro, incluindo o seu irmão Danny, que começa a seguir os seus passos. Devido às experiências passadas na prisão, Derek questiona os seus valores racistas com a mesma veemência com que os construiu. No decorrer de um único dia, tanto Derek quanto Danny relembrarão episódios do passado que os fizeram chegar àquele ponto e terão as suas vidas radicalmente transformadas.
David McKenna escreveu o argumento de ‘América Proibida’ quando tinha 26 anos e baseou-o nas experiências da sua infância e adolescência passadas em San Diego, na Califórnia. O guião foi vendido à New Line Cinema e o produtor John Morrissey interessou-se imediatamente pelo projecto escolhendo o estreante Tony Kaye para realizar o filme. O cineasta inglês, com experiência anterior apenas na realização de videoclipes musicais, acumulou as funções de director de fotografia e operador de câmara e optou por filmar as cenas contadas em flashback a preto e branco. Kaye entregou à New Line uma edição finalizada do filme de 95 minutos mas o estúdio insistiu em alargar a duração da película não em refilmagens mas através da inclusão de cenas já rodadas que haviam sido cortadas ou abreviadas pelo realizador. Uma nova e final edição do filme, com o apoio do actor principal Edward Norton e a duração de 119 minutos, foi aprovada por Morrissey, após testes de visionamento, para ser lançada nos cinemas. Kaye rejeitou a nova versão, tentou que o seu nome fosse excluído dos créditos e processou a New Line Cinema, acusando os executivos de violação da sua criatividade artística. Nunca saberemos qual o impacto que teria tido o filme se tivesse sido lançado sob a edição original de Tony Kaye mas a que chegou aos cinemas e aos formatos VHS e DVD não deixou de agradar ao público e à crítica. Ao invés, Kaye viu a sua carreira praticamente acabar quando mal tinha começado, tendo até à data apenas realizado mais uma longa-metragem e um documentário sem grande sucesso.
Já Edward Norton, que ganhou 11 kg de músculo para o papel de Derek Vinyard, viu o seu brilhante desempenho reconhecido com uma nomeação para Melhor Actor (perderia para Roberto Benigni em ‘A Vida É Bela’, uma das surpresas da noite dos Óscares de 1999) e disparou definitivamente para uma carreira de sucesso como um dos intérpretes mais solicitados da indústria. Já o outro Edward, Furlong, também em bom nível na contracena com Norton e que já tinha dado mostras do seu talento anos antes em ‘Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento’ (1991), viu a sua carreira começar a descarrilar pouco tempo após o filme por força da dependência de álcool e drogas e não mais voltou a conseguir papéis de relevo em Hollywood. Destaque para as presenças seguras em papéis secundários de veteranos como Stacy Keach, Elliott Gould ou Beverly D’Angelo.
A primeira vez que vi ‘América Proibida’ foi em VHS quando saiu para aluguer no videoclube em que trabalhei e fiquei impressionado, tanto pela qualidade do filme como pelo facto de este ter tido pouca ou nenhuma publicidade. É certo que Norton ainda não era a estrela que é hoje e Kaye revelou-se um estreante realizador que no final renegou a própria obra mas nem sequer me lembro do filme ter passado por cá nos cinemas. No videoclube foi um sucesso de aluguer e nos dias de hoje continua a ser utilizado para fins educacionais tanto nos Estados Unidos como um pouco por todo o mundo. ‘América Proibida’ não é perfeito e por vezes cai em alguns simplismos na abordagem à delicada e complexa temática do ódio racial mas a sua eficácia como “filme-mensagem” é inegável. Violência gera violência e esta constatação continua, infelizmente, tão actual como há 20 anos.
Álbum: ‘Ten’ — Pearl Jam (1991)
Destroçados pela súbita morte do vocalista Andrew Wood a dias do lançamento do álbum de estreia, os restantes membros dos Mother Love Bone colocaram um prematuro ponto final na carreira de uma banda hoje considerada como pioneira da cena grunge de Seattle. Alguns meses depois, Jeff Ament (baixo) e Stone Gossard (guitarra rítmica) começaram a ensaiar junto de Mike McCready (guitarra principal) e a vontade de fundar uma nova banda levou o trio a abrir audições para vocalista e baterista. Eddie Vedder respondeu à chamada e a sua voz impressionou os restantes, enquanto Dave Krusen assegurou o lugar vago na bateria. Estava formado o quinteto que inicialmente se apresentava como ‘Mookie Blaylock’ (o nome de um jogador da NBA da altura) mas que após assinar pela Epic Records mudou o nome para Pearl Jam. Ainda antes de avançarem para o trabalho de estreia da banda, Ament, Gossard, McCready e Vedder colaborariam com Chris Cornell e Matt Cameron dos Soundgarden para integrar os Temple of the Dog e gravar um álbum homónimo de homenagem a Wood.
Satisfeitos com a produção de ‘Temple of the Dog’, os Pearl Jam pediram a Rick Parashar para também produzir ‘Ten’, o álbum de estreia, integralmente escrito por Eddie Vedder. Muitas das músicas no disco surgiram de ensaios instrumentais ou de canções dos Mother Love Bone retrabalhadas para as quais Vedder compôs novas melodias e letras. O álbum não foi um sucesso imediato mas perto do final de 1992 já tinha atingido o segundo lugar da tabela da Billboard e até aos dias de hoje alcançou a certificação de disco de platina 13 vezes nos Estados Unidos e vendeu mais de 20 milhões de cópias em todo o mundo. Para atingir tal marca e afirmarem os Pearl Jam como uma das bandas mais populares a surgirem dos anos 90, muito contribuíram os três singles de maior sucesso de ‘Ten’: ‘Alive’, ‘Even Flow’ e ‘Jeremy’. Para além destes êxitos incontornáveis, merecem ainda destaque a faixa inicial mais pesada ‘Once’, a serena ‘Oceans’ e a belíssima ‘Black’, pela qual a Epic Records pressionou a banda para lançar como single e gravar um teledisco do mesmo. O quinteto recusou, alegando a carga emocional muito pessoal da canção, e o boicote em gravar novos videoclipes estender-se-ia até 1998.
‘Ten’ permanece como o seu álbum mais reconhecido pela crítica especializada e o de melhor desempenho comercial dos Pearl Jam mas a banda não ficaria por aqui. O sucessor ‘Vs.’ (1993) chegou a deter a marca de álbum com maior número de cópias em CD vendidas na primeira semana e ‘Vitalogy’ (1994) alcançou a multi-platina também rapidamente. A banda de Seattle continuaria prolífica durante os anos 90 com ‘No Code’ (1996) e ‘Yield’ (1998) a cimentarem a sua popularidade mesmo quando a cena grunge começava a perder fulgor. A primeira década do novo milénio trouxe mais quatro álbuns de originais dos Pearl Jam e também uma inovação no que diz respeito às actuações ao vivo. Para cada concerto da banda desde 2000, a mesma lançou uma série de “official” bootlegs (em tradução livre, uma espécie de contrabando oficial) com a gravação áudio integral de todos o espectáculos. A estreia ocorreu precisamente no nosso país, a 23 de Maio, no Estádio do Restelo, com um CD duplo de qualidade embalado numa simples capa de cartão quase descaracterizada a sair para as lojas perto do final desse ano. Desta forma, os Pearl Jam estabeleceriam um recorde para maior número de álbuns a estrearem na tabela Billboard 200 ao mesmo tempo. Actualmente, e depois de 11 álbuns de estúdio e milhares de concertos, a banda mantém-se em actividade e apenas com uma diferença em relação ao quinteto que gravou o primeiro álbum, com Matt Cameron a substituir Dave Krusen na bateria.
Quando o meu irmão mais velho comprou ‘Ten’ e o CD começou a tocar na aparelhagem que tínhamos no quarto, o fenómeno grunge ainda não tinha explodido como viria a acontecer pouco tempo depois. Apesar de hoje ser considerado um dos álbuns essenciais deste estilo musical, a verdade é que também são nítidas as influências do rock clássico e hard e talvez por estas terem sido as minhas maiores referências desde a infância gostei imediatamente do som dos Pearl Jam. Aos poucos, ‘Alive’ e ‘Even Flow’ começaram a passar nas rádios e nos programas de telediscos, ao mesmo que tempo que os Nirvana e o seu ‘Nervermind’, igualmente de 1991, se chegavam à frente pela afirmação do rock alternativo. Sempre gostei das duas bandas, apesar de existir uma certa rivalidade entre ambas principalmente fomentada pelas acusações de Kurt Cobain que os Pearl Jam não eram verdadeiramente alternativos porque tinham muitos solos de guitarra. Infelizmente a rivalidade não durou muito tempo devido à morte de Cobain e é curioso constatar que, 30 anos depois do pico de popularidade do grunge, só o vocalista de uma das 5 maiores bandas associadas a este estilo permanece vivo. Depois do líder dos Nirvana também Layne Staley (Alice in Chains), Scott Weiland (Stone Temple Pilots) e Chris Cornell (Soundgarden) perderiam a vida, deixando Eddie Vedder como o último sobrevivente de uma geração.
Videojogo: ‘Streets of Rage’ (1991)
A cidade já foi um lugar feliz e tranquilo… até que um dia uma poderosa organização criminosa tomou conta da mesma. O sindicato cruel liderado pelo misterioso Mr. X rapidamente obteve o controlo do governo e até mesmo da polícia. A cidade tornou-se um centro de violência e de criminalidade onde ninguém está seguro. No meio dessa turbulência, um grupo de jovens determinados, ex-agentes policiais, jurou limpar a cidade. Entre eles estão Adam Hunter (lutador de boxe), Axel Stone (especialista em artes marciais) e Blaze Fielding (mestre em judo). Eles estão dispostos a arriscar qualquer coisa, até as suas próprias vidas, nas “ruas de fúria”.
Acima está a própria introdução de ‘Streets of Rage’, videojogo de luta que a Sega desenvolveu em 1991 como sucessor do célebre ‘Golden Axe’ (1989). Contudo, as semelhanças com o famoso jogo de estilo medieval ficam-se pela mecânica beat ’em up, uma vez que a aventura protagonizada por Adam, Axel e Blaze aproxima-se mais da estética urbana contemporânea de títulos rivais como ‘Double Dragon’ (1987) ou ‘Final Fight’ (1989). Produzido pela dupla Noriyoshi Ohba e Hiroaki Chino (design) e Hiroshi Momota (programação), ‘Streets of Rage’ é composto por oito níveis e no final de cada um o jogador enfrentará um boss, com a excepção da sétima fase. A cada nível os heróis terão a possibilidade de chamar um carro da polícia que dispara explosivos para ajudar a derrotar os inimigos presentes no ecrã. O caricato dá-se quando o reforço aparece para salvar o dia em locais menos acessíveis como o interior de uma fábrica ou mesmo dentro de um navio.
O jogo tem um final alternativo e inovador no modo de dois jogadores em que ambos são desafiados a juntarem-se à organização criminosa de Mr. X. Basta haver uma discordância de decisão para que estes se tenham que enfrentar até à morte de um deles. De seguida, Mr. X volta a convidar o vencedor do combate entre antigos parceiros para este tornar-se o seu braço-direito e a eventual recusa do jogador colocá-lo-á num frente-a-frente com o chefe do crime, cujo lugar o “ex-herói” passará a ocupar se o vencer na luta final. O final subversivo tem a sua própria faixa criada por Yuzo Koshiro e o trabalho do compositor japonês em todo o jogo é, aliás, um dos grandes destaques deste beat ’em up da Sega. A empolgante banda sonora de ‘Streets of Rage’, com influências do house e techno a fazer lembrar as batidas produzidas pelas populares caixas de ritmos Roland, puxou ao máximo as capacidades da placa de som da Mega Drive e foi aclamada como umas das melhores de sempre alguma vez produzidas para um jogo de 16 bits.
O sucesso assinalável de ‘Streets of Rage’ significou a portabilidade do videojogo para as restantes consolas da Sega na altura e também para as máquinas de arcade. Seguir-se-iam o igualmente popular ‘Streets of Rage 2’ (1992) e o menos elogiado ‘Streets of Rage 3’ (1994) até a saga fazer uma pausa de 26 anos. ‘Streets of Rage 4’ sairia em 2020, após a francesa Dotemu assegurar os direitos da série junto da sua congénere nipónica. O jogo original continua a ser o meu preferido de toda a saga e, apesar de nunca o ter tido para a Mega Drive, joguei várias vezes em casa de amigos e até me foi emprestado a dada altura. Como um dos maiores clássicos da Sega, ‘Streets of Rage’ tem invariavelmente feito parte de inúmeras compilações de jogos de Mega Drive para as consolas de gerações seguintes, desde a PS2 à PS4, permitindo a novos jogadores experienciarem um título característico do seu tempo e que deixou a sua marca como um dos mais populares videojogos da primeira metade dos anos 90.