Filme: ‘O Bom Rebelde’ — Good Will Hunting (1997)
Will Hunting (Matt Damon) é um jovem conflituoso e não muito sociável que trabalha como empregado de limpeza numa escola tecnológica em Massachusetts. Nas horas vagas, Will resolve equações matemáticas sem ninguém saber. Um dia, Gerald Lambeau (Stellan Skarsgård), um conceituado professor da escola, descobre a capacidade de Will e percebe que ele é um génio matemático. Entretanto, Will é detido pela polícia por espancar um homem e Lambeau decide assumir a responsabilidade da sua libertação. Em troca, Will tem de participar nos trabalhos do professor e seguir um programa de terapia psicológica que o leva a conhecer o Dr. Sean Maguire (Robin Williams), um psiquiatra em crise emocional devido à morte da sua mulher.
Matt Damon era um aluno do quinto ano na Universidade de Harvard quando começou a escrever o argumento do filme. Após ter sido convidado para um pequeno papel no filme ‘Geronimo — Uma Lenda Americana’ (1993), Damon abandonou a faculdade e mudou-se para Los Angeles, onde reencontrou o amigo de infância Ben Affleck. Os dois trabalharam juntos no argumento e demoraram cinco anos a acabá-lo. A Castle Rock interessou-se em comprar os direitos do filme mas quem assegurou mesmo o projecto foi a Miramax, por sugestão de Kevin Smith. O jovem cineasta já havia realizado alguns filmes para o estúdio e foi pivotal em convencer Bob e Harvey Weinstein a aceitarem os próprios Damon e Affleck nos papéis de Will e Chuckie, respectivamente. Smith ficou como produtor executivo e cedeu a cadeira de realizador ao mais experiente Gus Van Sant. Após a estrela Robin Williams ter sido contratada, o projecto arrancou de vez e triunfou nas bilheteiras um pouco por todo o mundo, ainda que na sombra do dominador ‘Titanic’ (1997), de James Cameron, que ainda permanecia em cartaz.
A força do filme reside na notável assertividade do seu guião e no suporte que lhe é prestado pelo elenco e pelos produtores. Van Sant afasta-se de sentimentalismos desnecessários, encontrando antes realidade emocional na história. Seguramente uma das obras mais comerciais de toda a carreira do realizador norte-americano, ‘O Bom Rebelde’ recolheu inúmeras distinções e prémios, destacando-se as nove nomeações aos Óscares e as estatuetas douradas para Williams (Melhor Actor Secundário) e para Damon e Affleck, a dupla mais jovem de sempre a arrebatar o troféu de Melhor Argumento Adaptado. O êxito do filme escancarou definitivamente as portas de Hollywood para os dois amigos de Boston, que têm vindo a construir carreiras de sucesso, à frente e atrás da câmara.
Quando ‘O Bom Rebelde’ estreou em Portugal, já em 1998, o grande chamariz na promoção do filme era Robin Williams. E a primeira cena em que o saudoso actor e comediante norte-americano surge no ecrã, como professor numa sala de aula do MIT, quase que nos transporta para um reencontro com John Keating, o mítico docente de ‘Clube dos Poetas Mortos’ (1993). Sendo este último um dos meus filmes preferidos, foi natural o interesse em ver Williams novamente num papel tutorial. Embora diferentes, ambas as personagens transbordam o carisma e a empatia emprestadas pelo actor, que uma vez mais improvisou algumas das suas falas e trouxe o prestígio necessário para um projecto idealizado por dois jovens promissores.
Música: ‘Hunger Strike’ — Temple of the Dog (1991)
Temple of the Dog foi um supergrupo de rock formado em Seatle no ano de 1990. Concebido como um projecto de forma a homenagear Andrew Wood, falecido vocalista das bandas pioneiras do rock alternativo ou grunge Malfunkshun e Mother Love Bone, o colectivo agrupou dois elementos desta última (Stone Gossard e Jeff Ament), com elementos dos Soundgarden (Chris Cornell e Matt Cameron) e dos, futuramente, Pearl Jam (Mike McCready e Eddie Vedder). A ideia partiu de Cornell, que havia sido colega de quarto de Wood, logo após a morte deste em Março de 1990. O vocalista dos Soundgarden começou desde então a escrever canções para o novo projecto e contactou os restantes elementos. Gossard (guitarra rítmica) e Ament (baixo) viriam, mais tarde, a fazer parte dos Pearl Jam, tal como Cameron (bateria), McCready (guitarra principal) e o novato Vedder, que foi inicialmente convidado por Cornell para fazer apenas segundas vozes mas que acabou por vir a ter uma contribuição mais abrangente.
Lançado a 16 de Abril de 1991, ‘Temple of the Dog’ recebeu o nome da banda, que por sua vez deve a designação a uma letra da canção ‘Man of Golden Words’ dos Mother Love Bone, e apresentou um alinhamento de 10 faixas. O disco foi produzido pela própria banda em conjunto com o produtor local Rick Parashar e recebeu críticas favoráveis mas não conseguiu destacar-se nas tabelas de vendas. Foi só no verão de 1992, mais de um ano depois de ter sido originalmente lançado, que o álbum ganhou expressão comercial. A A&M Records apercebeu-se que o que tinha no seu catálogo era essencialmente uma colaboração entre os Soundgarden e os Pearl Jam (com ambas as bandas a terem explodido em termos de popularidade no ano anterior com os seus álbuns ‘Badmotorfinger’ e ‘Ten’, respectivamente) e decidiu relançar o álbum e promover ‘Hunger Strike’ como single, com direito a videoclipe.
Apesar de ‘Temple of the Dog’ apresentar-se como um trabalho sólido ao longo dos seus 55 minutos de duração, alternando a energia das guitarras com baladas de significado mais profundo, ‘Hunger Strike’ destacou-se de todas as outras canções e eternizou-se como um dos hinos da música grunge. O dueto entre Cornell e Vedder não estava previsto e surgiu instintivamente após o primeiro estar a ter dificuldades nos ensaios com as partes mais graves e o segundo pegar no microfone e começar a cantar essas mesmas linhas vocais. Foi a primeira vez que Eddie Vedder ouviu a sua própria voz num disco e a canção continua a ser, segundo o líder dos Pearl Jam, uma das suas predilectas de sempre e “talvez mesmo a mais significativa”. Os membros dos Temple of the Dog deixaram o projecto em 1992 mas voltariam a reunir-se em 2016 para comemorar os 25 anos do auto-intitulado álbum, que gerou mais tarde também como singles as canções ‘Say Hello 2 Heaven’ e ‘Pushin Forward Back’, com uma pequena digressão pelos Estados Unidos.
Como um dos movimentos e estilos musicais que definiram a década de 90, o grunge marcou a minha geração e enquanto adolescente foi entusiasmante viver esses tempos. As camisas de flanela passaram a ser moda, os “All-Star” ganharam nova relevância mas foi a música que marcou a diferença. Kurt Cobain dos Nirvana deixou-nos demasiado cedo em 1994 e desde então todos os outros vocalistas das grandes bandas de Seattle e arredores já faleceram, com a excepção de Eddie Vedder. Lamenta-se que não tenham havido mais colaborações preciosas como ‘Hunger Strike’ em que, provavelmente, as duas mais explosivas vozes do grunge se uniram e complementaram perfeitamente, mas as rivalidades entre os agentes das bandas não o terão permitido. No caso de Chris Cornell e Vedder, ambos eram amigos (com Cornell a ter sido uma espécie de “mentor” para Vedder) e ficou uma certa “fome” por mais duetos deste tipo.
Videojogo: ‘The Ren & Stimpy Show: Stimpy’s Invention’ (1993)
Renwick “Ren” Höek, um Chihuahua raquítico com problemas de asma e de raiva e Stimpson J. “Stimpy” Cat, um gato manês obeso de bom coração, têm que percorrer o bairro onde moram para recolher as peças perdidas do Mutate-O-Matic. Esta nova invenção criada por Stimpy permite transformar lixo doméstico em comida e explodiu quando foi testada pela primeira vez, o que leva os dois amigos a ter que encontrar os componentes em falta para que volte a funcionar. O jogador pode controlar Ren ou Stimpy e trocar entre as personagens sempre que desejar, interagindo com o computador ou com um segundo jogador.
Estreada em 1991 no canal norte-americano de TV por cabo Nickelodeon, a série de animação ‘The Ren & Stimpy Show’ chamou de imediato a atenção de telespectadores miúdos e graúdos pelo seu conteúdo controverso. Plenos de humor negro e adulto, insinuações sexuais, ofensas religiosas, violência bruta e imagens de choque, os desenhos animados criados pelo canadiano John Kricfalusi apresentavam também uma estética surreal muito própria, inspirada pela “era de ouro” da animação americana e longe dos traços e aspecto “limpo” da animação contemporânea. As primeiras duas temporadas foram produzidas pela Spümcø, a empresa de Kricfalusi (que também escrevia, realizava, compunha o tema principal e dava voz a Ren) e a série foi batendo recordes de audiência na TV por cabo norte-americana mas isso não impediu que o próprio Kricfalusi fosse despedido por má conduta e atrasos na produção em 1992. A Nickelodeon contratou uma nova equipa de animação para produzir novos episódios de um modo mais educativo, afastando-se do humor escatológico original, mas as audiências ressentiram-se gradualmente até o final da quinta temporada ditar o cancelamento da série.
Em Portugal, os desenhos animados chamaram-se simplesmente ‘Ren & Stimpy’ e estrearam no programa Buéréré da SIC, em 1994. Como era habitual na animação transmitida pelo recém-criado canal, os episódios da série eram dobrados em português e não legendados. André Maia (Ren) e Rui de Sá (Stimpy) deram voz às personagens principais e assinaram um dos trabalhos mais célebres de dobragem portuguesa dos anos 90, provavelmente só batido pelo de ‘Dragon Ball Z’. No auge da sua popularidade, ‘The Ren & Stimpy Show’ alargou-se a outros meios da cultura pop, com a dupla presente em vários livros de banda desenhada, três álbuns de música e sete videojogos. Desenvolvido pela BlueSky Software, distribuído pela Sega e lançado para a Mega Drive em 1993, ‘Stimpy’s Invention’ terá sido o mais conhecido deles todos, com o videojogo a conseguir capturar fielmente o humor absurdo do universo dos dois amigos disfuncionais, contudo sem uma mecânica de jogo cativante ou uma dificuldade desafiadora.
Quando ‘Ren & Stimpy’ chegou à televisão portuguesa, o meu interesse por desenhos animados já se começava a esbater. Entrado na adolescência, apenas séries de animação mais satíricas como ‘Os Simpsons’ me chamavam a atenção mas havia algo naqueles desenhos animados estranhos da Nickelodeon que me agarravam ao ecrã. A dobragem também era algo praticamente novo para mim, uma vez que todos os meus desenhos animados preferidos até então eram legendados, e a versão portuguesa tinha bastante piada. Sei que não estava sozinho na minha admiração por ‘Ren & Stimpy’ até porque os meus colegas de escola também gostavam e um deles até comprou o tal jogo para a Mega Drive. O interesse principal do mesmo residia em comandar as personagens e vê-las interagir desconcertadamente como faziam na televisão porque como jogo de plataformas era relativamente simples, fraco e aborrecido — tudo o que a série de animação não era.