Total 90s — XIII

Neste mês: a realidade imita a ficção de uma forma trágica e imortaliza um filme; um prodigioso grupo electrónico punk que atingiu o estrelato ao atear fogo e um jogo de computador em que vale tudo na neve menos desligar o som.

Filme: ‘O Corvo’ — The Crow (1994)

Na noite antes de seu casamento, o músico de rock Eric Draven (Brandon Lee) e a sua noiva Shelly Webster (Sofia Shinas) são brutalmente assassinados por membros de um gangue violento do centro de Detroit. No aniversário da sua morte, Eric é trazido de volta do mundo dos mortos e assume o misticismo gótico do Corvo, um vingador sobrenatural, procurando um por um e de forma impiedosa todos os bandidos responsáveis pelo homicídio do casal. Draven terá ainda que enfrentar Top Dollar (Michael Wincott), o líder da quadrilha que planeia tornar a cidade um caos, para completar a sua macabra missão e assim poder finalmente descansar em paz.

Antigamente as pessoas acreditavam que quando alguém morria, um corvo carregava a sua alma para a terra dos mortos. Mas às vezes acontece algo tão mau que uma tristeza terrível é levada junto com a alma e ela não consegue descansar. Então, às vezes, somente às vezes, o corvo consegue trazer a alma de volta para resolver o que está errado”.

A citação provém da obra de banda desenhada ‘O Corvo’ (1989), da autoria do norte-americano James O’Barr, a graphic novel independente a preto e branco mais vendida de sempre e que deu origem ao filme realizado pelo australiano Alex Proyas. David J. Schow e John Shirley escreveram o argumento e a Paramount Pictures iria produzir e distribuir a película. No entanto, no dia 31 de Março de 1993, a poucos dias de se dar por terminada a rodagem do filme, um chocante acontecimento veio alterar tudo.

O actor Brandon Lee, protagonista do filme, faleceu durante as filmagens num trágico acidente. Uma das cenas rodadas exigia que uma arma fosse carregada, engatilhada e apontada para a câmara mas, por causa da curta distância do plano, a munição carregada era verdadeira, embora sem pólvora. Após a realização desta cena, o assistente do armeiro não limpou correctamente a arma para retirar as cápsulas e um dos projécteis ficou alojado no cano. A cena seguinte indicava que o vilão Funboy deveria disparar contra Eric Draven quando este entrasse na sala, estourando um saco de sangue falso. Contudo, o projéctil que estava preso no cano foi disparado, atingindo mortalmente o actor no abdómen. Após um período de luto e indefinição, a Paramount deixou cair o filme mas o realizador queria lançar a obra como homenagem a Brandon, que já havia filmado a maioria das suas cenas. Com a entrada da Miramax como distribuidora e a assegurar o financiamento extra necessário, o filme foi finalmente completado através da reescrita de algumas cenas, o uso de um duplo de Lee e efeitos digitais.

É praticamente impossível dissociar o filme da morte em plena rodagem do seu protagonista e mesmo como espectador esse pensamento surge frequentemente, ainda mais quando o tema da obra de Alex Proyas é centrado na dicotomia entre vida e morte e o uso de armas de fogo é abundante no ecrã. Brandon Lee, filho da mítica lenda das artes marciais Bruce Lee, começava a afirmar-se em Hollywood, depois de películas como ‘Fúria no Bairro Japonês’ (1991) e ‘Fogo Rápido’ (1992), e este seu derradeiro filme era visto como a sua maior oportunidade em tornar-se uma das grandes estrelas de acção dos anos noventa. Objectivamente, ‘O Corvo’ é uma boa obra dentro do seu género e uma das melhores adaptações de uma banda desenhada mais adulta e menos juvenil, com um tom negro e uma estética gótica muito característica. O sucesso do filme de Proyas, hoje uma película de culto, deu origem a três sequelas e uma série de televisão mas em nenhuma destas continuações foi possível trazer de volta o fascínio do original.

Álbum: ‘The Fat of the Land’ — The Prodigy (1997)

Os Prodigy são uma banda inglesa de música electrónica formada em 1990 pelo produtor Liam Howlett, que assegura toda a parte instrumental e a maioria das letras das canções. Apesar de não contribuírem musicalmente para a gravação do primeiro álbum — ‘Experience’, de 1992, Maxim, Keith Flint e Leeroy Thornhill fizeram parte da banda desde o início após serem convidados por Howlett para animar os espectáculos ao vivo como dançarinos. ‘Music for the Jilted Generation’ (1994), o segundo trabalho de originais, já contou com o contributo vocal de Maxim em algumas faixas e atingiu o primeiro lugar de vendas no Reino Unido para além de uma efectiva entrada no mercado norte-americano, muito pela presença de várias músicas na banda sonora do filme ‘Hackers — Piratas Cibernéticos’ (1995), destacando-se ‘Voodoo People’.

Apesar dos próprios descreverem o seu estilo como “punk electrónico”, os Prodigy são hoje creditados, juntamente com os Chemical Brothers e Fatboy Slim, como pioneiros do subgénero Big Beat, estilo caracterizado por aceleradas batidas de Hip Hop juntamente com ritmos de Funk, podendo ainda incluir distorções de riffs de guitarras. A popularidade dos Prodigy atingiria o seu pico com ‘The Fat of the Land’, terceiro álbum datado de 1997 que foi precedido pelo lançamento dos bem-sucedidos singles ‘Firestarter’ e ‘Breathe’ um ano antes. O novo disco destacou-se dos anteriores pelo maior protagonismo de Keith Flint, que deixou de ser apenas um dos dançarinos da banda para passar a vocalista em quatro canções e co-compositor em três, incluindo os referidos maiores êxitos. Flint surpreendeu também a nível visual, com um estilo punk muito próprio que o tornou a face icónica dos Prodigy.

‘Firestarter’ abriu o caminho do sucesso para a banda, atingindo o primeiro lugar na tabela de singles no Reino Unido e tornando-se no primeiro êxito internacional do conjunto inglês. Seguiu-se ‘Breathe’, que repetiu o lugar cimeiro e ainda vendeu mais, e ‘Smack My Bitch Up’, cuja letra e videoclipe realizado pelo conceituado realizador sueco Jonas Åkerlund, causaram controvérsia. A faixa que abre o álbum acabou mesmo por ser barrada por várias rádios e canais musicais, incluindo a MTV, onde mais tarde ironicamente arrecadaria dois prémios. Para além dos três singles de sucesso, destacam-se ainda as faixas ‘Mindfields’, que viria a fazer parte da banda sonora de ‘Matrix’ (1999); ‘Narayan’, com a participação vocal de Crispian Mills dos Kula Shaker e ‘Fuel My Fire’, versão de uma canção das L7 com o contributo de Saffron, vocalista dos Republica. Ao todo, ‘The Fat of the Land’ conseguiu a proeza sempre assinalável de ter sido número um nos dois lados do Atlântico, tendo até entrado para a história como um dos álbuns britânicos que mais venderam na sua primeira semana.

(Videoclipe banido do YouTube)

Os Prodigy actuaram em Portugal em múltiplas ocasiões e eu tive o privilégio de os ver ao vivo no festival Optimus Alive de 2009, onde foram cabeças de cartaz do seu dia. Confirmando os seus créditos firmados de grande banda ao vivo, Howlett, Flint e Maxim deram um grande concerto e levaram o público ao rubro, especialmente quando tocaram os maiores êxitos. Apesar de não voltar a ter tido outro esmagador sucesso de vendas (mais de 10 milhões de cópias) como ‘The Fat of the Land’ e respectivos singles, a banda manteve-se continuamente em actividade e sempre muito requisitada para se apresentar ao vivo. Tudo mudaria em 2019 com a morte de Keith Flint, um duro golpe do qual a banda ainda não recuperou e que desde então tem colocado em dúvida o futuro dos Prodigy.

Jogo de computador: ‘Ski or Die’ (1990)

Neste videojogo de desportos de inverno, o jogador pode escolher treinar, enfrentar uma única modalidade ou participar em todas as cinco em sequência, neste caso competindo por uma pontuação total com base nas várias classificações. As modalidades são, segundo o seu nome original: Snowboard Halfpipe, Innertube Thrash, Acro Aerials, Downhill Blitz e Snowball Blast. O jogo permite a participação até seis jogadores em modo hotseat (à vez) na maior parte das disciplinas, sendo a excepção o Innertube Thrash, que possibilita a competição entre dois jogadores ao mesmo tempo.

O primeiro ‘Skate or Die!’, desenvolvido pela Electronic Arts (EA) em 1987, deu origem a uma franquia de jogos de skate nos anos seguintes e a esta espécie de versão de inverno em ambiente de neve. Lançado em 1990 para o MS-DOS, Commodore 64 e Amiga pela mesma norte-americana EA e através da japonesa Konami para a Nintendo Entertainment System (NES), o jogo foi bem recebido pela variedade de provas, música rock e sentido de humor, uma imagem de marca da série e que acompanha cada uma das modalidades de jogo.

Snowboard Halfpipe, tal como o nome indica, é uma prova de snowboard dentro de uma secção em forma de U, com uma visão em perspectiva por trás da personagem. Existem obstáculos para evitar e bónus para amealhar para além dos pontos que são ganhos fazendo acrobacias e saltando pela borda da pista sem cair. Em Innertube Thrash, dois adversários deslizam ao longo de uma encosta em cima de boias. O jogador compete simultaneamente contra o computador ou contra outro jogador humano podendo apanhar objectos na descida que podem ser usados para atrasar o adversário. Acro Aerials consiste em efectuar saltos de esqui. O jogador esquia antes do próprio salto e, uma vez no ar, tem que realizar acrobacias e finalmente pousar corretamente. Cinco juízes darão notas aos saltos. Downhill Blitz é uma descida sobre esquis deslizantes verticais em percurso irregular, com ramificações, precipícios e interrupções para saltos com acrobacias. Por fim, Snowball Blast consiste numa luta de bolas de neve com visão em primeira pessoa. O jogador tem que acertar nos oponentes que passam ou surgem no ecrã em várias distâncias antes que estes lancem bolas contra si e cubram-no completamente de neve.

‘Ski or Die’ era um dos jogos presentes nas disquetes que o meu irmão mais velho trouxe para casa para jogarmos às escondidas no computador do meu pai. Para além das provas em si e dos apontamentos cómicos que faziam as delícias de uma criança de 10 anos, há algo que relembro imediatamente acerca do jogo: a música. Desde o momento que o jogo carregava éramos brindados com um tema inicial tão estridente que alertava qualquer pessoa que estivesse perto. A música para os computadores com placa de som era bem mais agradável (várias faixas impressionantes de rock que até posteriormente motivariam diversos vídeos de guitarra eléctrica no YouTube) mas o do meu pai apenas emitia som através do PC speaker (o alto-falante interno do computador) e o áudio definitivamente atingia um nível épico de “histerismo” nas notas mais altas, o que alertava toda a gente em casa.