Filme: ‘Clube de Combate’ — Fight Club (1999)
Jack (Edward Norton) é um jovem executivo que trabalha como investigador de seguros mas está a ficar cada vez mais deprimido com a sua vida medíocre. Para piorar a situação, está a enfrentar uma terrível crise de insónias até que encontra uma cura inusitada para a sua falta de sono ao frequentar grupos de auto-ajuda. Nesses encontros ele passa a conviver com pessoas problemáticas como a viciada Marla Singer (Helena Bonham Carter) e a conhecer estranhos como o vendedor de sabonetes Tyler Durden (Brad Pitt). Misterioso e cheio de ideias, Tyler apresenta a Jack um grupo secreto que se encontra para extravasar as suas angústias e tensões através de violentos combates corporais.
Quando o escritor norte-americano Chuck Palahniuk lançou em 1996 o seu romance ‘Fight Club’ e a crítica literária elogiou o livro, os grandes estúdios de Hollywood começaram a competir pelos direitos de adaptação da obra ao grande ecrã. Palahniuk inspirou-se num incidente de uma viagem de campismo em que depois de ter sido agredido apresentou-se no trabalho com visíveis escoriações na face e toda a gente evitou perguntar o que tinha acontecido. O seu fascínio com esse “bloqueio” social despertou também o interesse da Fox 2000 Pictures em produzir o filme, com David Fincher a ser escolhido para realizar, apesar da pouco satisfatória colaboração anterior em ‘Alien 3 — A Desforra’ (1992), e Jim Uhls indicado para adaptar o argumento. Brad Pitt procurava recuperar do fracasso de bilheteira que foi ‘Conhece Joe Black?’ (1998) e ganhou a corrida a Russell Crowe para o icónico papel de Tyler Durden. Já Edward Norton bateu a concorrência de Matt Damon e Sean Penn e teve que perder vários quilos e massa muscular em comparação com a personagem encarnada no ano anterior em ‘América Proibida’.
Em ‘Clube de Combate’, David Fincher fez o filme indiscutivelmente mais subversivo do seu tempo — um total ataque anárquico ao consumismo, ao capitalismo e até à própria civilização. Apesar da temática algo misantrópica estar já presente no romance de Palahniuk, o realizador norte-americano abraçou sinceramente o material. Contudo, executivos da Fox não gostaram do filme e reestruturaram a campanha de marketing intencionada por Fincher para reduzir as perdas antecipadas. ‘Clube de Combate’ não atingiu as expectativas do estúdio nas bilheteiras e recebeu reacções polarizadas dos críticos, que elogiaram as prestações dos actores, realização, temas e ambiguidade moral, mas criticaram a sua violência, numa altura em que passavam poucos meses desde o trágico “Massacre de Columbine”. O filme tornou-se mais tarde um sucesso comercial com o lançamento do DVD, que estabeleceu ‘Clube de Combate’ como uma obra de culto e um dos mais influentes filmes da década de 90.
Quando vi ‘Clube de Combate’ pela primeira vez, confesso que não me causou grande impressão. Foi em VHS ou DVD no videoclube onde estava a trabalhar há poucos meses e talvez por ter de estar constantemente a parar quando vinham clientes para atender, perdi um pouco do foco do filme e cheguei ao fim deste um bocado confuso com o plot twist do final. Anos mais tarde e após visualizações mais atentas, é possível retirar outros e mais aprofundados significados do filme de Fincher, nomeadamente como metáfora entre uma geração de pessoas jovens (a por vezes chamada “Geração X”) e o sistema de valores socialmente instituído. O final, diferente do presente no livro, e mesmo toda a última meia hora perdem um pouco o propósito inicial mas como diz o próprio Durden a certa altura, “não se fazem omeletes sem partir ovos”.
Álbum: ‘Extreme II: Pornograffitti’ — Extreme (1990)
Os Extreme são uma banda norte-americana de rock formada em 1985 na cidade de Boston. O vocalista Gary Cherone e o baterista Paul Geary faziam parte de um grupo local e com a dissolução deste começaram a recrutar elementos para formar uma nova banda. O guitarrista Nuno Bettencourt juntou-se de imediato e o baixista Pat Badger, no ano seguinte, fechou o quarteto que se manteria inalterado nos anos de maior sucesso da banda. Depois de várias actuações promissoras no circuito de Boston, foi ao abrir um concerto dos conterrâneos Aerosmith em 1988 que os Extreme chamaram a atenção da A&M Records para lhes oferecer um contrato discográfico. ‘Extreme’, o disco de estreia da banda, chegou no ano seguinte mas esteve longe de ser um sucesso de vendas. Na verdade, o álbum chamou mais a atenção de músicos pois a guitarra de Bettencourt mostrava rapidez, técnica apuradíssima e potência.
A afirmação no panorama musical e o êxito comercial surgiram em 1990 com o lançamento de ‘Extreme II: Pornograffitti’. Caracterizado por um som que reúne influências do heavy metal e do hard rock e que se pode catalogar em última análise como funk metal, foi curiosamente através de uma simples balada acústica que o segundo álbum de originais dos Extreme explodiu em termos de popularidade. ‘More Than Words’ foi apenas o terceiro single a ser lançado (depois de ‘Decadence Dance’ e ‘Get the Funk Out’) mas impulsionou de tal forma as, então modestas, vendas do álbum que este chegou à dupla platina no mercado norte-americano. A balada composta apenas em torno do trabalho da guitarra clássica de Bettencourt e da voz de Cherone (com harmonia vocal do guitarrista) começou por entrar para a tabela Billboard Hot 100 no lugar 81 mas depressa escalou até ao lugar cimeiro. Para último single foi escolhida ‘Hole Hearted’, outra balada acústica bem-sucedida na tabela, que fecha as 13 canções que compõem o álbum.
Nascido na Praia da Vitória, cidade da ilha Terceira do arquipélago dos Açores, Nuno Duarte Gil Mendes Bettencourt, então com quatro anos e o mais novo de dez irmãos, emigrou junto com a família para Hudson, no estado do Massachusetts. O primeiro instrumento que tocou foi bateria até que o seu irmão Luís começou a ensinar-lhe a tocar guitarra mas aprendeu sobretudo como autodidacta, influenciado por grandes nomes como Eddie Van Halen (EVH) e Brian May. Já nos Extreme, o seu talento começou a ser notícia nas revistas de rock e guitarras ainda antes da própria banda ser muito conhecida, elogiando o luso-americano pelos seus solos frenéticos. Com o lançamento de ‘Pornograffitti’ os prémios para Bettencourt começaram a chover, com este a bater em votações para guitarrista do ano “monstros sagrados” como Eric Clapton, Slash, Joe Satriani ou mesmo EVH. Solos como o de ‘He-Man Woman Hater’ e bases com acordes pouco tradicionais levaram a Guitar Magazine a dedicar seis páginas só sobre o próprio e a Washburn lançou mesmo uma série de guitarras personalizadas chamada ‘N4 — Nuno Bettencourt Signature Series’. Em 1996, o virtuoso açoriano lançou-se numa carreira a solo, já depois do baterista Geary deixar a banda e quando Cherone estava prestes a juntar-se aos Van Halen para tornar-se o seu novo vocalista.
Para a maioria das pessoas que já ouviram falar dos Extreme, esta será sempre a banda de ‘More Than Words’ e dificilmente conseguirão dizer o nome de outra canção do seu reportório. Apesar dos 18 singles oficialmente lançados durante toda a carreira desmentirem qualquer tentativa de os catalogar como one-hit wonders, o êxito avassalador do seu tema mais conhecido abafou tudo o resto, incluindo a matriz mais roqueira da banda. Felizmente tive a oportunidade de conhecer os Extreme como um todo a partir do momento em que o meu irmão comprou ‘Pornograffitti’ em CD. Recordo-me dele referir que o guitarrista era português e de pensar que o início de ‘He-Man Woman Hater’ era artificialmente acelerado e não tocado em tempo real. Com o tempo descobri que não era bem assim e Nuno Bettencourt tornou-se num dos meus guitarristas preferidos. Num país que tem orgulhosamente o fado como Património Cultural Imaterial da Humanidade e Amália Rodrigues como referência internacional máxima desse estilo musical, falta representação lá fora de outras sonoridades. Nesse sentido, Bettencourt, uma figura muito admirada e respeitada no meio pelos seus pares, é provavelmente o maior embaixador português do rock, alguém que nunca renegou as suas origens e orgulho lusitano (fazendo até questão de colocar a bandeira nacional nos videoclips dos Extreme) e que talvez merecesse maior reconhecimento por parte do país que o viu nascer.
Jogo de computador: ‘Doom’ (1993)
O jogador comanda um fuzileiro espacial que foi deportado para Marte por insurreição contra um oficial superior. Ele é deste modo forçado a trabalhar para a Union Aerospace Corporation (UAC), um complexo militar industrial que está a realizar experiências secretas em teletransporte entre as luas de Marte de nome Phobos e Deimos. Subitamente, algo corre mal e criaturas aparentemente vindas do inferno começam a surgir das áreas de teletransporte. Uma resposta defensiva da segurança da base de Deimos falha em deter a invasão e é rapidamente dominada por demónios, com toda a guarnição dizimada. Uma equipa da UAC em Marte é enviada a Phobos para investigar o incidente mas o contacto pelo rádio cessa e apenas um elemento sobrevive: o jogador, cuja tarefa é escapar vivo.
O enredo, apenas presente no manual do jogo lançado em 1993 pela id Software, não é o mais relevante e terá sido do conhecimento somente da minoria que encomendou o título completo pelo correio, uma vez que ‘Doom’ surgiu originalmente como shareware. Apesar de ‘Wolfenstein 3D’, produzido pela mesma empresa no ano anterior, poder reclamar o título de inaugural first-person shooter (FPS) da forma como consideramos os jogos de tiro em primeira pessoa, foi o projecto seguinte, influenciado pelo jogo de tabuleiro ‘Dungeons & Dragons’ e pelas sagas cinematográficas ‘Evil Dead’ e ‘Alien’, que verdadeiramente popularizou o género. A versão gratuita de ‘Doom’ estima-se ter sido jogada por cerca de 15 milhões de pessoas só nos dois primeiros anos e no final de 1995 corria a curiosa notícia que haveriam mais computadores no mundo com o jogo instalado do que com o então novo sistema operativo da Microsoft, o Windows 95.
Combinando gráficos 3D com personagens 2D, ‘Doom’ definiu muitos elementos dos FPS futuros e estabeleceu como que uma subcultura no mundo dos videojogos por popularizar os jogos em rede e permitir expansões criadas pelos jogadores (arquivos WAD). A notoriedade do jogo levou também a um maior escrutínio público da sua violência gráfica e supostas imagens satânicas e o nível de controvérsia terá atingido o seu pico depois de se saber que os atiradores do infame “Massacre de Columbine”, em 1999, eram ávidos jogadores de ‘Doom’ e um deles havia mesmo criado uma personalização do primeiro nível. A série perdeu força quando o mecanismo gráfico de ‘Doom’ se tornou obsoleto no final dos anos 90 mas curiosamente é essa mesma tecnologia original que tem funcionado como uma espécie de “cobaia” para os desafios tecnológicos lançados pela comunidade de programadores e entusiastas. Já se viu ‘Doom’ a correr num visor de um micro-ondas, num minúsculo ecrã de um teste de gravidez e a mais recente façanha foi utilizar um antigo telefone de disco como controlador da personagem do jogo.
Décadas depois do surgimento e popularização dos FPS, o género permanece um dos mais dominantes na indústria dos videojogos e tem consistentemente encabeçado as tabelas de vendas através de franquias como Call of Duty, Halo ou Battlefield, enquanto Counter-Strike continua a ser a referência do género em torneios competitivos de esports. Não me recordo se cheguei a ter ‘Doom’ instalado no meu primeiro computador ou se apenas joguei em casa de amigos. Sempre preferi o mais divertido e elaborado ‘Duke Nukem 3D’ (1996) mas reconheço que este nunca teria sido o mesmo se não fosse buscar influências ao famoso título da id Software. Aliás, na altura o termo FPS ainda não estava generalizado como hoje e era frequente referirmo-nos a quaisquer jogos do género como “tipo Doom”, tal a marca que este deixou no universo dos videojogos.