Total 90s — XXI

Neste mês: um realizador aventureiro desenterra com o tom certo uma franquia adormecida; uma banda que se fez ouvir em vez de ficarem os quatro em silêncio e um videojogo que deixou muita poeira e algumas moedas para trás.

Filme: ‘A Múmia’ — The Mummy (1999)

Em 1923, o aventureiro Rick O’Connell (Brendan Fraser) e o seu companheiro na Legião Estrangeira Francesa, Beni (Kevin J. O’Connor), descobrem a cidade perdida de Hamunaptra, no Egipto, e decidem ganhar algum dinheiro acompanhando arqueólogos até ao local, entre eles a bibliotecária Evelyn (Rachel Weisz) e o seu irmão Jonathan (John Hannah). Mal sabem eles que entre as ruínas está Imhotep, um sacerdote do Egipto que, 3 mil anos antes, foi amaldiçoado e condenado a permanecer vivo eternamente (com o seu corpo mumificado e preso num sarcófago) pois se apaixonara pela amante do faraó. Sem querer, os exploradores libertam a múmia, uma poderosa força do mal que quer regenerar o seu corpo — o que significa matar algumas pessoas — e sacrificar Evelyn para a alma da sua amada, Anck-su-Namun.

No final da década de 80 do século passado, os produtores James Jacks e Sean Daniel decidiram actualizar ‘A Múmia’, filme clássico de 1932, para a era moderna. A Universal Studios deu o seu aval para o projecto mas apenas se o orçamento se mantivesse em torno dos 10 milhões de dólares, um sinal que o estúdio essencialmente queria uma franquia de horror de baixo orçamento. Vários realizadores estiveram ligados ao projecto nos anos seguintes mas sem chegaram a acordo com os produtores. Em 1997, o cineasta e argumentista Stephen Sommers recebeu a sua janela de oportunidade e apresentou as suas ideias a Jacks e Daniel através de um manuscrito de 18 páginas. Na época, a administração da Universal havia mudado em resposta ao fracasso de bilheteira de ‘Babe — Um Porquinho na Cidade’ (1998) e a perda levou o estúdio a querer revisitar suas franquias clássicas de sucesso. A Universal Studios gostou tanto das ideias de Sommers que aprovou o conceito e aumentou o orçamento para os 80 milhões.

Brendan Fraser ganhou o papel de Rick O’Connell a vários actores de nomeada como Tom Cruise e Brad Pitt muito pelo sucesso surpreendente de bilheteira que foi ‘George — O Rei da Selva’ (1997), em que interpretou uma espécie de versão apatetada de Tarzan. Fraser trouxe à personagem de O’Connell uma atitude de não se levar demasiado a sério mas sem nunca cair num registo de paródia. Quando se juntam acção e aventura histórica com toques de arqueologia é inevitável não efectuar comparações comparar com a saga e figura de Indiana Jones mas Sommers, Fraser e Rachel Weisz conseguiram encontrar o tom certo para o filme funcionar com identidade própria. O êxito da película originou as sequelas ‘O Regresso da Múmia’ (2001) e ‘A Múmia: O Túmulo do Imperador Dragão’ (2008), para além do spin-off ‘O Rei Escorpião’ (2002), baseado numa personagem do segundo filme e que marcou a estreia da carreira fulgurante de Dwayne ‘The Rock’ Johnson no grande ecrã.

‘A Múmia’ foi um dos primeiros grandes sucessos de aluguer, quer em VHS ou DVD, que acompanhei no clube de vídeo onde trabalhei. A gerência apostou em comprar várias cópias em ambos os formatos e a verdade é que as cópias estavam quase sempre todas alugadas face ao interesse que o filme despertou nos clientes. Quando o consegui ver também gostei bastante e achei que veio colmatar um tipo de cinema de aventura que, pelo menos com alguma qualidade, estava em falta na época. Anos mais tarde, em 2017, a Universal Studios “desenterrou” novamente ‘A Múmia’ e com isso planeava lançar o Dark Universe, um universo compartilhado trazendo de volta os monstros clássicos de terror do estúdio, mas os maus resultados tornaram o plano uma “missão impossível” que nem Tom Cruise conseguiu salvar.

Álbum: ‘Silence Becomes It’ — Silence 4 (1998)

Os Slience 4 foram uma banda portuguesa formada no final de 1995 em Leiria. Composto por David Fonseca (voz e guitarra), Sofia Lisboa (voz), Rui Costa (baixo) e Tó Zé Pedrosa (bateria) e cantando maioritariamente em inglês, o grupo tornou-se um dos maiores sucessos de sempre da música portuguesa. Tudo começou quando David Fonseca e Tó Zé Pedrosa, que já se conheciam e costumavam tocar juntos, mostraram uma cassete a um dono de uma loja de música alternativa em Leiria. A boa recepção da mesma deu o impulso necessário para que decidissem formar uma banda. Sofia Lisboa, que cantava em bares locais, foi convidada a juntar-se e Rui Costa foi recrutado para completar o quarteto. Terá sido mesmo um comentário do último a originar o nome do conjunto quando, descontente com a qualidade do som dos primeiros ensaios, propôs que se desligassem os amplificadores e que tocassem acusticamente. Para se ouvirem teriam de estar todos em silêncio, daí o “Silence” do nome da banda.

Os primeiros concertos foram organizados pela própria banda, um deles no Clube Ritz, em Lisboa. Foram convidados jornalistas, editores e agentes mas quase ninguém apareceu. Mas se levou tempo até que grandes editoras lhes dessem real atenção, em Leiria sentiram um grande apoio logo aos primeiros passos. A maior parte das bandas da cidade eram de punk rock ou de metal pelo que o surgimento dos Silence 4, com o seu som alternativo, foi também uma espécie de rebeldia e gerou curiosidade. Foi no Castelo de Leiria que gravaram a primeira maqueta, da qual já constava o clássico ‘Borrow’. Após vencerem o Festival Termómetro Unplugged, foram convidados para gravar uma versão de uma canção dos Erasure, ‘A Little Respect’, para a compilação ‘Sons de Todas as Cores’ (1998). Pouco tempo depois o tema começou a ter sucesso e a passar na maioria das rádios nacionais, o que levou a PolyGram a oferecer-lhes a gravação do álbum de estreia.

Lançado em Junho de 1998, ‘Silence Becomes It’ tornou-se um sucesso estrondoso em Portugal, alcançando a marca das seis platinas pelas mais de 240 mil cópias vendidas. Para além das já referidas ‘A Little Respect’ e ‘Borrow’, outras canções como ‘My Friends’ ou ‘Angel Song’ também rodaram frequentemente nas rádios, televisões, bares e discotecas. O álbum contém 15 faixas, incluindo uma escondida e duas versões do clássico dos Erasure. Duas são também as canções cantadas em português — ‘Eu Não Sei Dizer’ e ‘Sextos Sentidos’, esta última com a contribuição vocal e escrita de Sérgio Godinho. A promoção do disco levou os Silence 4 a percorrer Portugal de norte a sul, onde deram uma centena de concertos em seis meses e encerraram a edição desse ano do Festival Sudoeste e a Expo’98. Após um ano de intervalo, os leirienses voltariam aos discos em 2000 com ‘Only Pain Is Real’ que, apesar do sucesso a nível interno, não obteve a desejada repercussão além-fronteiras. A banda nunca chegou oficialmente a dissolver-se mas esteve sem actividade desde 2001 até 2013, quando anunciou uma série limitada de concertos comemorativos e já uma década depois do vocalista principal David Fonseca ter iniciado uma bem-sucedida carreira a solo.

O ano de 1998 será sempre um dos anos mais marcantes da minha vida. Perdi o meu pai, atingi a maioridade, entrei para a faculdade e tive o meu primeiro emprego remunerado, entre outros acontecimentos. Durante a nossa vida associamos músicas ou álbuns a momentos da mesma e para mim ‘Silence Becomes It’ tornou-se a banda sonora desse ano quando o recordo. Com temáticas como o amor, melancolia, perda e nostalgia a fazerem parte da maioria das letras das canções foi fácil identificar-me com alguma delas. Numa nota mais positiva, fazem-me também relembrar o dia de encerramento da Expo’98 em que, na companhia de outros voluntários do evento, demorei cerca de uma hora para percorrer o recinto de uma ponta a outra (tal a quantidade de pessoas) de modo a assistir ao concerto final na Praça Sony, precisamente a cargo dos Silence 4.

Videojogo: ‘Sega Rally Championship’ (1994)

O modo principal do jogo assenta num “Campeonato do Mundo” que consiste em três etapas: Deserto (que lembra a savana africana), Floresta (reminiscente das florestas da América do Sul) e Montanha (que é baseado num Rally de Monte Carlo mais curto), onde a classificação final do jogador em cada troço determina a sua posição no início do próximo. Assim, o condutor deve tentar ultrapassar o maior número possível de carros adversários em cada pista (enquanto permanece dentro do limite de tempo) para alcançar a liderança. Se, no final da terceira etapa, o jogador estiver em primeiro lugar, tem a oportunidade de aceder a um quarto circuito secreto chamado Lakeside.

‘Sega Rally Championship’ foi realizado por Kenji Sasaki, um antigo funcionário da Namco conhecido pelo seu trabalho em ‘Ridge Racer’ (1993). Procurando desenvolver um jogo de carros para as máquinas arcade que se distinguisse do muito popular ‘Daytona USA’ (1994), Sasaki escolheu o subgénero rali dentro do desporto motorizado porque sentiu que ainda era uma espécie de “tabu” junto da comunidade japonesa de jogadores. De facto, os jogos de rali escasseavam até então e ‘Sega Rally’ apresentou-se no mercado como o único em que se tornava possível conduzir em diferentes superfícies, com essas distinguíveis fricções ao piso a terem impacto na experiência de condução. Para além de ter sido o pioneiro nesta característica histórica da evolução dos videojogos, o jogo da Sega também foi um dos primeiros a possibilitar um modo de condução cooperativo para além do habitual modo competitivo de multijogador.

Três carros são apresentados no jogo: a terceira geração do Toyota Celica GT-Four de Didier Auriol, o Lancia Delta HF Integrale de Juha Kankkunen (ambos disponíveis desde o início) e o Lancia Stratos HF de Sandro Munari, que é somente desbloqueado ao alcançar Lakeside. Os jogadores têm a opção de conduzir cada carro com mudanças manuais ou automáticas. Se é verdade que ‘Sega Rally Championship’ foi elogiado pela adaptação a várias consolas e até mais tarde aos computadores pessoais, a grande fama do jogo provém da sua versão original para as arcades. Disponível em cabines lado a lado de dois ou quatro jogadores, ‘Sega Rally’ rapidamente se tornou num destaque dos salões de videojogos e provou ser uma opção quase inevitável de diversão para qualquer grupo de amigos ávidos em competir entre si. O sucesso do jogo original deu origem a uma franquia que viu ser lançados mais quatro títulos e influenciou a criação de outras séries de jogos de rali como ‘Colin McRae Rally’ (1998), facto reconhecido mais tarde pela própria Codemasters.

Apesar de nunca ter sido propriamente grande fã de jogos de carros, havia algo de muito apelativo nas cabines de ‘Sega Rally’ e no faz-de-conta de conduzir um carro de rali fazendo uso do volante, pedais e manete de mudanças. O facto de poder fazê-lo na companhia de um, dois ou três amigos (ou mesmo desconhecidos que se juntassem à sessão) na mesma corrida ainda aumentava mais esse apelo e sensação imersiva para quem nunca tinha pegado num carro ou sequer tirado a carta. Nesta altura, ‘Daytona USA’, com veículos ao estilo NASCAR, já fazia sucesso nos salões de jogos mas ‘Sega Rally’ veio ultrapassar a popularidade do primeiro, especialmente no mercado europeu onde a tradição dos ralis é muito mais enraizada. Também eu e os meus amigos contribuimos para essa “ultrapassagem”, ficando imortalizadas as indicações “easy left, easy right” do co-piloto virtual enquanto iamos largando umas moedas pelo caminho.