Total 90s — XVI

Neste mês: o sexto sentido da Disney para o negócio como imagem de marca; o super desconhecido que deu a conhecer uma banda de pioneiros e uns pistoleiros do pôr-do-sol que disparam em todas as direcções.

Filme: ‘O Sexto Sentido’ — The Sixth Sense (1999)

O psicólogo infantil Malcolm Crowe (Bruce Willis) é um respeitado profissional que abraça com dedicação tratar do caso de Cole Sear (Haley Joel Osment), uma criança de oito anos com dificuldade em se ambientar na escola e que vive paralisado de medo ao afirmar ver “pessoas mortas”. Aos poucos, porém, o Dr. Malcolm descobre que o caso pode ser muito mais complexo do que supunha, trazendo à tona os eventos que levaram um antigo paciente a suicidar-se à sua frente e à traumática dissolução do seu casamento.

David Vogel, na altura presidente de produção dos Estúdios Walt Disney, leu o argumento escrito por Manoj Nelliyattu “M. Night” Shyamalan, um jovem cineasta indiano-americano praticamente desconhecido em Hollywood, e adorou-o. Mesmo sem obter a aprovação corporativa, Vogel avançou para a compra do guião por três milhões, negócio que incluía uma cláusula que garantia a Shyamalan a realização do filme. A Disney então despediu Vogel e vendeu os direitos de produção à Spyglass Entertainment, conservando os direitos de distribuição e de 12.5% dos ganhos de bilheteira, o que provou ser um grande negócio. Com o filme a ser um grande sucesso nas salas de cinema, ‘O Sexto Sentido’ chegou aos formatos VHS e DVD no ano seguinte, beneficiando sobremaneira da afirmação comercial do novo sistema de vídeo no início do milénio. Foi o DVD mais vendido de 2000, assim como, juntando os números dos dois formatos, um dos filmes mais alugados de sempre nos Estados Unidos.

M. Night Shyamalan viu a sua obra ser reconhecida pela Academia com seis nomeações: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original, Melhor Montagem, Melhor Actriz Secundária (Toni Collette, no papel da mãe de Cole) e Melhor Actor Secundário (Haley Joel Osment). O filme acabou por não arrecadar nenhum Oscar mas previa-se um futuro brilhante em Hollywood para o pequeno Haley Joel e Shyamalan. Apesar de muito activo no cinema e televisão desde tenra idade até aos dias de hoje, Osment tem passado ao lado de uma grande carreira desde que chegou à idade adulta, com papéis e projectos sem grande destaque. Já Shyamalan, que ganhou fama pelo final surpreendente de ‘O Sexto Sentido’ e que continuou a aplicar a sua especialidade em plot twists nos seus filmes seguintes — ‘O Protegido’ (2000), ‘Sinais’ (2002) e ‘A Vila’ (2004), tornou-se refém da sua própria imagem de marca e quando optou por se libertar da mesma os seus filmes tornaram-se insípidos, como são, a título de exemplo, os casos de ‘O Acontecimento’ (2008) ou ‘O Último Airbender’ (2010).

Num tempo em que a internet ainda dava os primeiros passos e em que as redes sociais tal como as conhecemos hoje ainda não existiam, a possibilidade de um filme surpreender o espectador com um final inesperado era bem mais elevada. Nos dias que correm, quase que somos obrigados a evitar ler quaisquer comentários sobre uma obra de cinema ou série televisiva sob risco de conterem os malfadados spoilers. Confesso que não esperava o final surpreendente quando vi ‘O Sexto Sentido’ pela primeira vez no cinema e isso contribuiu seguramente para que tivesse gostado ainda mais do filme. Admito também que recuperei esta obra para o artigo deste mês como uma espécie de homenagem à carreira de Bruce Willis, recentemente terminada por razões de saúde. Saludo um dos maiores actores de filmes de acção da minha infância e juventude, com personagens imortais como John McClane (da saga ‘Die Hard’), Butch Coolidge (de ‘Pulp Fiction’), Korben Dallas (‘O 5º Elemento’) ou mesmo este Malcolm Crowe a quem Willis deu… “vida”.

Álbum: ‘Superunknown’ — Soundgarden (1994)

Os Soundgarden foram uma banda de rock formada em 1984 na cidade de Seattle. Considerados uns dos quatro grandes representantes da música grunge provenientes do estado de Washington, juntamente com os seus contemporâneos Alice in Chains, Nirvana e Pearl Jam, o quarteto composto por Chris Cornell (voz e guitarra rítmica), Kim Thayil (guitarra principal), Ben Shepherd (baixo) e Matt Cameron (bateria) foi um dos pioneiros do género. Apesar de reconhecidos e influentes na cena de Seattle, os dois primeiros álbuns da banda passaram despercebidos do panorama musical mais abrangente, pelo que só após assinarem com a A&M Records é que o seu terceiro trabalho de originais conseguiu chegar a mais público. ‘Badmotorfinger’ saiu em 1991 e valeu aos Soundgarden uma nomeação aos Grammy e a possibilidade de abrir alguns dos concertos dos Guns N’ Roses durante a gigantesca digressão ‘Use Your Illusion’.

Com os Nirvana e os Pearl Jam, a marcarem 1991 e a história do rock com as suas obras-primas ‘Nevermind’ e ‘Ten’, respectivamente, é curioso que os Soundgarden, que até surgiram anos antes e ajudaram a definir a sonoridade grunge, só tenham alcançado o seu grande sucesso comercial em 1994 com ‘Superunknown’. O quarto álbum de estúdio da banda, produzido em conjunto com Michael Beinhorn, alcançou de imediato o lugar cimeiro da Billboard, tendo vendido domesticamente, só na primeira semana, 310 mil unidades. Unanimemente aclamado pela crítica musical, o disco acabou por chegar à certificação de platina por cinco vezes e vendeu mais de nove milhões de cópias por todo o mundo. Atestando a qualidade de ‘Superunknown’ e ao mesmo tempo contribuindo para a popularidade dos Soundgarden, cinco singles for lançados: ‘Spoonman’, ‘The Day I Tried to Live’, ‘Black Hole Sun’, ‘My Wave’ e ‘Fell on Black Days’.

‘Spoonman’ e ‘Black Hole Sun’ arrecadaram prémios na edição dos Grammy de 1995, por ‘Melhor Actuação de Metal’ e ‘Melhor Actuação Hard Rock’, respectivamente. A primeira foi baseada no artista de rua Artis the Spoonman, que contribuiu com as suas colheres para a gravação da música e aparece com destaque no correspondente videoclipe enquanto a segunda tornou-se no maior êxito da carreira da banda e é uma das canções mais reconhecíveis dos anos 90. De ritmo lento, arranjos musicais incomuns e uma letra críptica, ‘Black Hole Sun’ fugiu do estereótipo de um som grunge mas conquistou o público pela sua singularidade e um refrão que fica no ouvido. Os Soundgarden lançariam apenas mais um álbum — ‘Down on the Upside’, em 1996, até fazerem uma pausa no ano seguinte que duraria vários anos. Durante esse tempo, Chris Cornell juntou-se a Tom Morello, Tim Commerford e Brad Wilk (todos ex-Rage Against the Machine) e integrou o supergrupo Audioslave, que gravou três álbuns. O regresso dos Soundgarden dar-se-ia em 2010, com mais um trabalho de originais, mas a morte de Cornell em 2019 levou ao fim definitivo da banda.

A ideia inicial para o artigo era apenas destacar a canção ‘Black Hole Sun’, uma das minhas favoritas da década em retrospectiva, até porque nunca tive um álbum dos Soundgarden ou sequer tinha ouvido ‘Superunknown’ na sua totalidade. Ao aperceber-me que conhecia quase metade das músicas que compõem o álbum, decidi escutá-lo integralmente e mudei de ideias. Para além da rotulagem grunge, facilmente identificada em várias faixas, são audíveis influências de outros géneros, o que o torna um trabalho muito interessante. Sempre fui fã da voz poderosa de Chris Cornell, tanto enquanto vocalista dos Soundgarden ou de outros projectos como os Audioslave ou Temple of the Dog, uma voz que o lendário Alice Cooper considerou “a melhor do rock” após a sua morte. Como indica um dos versos da canção mais conhecida que Cornell nos deixou: “No one sings like you anymore”.

Videojogo: ‘Sunset Riders’ (1991)

‘Sunset Riders’ é um videojogo de tiros ao estilo do faroeste em que quatro caçadores de recompensas (Steve, Billy, Bob e Cormano) percorrem o Velho Oeste dos Estados Unidos da América em busca dos mais temíveis foras-da-lei. No começo de cada nível, é mostrado ao jogador um cartaz com o nome do bandido a ser eliminado, o valor da recompensa e a famosa frase: “Procurado vivo ou morto”. O jogo original contém oito níveis. Conforme o jogador vai avançando, as fases tornando-se mais difíceis e as recompensas maiores. Cada nível representa uma parte dos Estados Unidos, começando pela costa oeste e estendendo-se até à costa leste do território.

Desenvolvido pela japonesa Konami originalmente para as máquinas de arcade, o jogo chegou aos salões de jogos em 1991 em versões para dois e quatro jogadores em simultâneo. Com uma jogabilidade de disparos semelhante a ‘Contra’ (1987) e usando o sistema de arcade baseado em ‘Teenage Mutant Ninja Turtles: Turtles in Time’ (1991), ambos títulos da produtora nipónica, o sucesso do jogo originou duas adaptações distintas para as consolas domésticas das rivais Nintendo e Sega. Beneficiando de um contrato de exclusividade com a Konami, a Super Nintendo (SNES) recebeu uma adaptação muito próxima do original, com a excepção de algumas censuras impostas pela própria empresa. A versão da SNES contém na mesma oito níveis, quatro personagens para escolha e semelhantes fases de bónus.

Já a versão de Mega Drive é mais uma adaptação engenhosa do original do que uma portabilidade do mesmo. Foi a primeira vez que a Konami trabalhou com a arquitetura da consola da Sega que, apesar de ter recebido um jogo inferior tecnicamente (logo pelo facto de ter apenas 8 dos 16 bits que poderia albergar), desenvolveu o mesmo com particularidades únicas. Ao contrário do que acontece no original e na conversão SNES, nesta versão o jogador, enquanto parado, pode fixar a mira da sua arma em qualquer direcção (o que facilita bastante o trabalho do jogador contra alguns inimigos finais de nível) e o jogo contém ainda um modo inédito de duelo, por rondas, entre dois jogadores. Como consequências negativas do reduzido tamanho do conteúdo do cartucho, só é possível escolher entre dois personagens (Billy ou Cormano) e o jogo tem apenas quatro níveis, embora divididos cada um em duas partes. As fases de bónus, a cavalo e sem adversários, servem apenas para o jogador poder acumular pontuação ou vidas extras.

Como nunca tive qualquer consola da Nintendo e não me recordo de ter visto o jogo alguma vez numa máquina de arcade, a minha única experiência com ‘Sunset Riders’ resume-se à versão para Mega Drive. Um colega de escola do secundário tinha o jogo e muitas vezes, depois das aulas ou quando um professor faltava, eu e outros companheiros de turma deslocávamo-nos a casa dele para jogar. Cheguei depois a ter um jogo emprestado por um tempo e a verdade é que sempre foi um dos meus jogos preferidos do género, especialmente divertido para jogar a dois. Mesmo após ver vídeos da versão SNES e do seu conteúdo mais extenso, a nostalgia da versão da consola da Sega leva-me ainda assim a preferi-la, principalmente pela jogabilidade e qualidade das músicas e efeitos sonoros.