Total 90s — XXIII

Neste mês: um homem cuja lista salvou milhares de vidas a preto e branco; uma banda afirmativa que se uniu para mostrar a sua desunião e um videojogo em que uma stickada certeira pode muitas vezes quebrar o gelo.

Filme: ‘A Lista de Schindler’ — Schindler’s List (1993)

Oskar Schindler (Liam Neeson) é um empresário alemão que vê no esforço de guerra nazi, durante a II Guerra Mundial, uma oportunidade para enriquecer. Assim, propõe-se fornecer ao exército do III Reich munições a baixo custo, contando para isso com o trabalho escravo de centenas de judeus que estão confinados ao gueto de Cracóvia, na Polónia. Itzhak Stern (Ben Kingsley), o guarda-livros de Schindler, rapidamente se apercebe de que manter o funcionamento da fábrica é a última esperança de vida para aqueles que nela trabalham. Embora nunca o mencione, Schindler vai pouco e pouco adquirindo a mesma percepção, e trata de aprofundar as relações de amizade que travou com o oficial nazi Amon Göth (Ralph Fiennes). Este virá a tornar-se comandante de um campo de concentração, tendo como “desporto” favorito praticar tiro ao alvo com os judeus ali encarcerados.

O polaco Poldek Pfefferberg foi um dos Schindlerjuden (“Judeus de Schindler”) e estabeleceu como missão de vida contar a história do seu salvador. Pfefferberg tentou produzir um filme biográfico sobre Oskar Schindler com a Metro-Goldwyn-Mayer em 1963, com Howard Koch responsável pelo argumento, porém o projecto nunca chegou a arrancar. Em 1982, o australiano Thomas Keneally publicou ‘Schindler’s Ark’, um romance biográfico que o próprio escreveu depois de ter conhecido Pfefferberg, e uma crítica da obra chegou às mãos de Steven Spielberg. O cineasta norte-americano, descendente de judeus ucranianos, ficou espantado com a história e a natureza paradoxal de Schindler e expressou interesse suficiente para que a Universal Pictures comprasse os direitos do livro. No início de 1983, Spielberg encontrou-se com Pfefferberg e prometeu-lhe que produziria o filme dentro de dez anos.

Steven Spielberg cumpriu o prometido e acabaria não apenas por produzir como realizar ‘A Lista de Schindler’, exactamente uma década após a conversa com Pfefferberg. Filmado a um preto e branco luminoso e com um orçamento modesto de 22 milhões de dólares, o projecto foi uma experiência muito pessoal e emocional para Spielberg, que recusou qualquer salário e optou por não planear o filme através de storyboards (os esboços sequenciais geralmente usados pelos cineastas) e, ao invés, rodá-lo mais ao estilo de um documentário. Steve Zaillian, o argumentista de ‘Despertares’ (1990), foi contratado para escrever o guião adaptado da obra de Keneally. Premiado sem surpresa como Melhor Filme de 1993 pela Academia, ‘A Lista de Schindler’ trouxe a história do Holocausto de volta à consciência pública de uma forma brutal. Spielberg consegue um equilíbrio perfeito durante todo o filme, mostrando-nos os horrores da humanidade, personificados em Göth, mas também explicando quão naturais conseguem ser os actos de bondade.

Demorei vários anos para finalmente ver ‘A Lista de Schindler’ pois quando estreou no cinema ainda era um pré-adolescente e na altura que passou pela primeira vez na televisão, cerca de dois ou três anos mais tarde, a sua longa duração (195 minutos) e o facto da imagem do mesmo ser a preto e branco acabaram por refrear a minha curiosidade. Contudo, com o passar dos anos comecei a interessar-me cada vez mais pelo filme, um dos preferidos de sempre do meu irmão do meio. Comprei o DVD (cuja película não coube em apenas um disco) e fiquei impressionado pelo frio e arrebatador relato da “Solução Final” e da história verídica de Oskar Schindler, cuja consciência suplantou a sua ambição. Para mim é a obra-prima de Steven Spielberg, o que, tendo em conta toda a sua ilustre carreira, quer dizer muito.

Álbum: ‘Union’ — Yes (1991)

Os Yes são um grupo inglês de rock progressivo formado em 1968 na cidade de Londres. Ao longo da sua extensa carreira, a banda contou com inúmeras trocas de músicos ao ponto de já ter contado com 19 elementos diferentes a tempo inteiro. Apesar das muitas mudanças na formação, separações ocasionais e diversas variações musicais, o grupo está activo há 54 anos, o que faz dos Yes um dos mais bem-sucedidos, influentes e duradouros conjuntos de rock progressivo da história da música. A sua discografia conta com 22 álbuns de estúdio, que venderam mais de 30 milhões de cópias a nível mundial e que valeram a sua introdução em 2017 no prestigiado Rock and Roll Hall of Fame.

A popularidade significativa da banda teve início principalmente após o lançamento do disco ‘The Yes Album’ (1971), onde o grupo começou a explorar os novos horizontes do rock progressivo (género este que estava a surgir na cena britânica), com canções mais longas e complexas que continham melodias e letras místicas, suítes longas com referências eruditas e trabalhos de harmonias vocais abstratas. Em 1983, os Yes lançaram ‘90125’, o seu 11º álbum, onde foi notória uma mudança de sonoridade para um rock mais comercial e em que o single ‘Owner of a Lonely Heart’ os apresentou à geração da MTV. Apesar do sucesso do disco, as divisões internas relativamente ao rumo musical da banda acentuaram-se e em 1988 os “dissidentes” Jon Anderson (voz), Bill Bruford (bateria), Rick Wakeman (teclados) e Steve Howe (guitarra) abandonaram os Yes para formar o conjunto Anderson Bruford Wakeman Howe (ABWH). Na banda original permaneceriam Trevor Rabin (voz e guitarra), Chris Squire (baixo), Tony Kaye (teclados) e Alan White (bateria).

No início da década seguinte, a editora discográfica Arista Records (que albergava tantos os Yes como os ABWH) estava descontente com as demos das duas bandas relativamente aos seus próximos álbuns e sugeriu que estas trabalhassem em conjunto num único álbum. O que seria uma união entre oito músicos sob o nome ‘Yes’ acabou por ser na prática uma amálgama de canções gravadas em separado pelas duas bandas e só com a presença de Anderson em comum na voz principal. O produtor nova-iorquino Jonathan Elias viria depois ainda a contratar músicos de sessão para regravarem partes da guitarra e teclados das faixas da “facção” ABWH, cujos elementos só se aperceberam quando o álbum foi lançado. Apesar de todos estes contratempos, ‘Union’ chegou relativamente rápido a disco de ouro nos Estados Unidos, originou dois singles (‘Lift Me Up’ e ‘Saving My Heart’) e teve a faixa instrumental ‘Masquerade’ nomeada para um Grammy. Seguiu-se uma digressão bem-sucedida com mais de 80 concertos entre 1991 e 1992 onde os oito membros se apresentaram simultaneamente em palco.

Quando o meu irmão mais velho comprou o álbum ‘Union’ e o trouxe para casa, recordo-me de ter ficado algo perplexo. Quem eram os Yes e que músicas eram aquelas que nunca tinha ouvido? Geralmente, quando um CD novo aparecia lá em casa, já conheceria pelo menos uma das canções por passar na rádio ou na televisão mas com aquele álbum não era, de todo, o caso. Nunca percebi bem a razão pela qual o meu irmão o comprou mas ainda bem que o fez. Com o tempo, passei a gostar de ‘Union’ cada vez mais pela sua diversidade e riqueza musical. Mesmo que a própria banda não reconheça o disco como um dos seus melhores (alguns ex-membros dos ABWH chegaram mesmo a referir-se ao mesmo como “Onion”, de “cebola”, por lhes dar “vontade de chorar” não conseguirem identificar a sua contribuição no som final), e o álbum tenha requerido a quantidade absurda de 17 engenheiros de gravação diferentes, eu gosto de ouvi-lo sem saltar nenhuma faixa. Há coisas que não se explicam, ouvem-se.

Videojogo: ‘NHL 97’ (1996)

O hóquei no gelo é um desporto olímpico jogado num ringue de gelo natural entre duas equipas de seis jogadores: um guarda-redes, dois defesas e três avançados. É um jogo de intenso contacto físico onde a estratégia, a velocidade, a decisão rápida e o trabalho em equipa são fundamentais e cujo objectivo é fazer com que o disco seja colocado na baliza do adversário. Tal como acontece com outros desportos como o basquetebol ou o beisebol, a liga norte-americana é a competição de referência a nível mundial, agrupando os melhores atletas do mundo dessa modalidade. A competição é organizada pela National Hockey League (NHL), que reúne equipas dos Estados Unidos da América e do Canadá.

Estreada em 1991 através de ‘NHL Hockey’, a série de videojogos ‘NHL’ é a segunda mais antiga de toda a carteira da EA Sports, só atrás da congénere de futebol americano ‘Madden NFL’. Ao abrigo do acordo de licença com a NHL e com o sindicato dos jogadores, a divisão canadiana de desporto da Electronic Arts começou a desenvolver e a lançar um jogo novo a cada ano com todos os plantéis actualizados. A série foi muito bem recebida por quem já acompanhava a modalidade (uma das mais populares nos Estados Unidos e, provavelmente, mesmo o desporto de eleição no Canadá, de onde é originário) e angariou novos fãs por todo o mundo. De comando de jogo na mão é possível fazer uma temporada completa, jogar só os play-offs, efectuar uma partida “amigável” ou um desafio de grandes penalidades. O objectivo é vencer a Stanley Cup, a mais antiga taça de todos os desportos profissionais norte-americanos, que é entregue todos os anos ao campeão da NHL.

A versão referente à época desportiva de 1996/97 trouxe algumas novidades importantes em relação à sua antecessora. Foi a primeira vez na série que a mesma teve narração e comentários (a cargo de Jim Hughson) e em que também se notaram: a inclusão de selecções nacionais; a introdução de um modo competitivo de desafios de destreza e a estreia de novos movimentos personalizados das maiores estrelas da competição. ‘NHL 97’ foi também o primeiro título da série da EA Sports a chegar tanto à Sega Saturn como à PlayStation original, utilizando um motor de jogo em 3D. As versões da Super Nintendo e da Mega Drive mantiveram basicamente o grafismo da versão anterior mas com animações melhoradas e melhor fluidez, especialmente no caso da consola da Sega cuja versão viria até a arrebatar o prémio de ‘Melhor Jogo de Desporto’ na cerimónia dos Spotlight Awards de 1997.

O meu interesse pela NHL começou a surgir por “culpa” do basquetebol da NBA, cujos resultados e resumos dos jogos eu acompanhava na CNN Internacional (e no seu teletexto) quando a televisão por cabo chegou à minha cidade. Face às semelhanças entre as duas ligas profissionais tendo em conta o modelo competitivo (com divisões, conferências e play-offs), calendário e representação das cidades, comecei a torcer pela equipa dos Phoenix Coyotes (antes Winnipeg Jets e actualmente Arizona Coyotes) por já apoiar os conterrâneos Suns na NBA também. ‘NHL 97’ foi o último jogo que comprei para a Mega Drive, quando a Sega já não investia tanto na consola em favor da mais recente Saturn, mas não me arrependi e ainda disfrutei bastante do jogo.