Total 90s — XV

Neste mês: uma obra épica com uma série de imprecisões históricas gritantes que não abafam o grito de liberdade vindo de um coração corajoso; um artista simples e uma banda de quebra-corações que aprenderam a voar e um videojogo de futebol que chegou sem pedir licença e roubou a bola ao dono do jogo.

Filme: ‘Braveheart — O Desafio do Guerreiro’ — Braveheart (1995)

Nos finais do século XIII, a Escócia, devido a uma crise dinástica, é integrada na Inglaterra. O rei Eduardo I (Patrick McGoohan) e os seus nobres, aproveitando as divisões da nobreza escocesa, humilham o país, que dominam com mão de ferro. Uma das vítimas da opressão inglesa é William Wallace (Mel Gibson), cuja noiva é executada pelos ingleses. Wallace, à cabeça de um exército de camponeses e patriotas, enfrenta os ingleses e empurra os seus exércitos até as fronteiras originais da Escócia. Vence a batalha de Stirling e toma a cidade de York na Inglaterra. Eduardo “Pernas Longas” envia a Princesa Isabelle de França (Sophie Marceau), casada com o seu filho, para negociar com Wallace. Esta deixa-se seduzir pelo herói escocês, torna-se sua amante e espia junto dos ingleses, que não descansarão enquanto Wallace não for capturado.

O norte-americano Randall Wallace inspirou-se no poema épico do século XV ‘The Actes and Deidis of the Illustre and Vallyeant Campioun Schir William Wallace’ por parte do poeta escocês Blind Harry para escrever o argumento. O produtor Alan Ladd Jr. interessou-se pelo trabalho de Wallace e Mel Gibson propôs-se inicialmente para realizar o filme, pensando em Brad Pitt para o papel principal. Gibson acabaria por reconsiderar e avançar ele próprio como protagonista, conseguindo desta forma convencer a Paramount Pictures e a 20th Century Fox (para distribuição nos Estados Unidos e a nível internacional, respectivamente) a garantir o financiamento do filme, filmado na Escócia e na Irlanda com um orçamento avaliado entre os 65 e os 70 milhões de dólares.

‘Braveheart’ foi um sucesso esmagador junto da crítica e das bilheteiras, amealhando mais de 210 milhões de dólares em todo o mundo e sendo distinguido com 10 nomeações para os Óscares da Academia, das quais venceu 5, incluindo os prestigiantes troféus de Melhor Filme e Melhor Realizador. Apesar de todo o sucesso, a apenas segunda obra de Mel Gibson atrás das câmaras não livrou o actor e realizador norte-americano radicado desde adolescente na Austrália de críticas quanto às imprecisões históricas do seu épico. Vários académicos e historiadores criticaram diversos anacronismos presentes no enredo e mesmo a veracidade de alguns deles. É perfeitamente crível que os próprios relatos do poema de Blind Harry (por muitos séculos a segunda publicação mais popular da Escócia depois da Bíblia), escritos cerca de 150 anos após a morte de William Wallace, possam ter imprecisões logo de partida e o argumentista Randall Wallace ainda acabaria por fomentar mais liberdades criativas no seu argumento, com a concordância de Gibson, para razões de entretenimento.

Num tempo actual em que, infelizmente, palavras como “invasão”, “guerra”, “Independência” ou “liberdade” andam nas bocas do mundo, a história do lendário herói escocês William Wallace, que inspirou um povo oprimido, veio à memória. Demorei algum tempo a ver ‘‘Braveheart — O Desafio do Guerreiro’ pela primeira vez desde que estreou por cá em Dezembro de 1995. Não o consegui ir ver ao cinema e quando chegou aos clubes de vídeo também não o aluguei logo. Apesar de ter ficado instantaneamente com a ideia de que seria um tipo de filme que iria gostar, o facto de já saber mais ou menos como acabava e a duração de três horas foram adiando o visionamento do mesmo. Quando finalmente o vi fiquei muito agradado e comparando posteriormente os registos “enciclopédicos” com o enredo do filme consigo compreender as opções tomadas de forma hábil por Wallace e Gibson para tornar ‘Braveheart’ um épico melodrama histórico apelativo ao grande público.

Álbum: ‘Into the Great Wide Open’ — Tom Petty and the Heartbreakers (1991)

Tom Petty foi um músico norte-americano cuja carreira de sucesso de mais de 40 anos incluiu trabalhos a solo, a liderança dos Heartbreakers e ainda a presença no supergrupo Travelling Wilburys. Natural de Gainesville, na Florida, e inspirado por lendas do rock como Elvis Presley, Beatles e Rolling Stones, Petty formou a sua primeira banda em 1970. Os Mudcrutch gozaram de sucesso no seu estado natal mas a mudança para Los Angeles não correu da melhor forma. O fim do grupo levaria ao nascimento da banda Tom Petty and the Heartbreakers em 1976, com o líder Petty na voz e guitarra rítmica, Mike Campbell na guitarra principal, Benmont Tench nos teclados (todos ex-Mudcrutch), juntando-se a Ron Blair no baixo e Stan Lynch na bateria.

Representantes de um estilo musical apelidado de heartland rock, caracterizado por um som mais simples e directo e com menos artificialismo de estúdio, Tom Petty e os Heartbreakers tiveram vários álbuns bem-sucedidos nos Estados Unidos, alternados com trabalhos a solo do seu vocalista. O primeiro chegaria em 1989, de seu nome ‘Full Moon Fever’, a daria a conhecer ao mundo os êxitos ‘Free Fallin’ e ‘I Won’t Back Down’. Pelo meio, Petty integrou o projecto Traveling Wilburys na companhia de Bob Dylan, Roy Orbison, George Harrison (ex-Beatles) e Jeff Lyne, dos Electric Light Orchestra. O supergrupo ainda editou dois álbuns em 1988 e 1990, este último já após a morte de Orbison. Tom Petty regressaria aos Heartbreakers em 1991 para lançar um dos álbuns mais elogiados de toda a carreira.

‘Into the Great Wide Open’ produziu oficialmente sete singles mas foi o primeiro — ‘Learning to Fly’, lançado ainda antes do próprio álbum, que deu o impulso de popularidade necessário. Composto por Petty e Lyne e baseado em apenas quatro acordes, o tema atingiu o primeiro lugar da tabela da Billboard ‘Album Rock Tracks’ e passou frequentemente nas rádios. O segundo single, que deu nome ao álbum, conta a história de um músico desde a chegada ao estrelato até ao seu declínio, interpretado por Johnny Depp no respectivo videoclipe e com participações de outros actores famosos como Faye Dunaway e Matt LeBlanc, o célebre Joey da série ‘Friends’. ‘Out in the Cold’, ‘Too Good to Be True’, ‘Kings Highway’, ‘Makin’ Some Noise’ e ‘All or Nothin’ representaram os restantes cinco singles, de um total de 12 faixas que compõem o album. Tom Petty continuaria a lançar álbuns e a dar concertos até falecer em 2017, aos 66 anos.

Já conhecia ‘Learning to Fly’ da rádio quando o meu irmão mais velho comprou o álbum em CD mas, apesar de gostar da música, não era dos discos que mais colocava para ouvir na aparelhagem do quarto. Afinal, era uma época em que ainda reinava o hard rock proveniente dos anos 80 e por outro lado já começava a surgir em força o grunge, pelo que a música de Tom Petty e a sua banda soava-me, como pré-adolescente, talvez “calminha” demais. No entanto, com o passar do tempo, aprendi a gostar e a valorizar este álbum cada vez mais. Entre músicas mais mexidas e outras mais tranquilas, não há nenhuma canção que goste de saltar quando ouço o álbum e é, ainda hoje, um dos meus preferidos para ouvir em viagem.

Videojogo: ‘International Superstar Soccer Pro 98’ (1998)

O lançamento de ‘FIFA International Soccer’ no final de 1993, inicialmente apenas para a Mega Drive e no ano seguinte para toda a variedade de consolas e PC, deu início à série FIFA e a um domínio do mercado dos videojogos de futebol que não teve um rival à altura nos anos imediatos. Apesar de alternativas válidas de jogabilidade diferenciada como a saga ‘Sensible Soccer’, a popularidade do título da Electronic Arts continuou a crescer ano após ano. Contudo, o “contra-ataque” estava a ser preparado no Japão. ‘International Superstar Soccer’ (1994), apesar de ainda inferior ao primeiro ‘FIFA’, representou o início de uma série de jogos do desporto-rei produzida pela Konami.

A inclusão do sufixo ‘Pro’ à série ‘ISS’ deu origem a uma nova era que teve em ‘International Superstar Soccer Pro’ (1997) um videojogo revolucionário. Desenvolvido pela Konami Tokyo, ‘ISS Pro’ introduziu um novo motor 3D capaz de melhores gráficos e jogabilidade mais sofisticada que o seu rival da EA Sports. Enquanto ‘FIFA’ tinha uma abordagem mais simples de estilo arcade, ‘ISS Pro’ introduziu uma jogabilidade de simulação mais complexa, enfatizando tácticas (com nove opções de estratégia) e improvisação de diferentes tipos de jogadas e golos por parte do jogador ao comando da sua equipa.

‘International Superstar Soccer Pro 98’ chegou no ano seguinte, para coincidir com o Campeonato do Mundo de Futebol realizado em França, e apesar de não ser um título oficial do torneio, a maioria da crítica especializada pontuou-o melhor que o congénere ‘FIFA’. Relativamente ao seu antecessor, ‘ISS Pro 98’ trouxe melhoramentos e novidades tais como o aumento no número de equipas nacionais selecionáveis, o número de jogadores convocáveis por equipa, cinco novos estádios, novos modos de jogo (incluindo treino livre) e a opção de poder editar os nomes dos jogadores (que por falta de acordo com a FIFPro não têm os seus nomes verdadeiros no jogo), apesar dos fictícios se assemelharem aos reais e as estatísticas (e até aparência) dos atletas permitirem concluir acerca das suas identidades.

Não tive a PlayStation original mas costumava jogar em casa do meu primo este jogo de futebol. Apesar de quase sempre perder, divertia-me em ‘ISS Pro 98’ a jogabilidade diferenciada comparando com os jogos ‘FIFA’ da época e como era possível marcar (e sofrer) golos de várias formas, ao contrário da maioria dos outros jogos que quase todos tinham uma “manha” de onde rematar para ser sempre golo ou de um tipo de jogada infalível. Dois anos mais tarde, quando adquiri a PlayStation 2, acabei por comprar o jogo numa promoção (e com a particularidade de trazer uma demo de ‘Metal Gear Solid’) e diverti-me mais com um jogo da geração anterior que com o próprio ‘FIFA 2001’ que veio com a consola. O videojogo acabou por dar origem à série ‘Pro Evolution Soccer’ (PES), que tornar-se-ia a grande rival de ‘FIFA’ nas duas décadas seguintes.